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Capítulo 2: “Ele”

“Ele” acordou.

Os sons pesados vindos do choque de metais alertavam a chegada de intrusos. Os grandes de membros longos vinham da borda da floresta e adentravam cada vez mais fundo na mata. Em suas mãos, alguns levavam pedaços longos e cortantes de ferro, em seus braços, placas grossas, uns levavam paus com um brilho vermelho, outros longos gravetos com cipós incomuns que lançavam galhos menores e pontudos. “Ele” não sabia contar, mas se soubesse entenderia que eram sete aqueles que entravam fundo na mata. Sete daquele povo o qual se chamava de raça humana.

Humanos, uma palavra difícil para aquele ser. “Ele” não conseguia falar, qualquer som que exigisse mais do que rosnados agudos estavam fora de sua capacidade. O próprio, era de um povo diferente, aqueles dos membros curtos, da pele verde. A raça dos invasores tinha um nome para o povo dele, uma palavra também desafiadora em sua pronúncia.

Goblins.

Goblin, monstro, criatura. Aqueles de membros longos tinham muitas formas para se referir a “ele” e aos seus iguais. Também sabia que os humanos possuíam palavras especiais, termos únicos para cada um, como se cada um fosse especial.

Nomes.

“Ele” não tinha uma palavra especial, era mais um goblin entre tantos outros, por qual razão haveria de ter? Mas talvez hoje pudesse ter a sua, agora que não era apenas m ais um igual a todos.

Seus pensamentos foram interrompidos pela noção de que os humanos chegavam mais perto. “Ele” estava só, nas margens de uma pequena lagoa abaixo das grandes árvores de largas copas. A floresta era extensa e perigosa, se ela tinha um nome especial, isso era de seu desconhecimento. Todo seu saber sobre a terra era apenas aquele que obteve com suas experiências. Ao sul se tornava mais frio e se espalhavam buracos no chão dos quais saiam entranhas junções de diferentes raças cujo nome “ele” era ignorante sobre.

Ao leste estavam os grandes fortes e verdes gordos, eram brutos e violentos, destruíam tudo que encontravam e estupravam tudo que se mexia. Ao sudeste haviam mais criaturas grandes e verdes, aquelas que nunca morriam, com membros que cresciam ao serem retirados e uma pele onde as feridas se curam em questão de segundos.

Muito mais fez daquela floresta sua morada, centenas de outros seres, todavia “ele” não sabia quais. Sua coragem pequena permitiu apenas que fosse até às bordas dos territórios de outros povos, nunca se afastando dos seus iguais e nunca, jamais, chegando perto do norte onde se reuniam e viviam aqueles de membros longos, os humanos. O monstro só podia pensar em como eram as terras deles e ultimamente pensava muito sobre isso.

Ultimamente pensava muito.

O goblin saltou na água do lago, próximo a margem havia um buraco grande o suficiente para que pudesse se esconder. Um agradável bolsão de ar formado nos momentos de violentos ventos a noite. “Ele” não era muito grande, o goblin possuía pouco menos de um metro e meio, seus membros eram finos e seu corpo era magro. Não foi difícil se esconder para evitar ser morto pelos humanos.

Nunca poderia os enfrentar, eles eram fortes de uma forma não natural. Criavam fogo e gelo, controlavam os ventos, tinham falsas peles de ferro e longos pedaços de aço. Eram sobrenaturalmente fortes de uma forma que “ele” não era capaz de compreender, mas queria.

Precisava entender.

Por isso estava agora sozinho, o seu povo não pensava. Os pequenos verdes de corpos fracos só gostavam de se reproduzir, procriavam o dia inteiro entre sua própria espécie e entre outras, nada ocupava mais as suas cabeças ocas e minúsculas. Um dia “ele” foi assim, porém hoje se via incapaz de permanecer como no passado.

Era incapaz de dizer qual foi o catalisador dessa mudança intensa, porém era ciente dela em sua totalidade. Procriação era algo secundário, talvez até terciário. Sua curiosidade o movia muito mais, entender como os membros longos do norte eram fortes de forma tão estranha. Saber a razão dos verdes habitando a floresta serem tão diferentes, conhecer o que ficava além dos territórios ao longo das bordas da selva e ainda mais distante.

Sua mudança não foi sútil para aqueles que eram os seus iguais e assim foi expulso das cavernas. A diferença era inaceitável, individualidade, um crime. Afinal, eram goblins e não humanos.

Humanos estes que passaram pelo lago sem o notar em seu esconderijo sob a água. Agora seguro, tinha duas opções, fugir ou os acompanhar e foi sem hesitar que escolheu a segunda. Os membros longos sempre mostravam algo impressionante para “ele”, sempre havia algo para aprender e o fraco goblin recentemente se apaixonou por essa nova sensação que o conhecimento provocava.

Esperou alguns minutos (não que possuísse alguma noção do que “minutos” fossem) antes de seguir aqueles intrusos na selva. Seus rastros eram óbvios para alguém acostumado a sobreviver naquela terra hostil, seguindo suas pegadas e as folhas pisadas, logo alcançou rapidamente os humanos. 

Uma cena curiosa se desenrolava, estavam os setes em uma bifurcação no caminho espesso, um caminho levava ao sudoeste e o outro ao leste. O fascinante é que entre os dois caminhos havia uma garota. Uma humana jovem, vestindo trapos sujos e com as mãos juntas implorando por alguma salvação.

Os invasores não esperavam aquilo é claro, mas suas mentes estratégicas logo buscaram alguma explicação que soasse racional. Infelizmente era normal que por vezes os monstros atacassem vilas humanas próximas e alguns deles sequestrassem pessoas. Os orcs particularmente gostavam de estuprar as mulheres, os trolls obtinham prazer no gosto da carne humana jovem, kobolds usavam as pessoas ainda vivas para rituais pagãos, aracnes usavam os corpos como casulos entre vários outros destinos cruéis que um humano sequestrado poderia encontrar naquele inferno esquecido pelos deuses.

Um dos humanos se aproximou da garota que recuou ao notar. Ela deu vários passos para trás até estar encostada em uma grande árvore marrom escura. Nenhum deles deu atenção especial a esse fato, com exceção do goblin escondido há muitos metros de distância.

Era triste, pensou “ele”, os invasores não tinham feito nada de impressionante ainda e já estavam prestes a morrer. 

De fato. O primeiro foi aquele que se aproximou da garota, do alto, um galho retorcido avançou no corpo dele como se fosse uma lança e o perfurou entrando por sua boca e saindo pela sua virilha. A árvore então se moveu, as áreas mais rígidas de sua casca seca se partiram e o seu interior inchou para fora como uma massa formada de lascas pontiagudas. As raízes do chão ergueram aquela grande criatura e se emaranharam umas às outras até formarem três grandes patas.

De cada lado do monstro, galhos cresceram e unidos se tornaram braços com mãos repletas de espinhos e dedos perfurantes. No centro da criatura um enorme buraco, em suas bordas, espinhos grossos feitos para triturar tudo que ali entrasse. O que antes parecia apenas uma garota indefesa, agora estava pendurado como um pano na ponta do que parecia ser uma antena de parede vinda do topo da cabeça daquele monstro.

Uma pena, tanto para os humanos, quanto para “ele”.

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