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Capítulo 11: Luto

As longas estradas largas feitas com base em paralelepípedos cinzas estavam desertas. Cada rua se encontrava vazia formando uma visão incomum para aquele momento da manhã. As casas de madeira bem trabalhadas e normalmente enfeitadas mostravam apenas simplicidade. Portas fechadas e janelas cobertas por cortinas negras.

O centro comercial que sempre costumava estar cheio de vida, se mostrava tão vazio quanto a alma de um cadáver. A cidade de Alighierg não era uma capital, entretanto muitos viam como tão importante quanto e por isso normalmente era tão movimentada quanto.

Aquele dia era mesmo único, as periferias estavam vazias, os centros de moradia, os bares, as praças. A cidade não era tão grande, porém continha uma população tão numerosa que chegava perto de exceder os seus limites. Ainda assim, lá estava ela vazia.

Com exceção clara de Floriana, a mulher se destacava como único ser vivo naquele bairro deserto. O que não importava muito, pois normalmente chamava atenção onde passava independente de multidões. Era realmente linda, para quem, é claro, sentisse atração por membros da sua espécie.

Demi-humanos, um termo racista criado pela raça humana para definir alguns povos específicos como o dela. Se a própria Floriana tivesse que dizer o que era, se declararia uma “Homo Felidae da ramificação Felis Catus”. Tinha aparência bípede, postura ereta, era obviamente humanoide, mas longe de ser humana.

A mulher tinha a pele coberta por pelos negros, sua calda acompanhava seu caminhar lento com um balanço calmo. Seus ouvidos de gato vez ou outra reagiam ao vento como se sentissem algum perigo. Ela não parecia capaz de conter seus instintos de aventureira, mesmo em completa segurança.

“Meoooow.” Ela bocejou ao se alongar espantando um pouco do cansaço, seu vestido longo e negro raspando por sua pele ao agir assim.

Sua caminhada acabou quando chegou aonde pretendia, o prédio da guilda.

A grande guilda dos aventureiros se erguia em toda sua magnificência. O carvalho que sustentava aquele edifício de cinco andares era opulento e possuía uma riqueza de detalhes tão grande que às vezes provocava lágrimas nos olhos felinos de Floriana.

A mulher subiu alguns poucos degraus e parou em frente ao portão de madeira com ornamentos de prata. Enfiou uma das mãos nas dobras negras de seu vestido e retirou uma chave dourada com a qual abriu uma fechadura.

Ela entrou no prédio, lembrando, é claro, de trancar tudo assim que estava dentro. O salão principal da guilda, normalmente movimentado, estava vazio naquele dia igual a toda a cidade.

Não perdeu muito tempo olhando o ambiente e andou em direção às escadas que lhe levariam até o andar superior e permaneceu subindo até os degraus terminarem, a deixando no último andar.

Aquela área era restrita, local onde apenas a entrada de pessoas autorizadas era permitida. O salão de administração da guilda onde missões era revisadas e analisadas, onde decretos eram emitidos, onde a vida de um povo poderia ser salva ou perdida com apenas uma ordem.

Uma ordem da única pessoa naquela sala.

As mesas estavam vazias, sem as costumeiras pilhas de papéis, ausentes de tinta escorrendo, livres de seus trabalhadores exaustos. Cada móvel, menos um.

“Por que você não vestiu preto?” Floriana perguntou enquanto se aproximava com seus passos macios.

A mulher apenas encarou a visitante com seus olhos azuis gelados atrás de suas lentes transparentes. Diferente da Homo Felidae, aquela no fundo do cômodo era uma Homo Sapiens.

A mulher alta de pele branca alongou os braços cansados de tanto escrever, sua camisa social branca se esticou com essa ação. Os seus grandes seios volumosos acompanharam o movimento, puxados pela seda e Floriana pensou que um dia aqueles balões enormes estourariam os botões das roupas da mulher.

