“Ele” nadou pelas águas escuras do pantano, cada vez mais perto da cabana da Bruxa. Estava curioso para saber como a mulher reagiria a sua nova forma, se impressionaria? Ou para ela não seria nada?
A reação da goblin em seu lar foi até interessante agora, pensou enquanto lembrava de como foi. Quando chegou lá, ela não o havia reconhecido, entretanto se ajoelhou e beijou seus pés imediatamente como sinal de obediência. Era dessa formas que os goblins viviam em suas cavernas, obedeciam ao mais forte e embora ela não vivesse mais com seus iguais, ainda tinha algo mais poderoso para servir.
O fraco serve ao forte e este último defendo o primeiro. Simples o bastante para a mente dela. Após aquilo, os dois passaram a noite em atividades mais satisfatórias e quando o sol retornou, “ele” iniciou sua jornada até o pantano.
Depois de nadar pelas águas, subiu na plataforma de madeira e esticou os braços em sua frente. Ainda estava se acostumando a ter membros tão longos, mas de qualquer forma estava gostando. Um sua nova mão bateu na porta da casa e passou a aguardar.
“Você realmente não tem nada mais pra fazer além de me incomodar?” “Ele” pode ouvir a voz dela perguntar de dentro da cabana. Logo abriu a porta e congelou na frente dele com uma expressão incrédula. “Pelas trevas de Anhangá.”
Era a segunda vez que o monstro a ouvia repetir aquela frase, era alguma espécie de saudação?
“Você está… uau.”
A Bruxa saiu na plataforma e andou calmamente dando voltas ao redor do convidado mais ou menos indesejado. Seus olhos vagaram pelas pernas grossas dele, oh aquelas pernas coxudas, a ela lembrava de algumas pessoas que teriam ficado com inveja. O abdômen trincado, os braços musculosos apesar de não muito grandes. As roupas que ela havia dado ao monstro haviam ficado mesmo bem, coladas em sua nova figura.
O que mais surpreendeu a mulher, no entanto, foi o rosto. Aquela face delicada, atraente. A Bruxa ainda conseguia ver o desejo selvagem de poder que se escondia nas chamas amareladas daquelas duas cavernas profundas na face dele. Ainda assim, aquela cara poderia enganar os menos atentos.
“Eu já vi hobgoblins antes, mas nunca um que fosse tão bonito.” Disse falando mais consigo mesma do que com o monstro, embora este também tenha ouvido.
Um hobgoblin? Então é isso que era agora, o nome lembrava um pouco o de sua antiga raça e imaginou que as duas poderiam estar relacionadas de alguma forma.
De qualquer jeito já havia perdido muito tempo, “ele” não foi lá para mostrar sua evolução, não se importava com o que a Bruxa via ou deixava de ver. O que lhe interessava era o lado dela do acordo.
Naquele dia aprendeu muitas coisas, inclusive o que era um dia em si. Uma unidade de tempo que possuía 24 horas, foi um pouco mais difícil entender como funcionavam horas e questões de minutos. No fim “ele” foi capaz de compreender o básico do tempo e foi uma agradável surpresa entender como aquilo poderia ser útil, mesmo sem ter como saber as horas onde vivia.
Entretanto, isso foi só um dos conhecimentos que ganhou com as conversas intermináveis da Bruxa do Pantano, alguém que gostava de falar. Aprendeu por exemplo o que são direita e esquerda, o nome de outras espécies e animais. Até mesmo o nome daquela terra em que todos eles viviam, A Grande Floresta de Dante.
Ainda assim, o mais importante ainda era ler, isso o permitiria alcançar novos conhecimentos que nem mesmo a Bruxa teria desde que “ele” tivesse o livro certo.
Existia o alfabeto, um nome para definir conjuntos de letras e dessas letras existiam vinte e sete, as quais por meio de diferentes combinações formavam palavras. A bruxa também havia sido obrigada a ensinar números para o monstro. Com alguma dificuldade entendeu o básico de contar e conseguiu o fazer até o número trinta e dois.
Das letras, tinham dois tipos que eram consoantes e vogais e embora não entendesse a razão de serem divididas, conseguiu colocar em sua cabeça pelo menos quais eram as do segundo tipo. A, E, I, O, U.
No entanto memorizar todas as letras estava sendo muito mais desafiador do que o agora hobgoblin imaginou que seria. Entretanto a mulher lhe ensinando parecia muito impressionada, mais de uma vez comentou sobre como ele aprendia rápido.
Quando a lua se ergueu no céu e a noite caiu, sua professora (e ela explicou o que era uma no início da aula) deu o dia como encerrado dizendo que descansar era tão importante quanto o esforço.
O monstro já havia cumprido sua parte do trato entre eles, mas ainda assim ela exigiu que “ele” saísse e voltasse com algum animal para ela cozinhar. O hobgoblin pareceu desgostoso em seguir ordens, mas saiu em silêncio sobre o olhar atento da outra.
Em sua mente a Bruxa pensava sobre como estava bem menos tentada a matar o monstro agora. Se sentia mais à vontade agora que ele não era mais uma criatura pequena feia e grotesca com um rosto cheio de deformidades. Na verdade, agora seu visitante era um colírio para os olhos.
O comportamento também era até mais agradável que sua nova beleza. O monstro desde que se conheceram não era agitado, sempre foi paciente, taciturno, ouvindo calmamente e nunca ultrapassando limites. Ele nem tinha tentado a estuprar como a maioria dos goblin que a mulher havia conhecido.
O principal ainda continuava sendo aquela inteligência incomum, aquela capacidade de aprender e integrar conhecimento que nenhum monstro de classe baixa como goblins deveria ter. O verme havia até mesmo evoluído! Ela não lembrava de ouvir ou ler antes sobre aquela raça nojenta evoluindo, então pensou que deveria ser uma ocorrência rara.
Ela estava disposta a perder mais tempo com ele, curiosa para ver o que mais o já não tão pequeno monstro (agora alcançava a altura dos ombros dela) conseguiria no mundo. Apenas anos no futuro, aquela mulher entenderia como o que estava fazendo foi importante para mudar a história do Continente Vermelho.
