Após aquele grito que parecia ter tremido toda a residência, automaticamente fechei a porta do quarto e me virei de costas.
Talvez tenha sido impressão minha, mas tive a sensação de ter ouvido uma risada vindo da cozinha. Mas com certeza a mãe de Aka não teria feito de propósito!!
— Ahem… pode entrar agora! — escutei Aka dizendo isso enquanto deixava a porta do quarto entreaberta.
Assim que entrei, não perdi tempo para me prostrar em desculpas.
— Me desculpe, entrei sem que você respondesse, foi minha culpa — respondi em um tom um pouco mais alto do que costumava falar.
Parando para olhar em volta agora, o quarto dela era realmente interessante, o total oposto do resto da casa. As paredes variavam levemente em tons de rosa, indo do claro ao choque, tendo um tipo de decoração específica para cada tonalidade. A parte mais clara era onde estavam os ursos de pelúcia, pendurados em duas prateleiras propositalmente assimétricas. A segunda tonalidade mais fraca era onde ficava a área para estudar, ela tinha uma penteadeira branca com materiais de estudos e algumas maquiagens, sinceramente nunca pensei que ela usasse maquiagem, era quase imperceptível. Seguindo nessa linha, tinha uma estante que abrigava um montante de livros, não consegui ler os nomes, mas eram livros de capa preta e dura, cada um mais grosso do que o outro(o que estou pensando??). A última parte era a da cama, que ficava contrária à porta. Logo acima da cama tinha uma janela com uma cortina roxa meia noite, a cama era bem simples, forros brancos e cabeceira rosa clara.
Ela gostava muito mais de rosa do que deixava aparecer.
— Não tem problema — diz enquanto balança as duas mãos em negação.
— É só que eu me surpreendi. Como somos… você sabe… não precisa pedir desculpas por isso!
Ouvindo aquelas palavras, simplesmente senti meu rosto ficar quente, como se eu estivesse num banheiro com vapor por pelo menos 1 hora.
Fiquei coçando minha cabeça e rindo igual um bobo. Eu com certeza não esperava essa resposta.
— Bom, estou pronta, quer ver um pouco da casa? Já que está chovendo, você deveria jantar aqui hoje.
Essa mescla de emoções que senti desde que entrei na casa, até o momento em que vi a obra de arte escondida pelas roupas de Aka, me fez esquecer dessa maldita chuva. Apesar que eu devia ser grato a qualquer divindade que tenha mandado isso.
Fizemos um rápido tour pela casa, eu digo rápido pelo tamanho compacto do ambiente.
Minha casa não é muito grande, tem 3 quartos, 1 banheiro e uma sala e cozinha até que bem grandes. Mas aqui era realmente pequeno, tinham 2 quartos, 1 banheiro e uma pequena sala do lado da cozinha que não tive a chance de ver ainda. Embora o tamanho seja ainda menor pela quantidade de móveis que essa família têm.
Finalmente fomos comer, eu estava com muita fome depois de andar por horas afinco sem parar para comer nenhuma vez, nem um único sorvete…
Assim que passei pela divisória da sala com a cozinha, avistei um homem sentado que julguei ser o pai de Aka.
Era um homem que eu não podia distinguir se era alto ou baixo, pois estava sentado, mas podia dizer que era bem velho e magro. Praticamente não haviam fios em sua cabeça e ele estava com a barba já grisalha por fazer. Se ele tivesse a pele um pouco mais rugosa, eu acreditaria que era na verdade o avô da casa.
Esse senhor e a mãe de Aka eram um casal bem incomum de se ver por aí.
— Meu nome é Óscar Cruz, é um prazer conhecer o senhor — eu disse assim que ficamos cara a cara.
— Ah sim, como pude me esquecer? — disse a mãe de Aka enquanto se dirigia com os pratos até a mesa — Pode me chamar de Bel, e esse velho é Eliot.
Ambos os nomes eram estrangeiros, mas a essa altura eu já me acostumei.
Assim que a mesa estava servida, Bel se sentou conosco. Ela estava sentada à frente de Aka e no meu lado esquerdo, eu naturalmente com o corpo direcionado ao Eliot. A mesa era redonda e feita de uma matéria que eu não sabia dizer se era madeira ou algo assim.
A casa inteira era bem simples, mas eu não conseguia dizer que eles eram pobres, cada canto exalava uma aura branda de realeza. Embora junto à luz fraca e a chuva forte, parecia cenário de filme de terror. Mesmo assim, eu já estava me acostumando com o ambiente.
O momento da janta seguiu bem silencioso, Aka e eu conversando um pouco aqui e ali, Bel me fazendo algumas perguntas, apenas Eliot estava em silêncio. Foi um jantar agradável, eu não tinha esse tipo de contato com minha própria família, então devo dizer que fiquei bem contente por estar aqui com eles.