Ela passou uma mão em seus cabelos dourados como ouro amarrados em um coque simples e desleixado. Suspirou ao encarar a aventureira e perguntou com uma voz cansada.

“O que faz aqui Srta Flor?”

“E o que a senhora faz aqui Mestra da Guilda?”

“Estou trabalhando.” Ela respondeu com uma voz seca e voltou sua atenção para os papéis em sua mesa.

“E eu vim por saber que cê ia fazer isso, mas, Nana hoje é um dia de…” A felina parou em meio a sua frase com hesitação.

“Dia de?” A outra questionou erguendo uma única sobrancelha.

“Eu só tô preocupada, não devia se afogar em trabalho num dia como esse só por causa da tristeza.” A esse ponto a gata já estava ao lado da mesa onde a outra trabalhava.

“Não estou triste, é um dia como qualquer outro.” A Mestra da Guilda falou ciente do quão estupido era dizer aquilo em um dia que era literal crime trabalhar.

“Aham, fala isso pras ruas vazias, não tem uma única pessoa que tenha saído de casa hoje, com exceção da gente.” A aventureira debochou enquanto se sentava em um canto em cima da mesa “Eu só acho que no dia de hoje, a senhora devia”

“Céus! Eu não quero pensar nisso Floriana!! Você pode pelo amor de Atena, calar a sua boca!?” A loira explodiu de raiva socando a mesa.

A felina se encolheu diante daquele estouro de fúria, calou-se e levou as mãos juntas ao corpo envergonhada de si mesma. A Mestra da Guilda diante daquela visão, suavizou, estava sendo injusta.

Levantou a mão direita e estendeu para tocar a outra mulher, mas hesitou em meio a ação e retraiu o braço para si enquanto murmurava envergonhada.

“Me perdoe, eu só… Esse é um dia difícil pra mim, ver tudo isso que está acontecendo…” A mulher tirou seus óculos de lentes quadradas e repousou sua cabeça sobre as próprias mãos “Me machuca de uma forma que você não entende.”

“Realmente não entendo, mas vou te apoiar, você é minha amiga.” A felina disse enquanto dava a volta na mesa e se agachava ao lado da loira, com um sorriso no rosto disse “Só posso imaginar como dói, mas não te emociona que todo o país compartilhe do seu luto? Divida essa dor?”

“O que sinto não é como você imagina Flor, o que pensar no herói me causa.” A loira levou uma mão ao peito direito quase sentindo a dor física que não estava realmente lá.

“É, não deve ser mesmo, afinal você conheceu ele, lutou ao lado dele contra o Rei Demônio. A admiração que sinto pelo grande herói provavelmente não é nada, mas eu não quero falar de mim. Eu tô preocupada com você, como você tá?” Floriana olhou com carinho para a mulher cansada.

Isso foi o bastante para que a outra quebrasse por dentro. Lágrimas salgadas traçando uma linha por suas bochechas. A voz embargada que era interrompida por soluços a cada vez que tentava falar. O rosto corado pelo sangue que corria.

“Eu me sinto horrível, aquilo acontece e a reação do Rei é isso? Um decreto de luto?” A loira movia as mãos no peito e erguia a boca como se aquilo fosse ajudar a respirar “Eu só quero dormir e não acordar outra vez.”

“Ei, tudo bem, tudo bem.” A gata abraçou sua amiga, sua pele macia e peluda, provocando um conforto que só podia ser dado por alguém como ela. “Eu tô aqui com você, você tem a mim.”

Normalmente a Mestra da Guilda não demonstrava tanta fragilidade. Não ela, uma mulher que fez fama ao ter encontrado o grande Rei Demônio e sair com vida. Uma aventureira classificada entre as dez mais fortes do mundo. Em um dia normal seria inabalável feito aço, porém aquele não era um dia normal. 

O Rei havia decretado luto oficial em toda a terra sob sua soberania, afinal, o Herói morreu.

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