O céu sempre havia sido tão baixo? A escuridão sempre foi tão luminosa? O chão em que pisava sempre machucou tanto os seus pés?
A floresta não parecia a mesma, era o que pensava no caminho de volta para o buraco na terra que chamava de lar. A Bruxa do Pantano parecia certa de que “ele” iria se tornar algo novo, evoluir. Infelizmente seu corpo não havia mudado, continuava o mesmo em cada pedaço de seu ser.
Somente as sensações estavam o incomodando, ele mal conseguia enxergar, mesmo sob as folhas das árvores que escureciam a selva havia uma luz tão intensa que queimava sua visão.
O goblin mal sabia onde estava.
Seus ouvidos longos e pontudos nada captavam, o mundo se tornou notavelmente silencioso desde que ele saiu da casa da bruxa, nem um único som fosse das folhas ou da terra sendo pisada.
E andar sobre ela era doloroso como nunca foi antes. O corpo que estava tão acostumado com a dureza das rochas parecia a ponto de sangrar com a menor das feridas.
O pior sem dúvidas era aquela dor que sentia em sua barriga. Era como se algo girasse sem cessar dentro de um ponto em seu corpo e desejasse se espalhar para todo o resto.
Às vezes pequenos pedaços dessa coisa se espalhavam e “ele” lembrava vividamente de como foi na primeira vez que isso ocorreu. Havia sentido algo em sua boca, pequeno e liso que o monstro logo cuspiu. O goblin não tinha nada na boca antes e quando usou sua língua notou algo faltando, um dente, um que foi cuspido em algum ponto daquele inferno.
Não demorou até que todos os outros caíssem e a criatura se desesperasse com isso. Como haveria de comer agora,? Seria impossível para algo como ele comer sem dentes
Cansado demais, o monstro desistiu e caiu sobre suas próprias pernas, um grande erro. “Ele” sentiu seus ossos se partirem em vários pedaços como se fossem gravetos finos. Água com o mesmo sabor do rio desceu de seus olhos cegos e escorreu por sua face, já havia sentido muitas dores antes e essa era a pior.
Não iria conseguir em casa, porém se ficasse ali, seria morto. Existia um motivo para o goblin não encontrar tantos inimigos fortes em suas andanças e a razão era simples, eles também se escondiam. Naquela floresta sempre pode surgir algo mais perigoso e forte que você, então mesmo confiando em seu poder busque ficar quieto.
Infelizmente mesmo assim, monstro algum hesitaria em matar alguém tão obviamente incapaz como era o goblin naquele momento.
“Ele” precisava se esconder, necessitava de segurança, ansiava por conforto. Com suas mãos ele começou a usar suas garras para cavar, direto para a escuridão que tanto lhe confortou, lá tudo estaria certo.
Suas garras se prenderam na terra enquanto ele cavava e quando puxou sua mão, elas não vieram juntas. O monstro sequer era capaz de olhar para os pedaços de carne onde um dia houveram unhas. “Ele” nem mesmo era capaz de as recuperar.
Esta era a evolução? Dor agonizante em cada ponto de sua carne?
Estava com medo, estava apavorado, iria dormir o sono sem fim. Incapaz de ver ou ouvir sem garras ou dentes, só e incapaz.
Não queria que acabasse daquela forma, ainda desejava muito mais. Comidas que nunca pode provar, espécies com as quais nunca procriou, pedaços do mundo fora de seu alcance. Ele nem mesmo tinha chegado próximo de explorar toda a Floresta!
Mas era o fim, sem opção de que fazer, o monstro apenas aceitou. Caiu no chão e não se levantou mesmo quando sentiu metade de seus ossos se partirem.
A carne também começou a doer, seus músculos dolorosamente forçando um crescimento não natural. Em alguns pontos de seu corpo a pele rasgou, simplesmente se abriu e começou a sangrar.
O monstro sentiu algo subindo em sua garganta e logo abriu a boca para expelir uma coisa preta e pegajosa que “ele” não havia comido.
O sono sem fim ainda demoraria?
O goblin já estava com os ossos quebrados, pele cortada, corpo doendo. A criatura não tinha dentes para comer ou garras para cavar. Nem mesmo ver podia mais, tampouco ouvir.
No entanto, para sua felicidade o sono veio e sem que tivesse noção, o seu coração parou de bater.
E então retornou numa batida mais forte e grave.
Alguns animais famintos se aproximaram calmamente imaginando que haviam encontrado a próxima refeição que os manteria vivos por um tempo a mais. Todos fugiram de forma imediata ao sentir o cheiro repugnante da coisa que o goblin havia vomitado.
Ninguém o incomodou e assim não voltou a acordar, nem mesmo quando seu corpo começou a mudar. Durante sua inconsciência, a energia que mantinha contida em sua barriga se espalhou de uma só vez.
Mal sentiu quando os ossos antes partidos se uniram em algo maior do que antes, mais duro e resistente, melhor. Em sua boca onde não existia mais nada, novos dentes cresceram ainda mais afiados que os antigos.
Seus braços fracos foram endurecendo conforme a pele rasgada se curava. A carne firme nos braços agora maiores e mais grossos do que antes. Suas pernas seguiam o mesmo
ritmo dos membros de cima, porém com mais intensidade, ainda mais fortes, mais musculosas em todos os pontos, desde os dedos dos pés com novas unhas até o seu quadril muito mais largo e virilha extensa.
Sua cabeça antes careca e em formato de ovo se achatava e contorcia, mudando suas feições, tornando o menos goblin e mais outra coisa. No topo de seu crânio pequenos pontos pretos começaram a nascer, filetes de cabelo ainda pequenos que em breve num curto período de tempo iriam chegar até as suas costas.
“Ele” jamais teria noção do quão importante era aquilo, de como foi o primeiro de sua espécie a alcançar alto que deveria ser mais que impossível. No entanto sentiria, no fundo de seu ser e iria sorrir sabendo que alcançou algo incrível.
O não mais goblin ficaria mesmo muito surpreso quando acordasse.