Eu podia sentir que eu iria me adaptar muito bem a essa família, e quem sabe até não me tornasse mais íntimo de Bel?
A comida em si era agradável, tinha um sabor fresco no suco, mesmo que não estivesse calor, e o arroz com carne era uma delícia, por mais simples que pudesse ser. A comida descia muito bem, não sei se era por ser uma comida feita por mãe, mas me senti aquecido a cada colherada.
Assim que acabei meu prato, não pude deixar de soltar um suspiro de satisfação, não porque estava cheio, mas porque estava realmente bom.
— Deseja mais? Fiz uma porção para duas famílias inteiras haha — perguntou a gentil Bel assim que soltei minha colher, então neguei, agradecendo pela refeição.
— Então espero que tenha aproveitado a refeição keke — dizendo essas palavras, o sorriso macabro que ela tinha no começo voltou, nesse momento meu corpo gelou novamente, eu já tinha me acostumado, ou era o que eu pensava até ver suor escorrendo pelo meu rosto. Ela se levantou devagar, e se dirigiu até pia atrás de mim após recolher os pratos de todos.
Nesse momento eu olhei de vislumbre para Eliot, ele pela primeira vez tinha uma expressão no rosto. Ele tinha um sorriso frouxo que passava uma visão egocêntrica dele. E por mais estranho que fosse, o rosto de Aka era o que me deixou perplexo.
Ela estava com o rosto abaixado, podia ver contornos de lágrimas se formando ao redor de seus olhos, o brilho que seu olhar carregava havia se extinguido, seus cabelos vermelhos caídos cobrindo quase todo o seu rosto. Aquela visão não condizia com como a noite passou, estávamos rindo agora pouco. Felizes. Por que ela estava assim?
Estranhamente, a garota que costumava ser quase da minha altura, estava bem menor, na verdade era como se eu tivesse crescido uns 10 centímetros, pois todos os móveis estavam menores do que eu, era como se eu estivesse olhando tudo de cima.
Como um Deus
“Aka?”
Foi o que tentei dizer, mas apenas consegui pensar. No momento em que palavras deveriam sair, apenas saiu vômito. Minha audição se fechou completamente enquanto eu tentava escutar a chuva bater sobre o telhado. Enquanto eu olhava ao redor, pude sentir minha visão ficar mais escura, como se eu estivesse usando um óculos de sol vermelho. Estava quente. Meus olhos estavam quentes. Minhas orelhas estavam quentes. Minha boca e o vômito que caía dela estavam quentes.
Olhando para baixo, avistei algo que não deveria estar lá. No lugar de uma blusa roxa protegendo meu peito, haviam dedos, dedos longos e gordos que mais pareciam garras de leões, mas ainda era dedos. — QUE PORR—
No momento em que falei fui arremessado na parede que dividia a sala. Meu corpo doía muito, era insuportável. Eu gemia enquanto tentava entender a situação.
— AAAAAHHHHH ajud— Antes de finalizar minha frase, vomitei de novo, até que percebi que não era vômito. Era sangue.
Quando percebi isso já era tarde, meus sentidos não funcionavam mais. Eu podia sentir que sangue vazava por cima de minhas entranhas cortadas para fora, o impacto na parede havia quebrado diversos ossos, alguns deles podiam ser vistos até pela minha visão turva pelo sangue acumulado.
Mas nada disso importava quando olhei para cima. E. Vi.
Era uma criatura, não podia nem ser chamada de pessoa. Tinha uns 230cm de altura e dedos em formato de garras maiores que meus braços. A figura estava completamente deformada nos ombros e torso, sua cabeça era larga e seu pescoço tinha uns 15cm. Mas a pior parte era seu rosto.
A esclera e íris de seus olhos estavam negros, não havia mais cabelo em sua cabeça, mas o sorriso foi o que me fez tremer de medo a ponto de esquecer a dor. Indo da ponta de uma orelha até a outra, dentes podres e afiados como os de um cão. Seu sorriso me fez sentir num abismo, onde eu estava encolhido abraçando meus joelhos. Apenas chorando e me aliviando em mim mesmo.
— KAKAKAKAKAKA O QUE FOI CRIANÇA? NÃO CONSEGUE GRITAR MAIS? KEKEKE
A simples risada desse demônio me fazia querer simplesmente morrer. O que provavelmente não demoraria muito.
Antes de desmaiar só pude ver uma única figura quebrando as janelas da casa. Era um homem com uma capa negra, espadas brancas em ambas as mãos e um cabelo castanho bagunçado. Não acreditei no que meus olhos estavam vendo, não naquele momento.
— Aaah guri, eu te disse que essas beldades eram as piores pra se envolver em. Eu avisei!
Dando um leve sorriso coberto de sangue, vi uma visão de cabelos ruivos chorando enquanto minha mente se apagava…
— Desgraçada do caralho…