Selecione o tipo de erro abaixo

Capítulo 36: Não é tão legal

Oh como estava animada. Um mundo de fantasia, logo ela em um mundo de fantasia! Isso era incrível!!

Provavelmente era uma história que devia ter lido em algum momento, ou um jogo! Nos manhwa que sempre leu, as protagonistas costumavam reencarnar em jogos de romance visual novel ou então em noveis do mesmo gênero.

Não tinha lido muita coisa nos últimos tempos por causa do trabalho, mas ainda assim eram muitas as possibilidades de mundo que recordava.

Tomou um momento para pensar, a garota estava dentro do que parecia ser uma sala de descanso com uma criança maltrapilha. O lugar tinha dois sofás azuis antiquados que ela só havia visto na ficção e que gritavam ‘ERA VITORIANA! NÓS SOMOS DA ERA VITORIANA!!’. 

Embora azul não fosse a cor mais popular daquele período da história, parecia dominar todo o ambiente em que se encontrava. As paredes eram cobertas por um papel azul claro com padrões geométricos. O chão era todo atapetado da mesma cor, mas em um tom mais escuro. Não existiam outras mobílias para serem contaminadas pelo péssimo gosto de quem decorou e toda luz ambiente vinha de uma grande janela que o figurante havia aberto para que entrasse ar.

Bom, antes de começar a questionar o garoto, tinha que ter certeza de saber quem era ou de forma mais precisa, quem foi.

Seu nome? Mariela Dália da Silva Bento, carinhosamente apelidada de Aidê.

De onde vinha? De Minas Gerais, Brasil.

Quantos anos tinha? Vinte e dois.

Lembrou esses e muitos outros fatos sobre si que pareceram relevantes no momento. Família, amigos, profissão e estudo. Sua memória não parecia agravada pela mudança de corpo. E como havia mudado de corpo mesmo? Oh, lembrou.

“Ai meu Deus.” Sua boca falou inconscientemente em um tom baixo.

Caxias viu a reação que parecia súbita, os olhos da lady arregalando, sua boca se abrindo, respiração acelerando. Ela agarrou as dobras do seu vestido para dormir apertando com força desejando ter certeza de que o que tocava era real.

“Ai meu Deus, ai meu Deus, ai meu Deus.” Ela repetia e sua respiração ficava mais rápida a cada palavra. “AimeuDeusAimeuDeusAimeuDeusAimeuDeusAimeuDeusAimeuDeus.”

O garoto não sabia como reagir, a menina em sua frente estava ficando desesperada. Perdendo a cor do rosto e se tornando cada vez mais pálida, a saúde esvaindo de sua face no mesmo ritmo que as lágrimas começaram a cair.

“Eu morri, eu morri, eu morri.” A cor voltou ao seu rosto, agora ele era vermelho e a cascata de sua agonia ainda mais constante.

Caxias achava entender o que aconteceu, sua Lady havia lembrado da queda e o trauma de bater a cabeça a fez pensar que teria morrido. Qualquer um ficaria tão agoniado quanto ela naquela situação, afinal todo mundo gostava de estar vivo. 

Não é?

“Calma, Lady Tundria, tá tudo bem, você está ótima, está em casa.” Ele falou palavras que pareciam ser as melhores a serem usadas no momento.

“Não, você não entende!” A garota inquieta já estava andando em círculos incapaz de permanecer parada em qualquer lugar. “Eu não estou bem, essa não é a minha casa!!”

Os dois se encararam por alguns segundos, aquelas duas orbes azuis claras que ela tinha no rosto geravam um cachoeira de movimento ininterrupto. Aquele figurante não entendia o que ela sentia em seu âmago, duvidava que qualquer um viesse a entender.

Teriam que morrer para serem capazes.

Oh Deus, ainda era difícil de compreender aquele fato, de aceitá-lo. O aperto em seu peito forte e doloroso não parecia que ia sumir. Aquele retumbar frenético de seu coração soava tão alto que Mariela mal conseguia escutar as palavras de consolação daquele desconhecido.

Havia morrido.

Deixou para trás sua família, seus amigos, sua carreira e sua paixão. Tudo lhe escorreu pelos dedos unicamente por causa de um momento, curtos segundos que fizeram perder todos os anos que tinha pela frente.

Estava morta.

Nunca mais receberia um abraço caloroso de sua mãe, aquele em que a mulher acariciava seus cabelos encaracolados com uma mão calejada pelo trabalho. Com beijos ternos dos lábios rachados repletos de carinho. Era seu porto seguro, sempre havia sido.

No dia em que resolveu deixar sua terra para tentar uma vida melhor na capital, chorou de tristeza com a ideia de partir, mas sorriu com alegria quando ouviu as palavras de apoio daquela mulher e a promessa de que se tudo desse errado teria para onde voltar. Sempre poderia retornar para os braços de sua mãe.

Não mais.

Oh céus, o tambor de seu peito soava ainda mais alto. O coração apertado, cada vez mais dolorido. Ia acontecer de novo? Por Deus, ia acontecer de novo!

Suas mãos agarraram aqueles cabelos dourados que não eram seus e os puxaram. Um grito de angústia morreu em sua garganta, pois ela não tinha força nem para o jogar no mundo.

“Calma, calma!” As mãos sujas do estranho segurando em seus ombros pedindo algo impossível.

“V-Você não entende, você não entende, é a minha vida, minha v-vida! É tudo que eu tenho, é tudo que eu…” A força nas pernas se esvaeceu e aquele corpo que não lhe pertencia só não caiu no chão porque o rapaz a segurou. “É tudo que eu tinha.

“Ei, você me tem.” Ele passou seus braços por ela, não a conhecia e não podia dizer que se importava muito. Entretanto nunca deixou os outros chorarem sem tentar fazer algo para ajudar, se essa era a mentira que ela precisa ouvir, então Caxias a contaria. “Você me tem, eu tô aqui pra você, chora no meu ombro, se segura em mim.”

Mariela agarrou aquele corpo sujo e se encolheu contra ele implorando sem palavras por algum refúgio, por acolhimento. Não eram os braços grossos e velhos da mulher trabalhadora, aquela voz não tinha o doce tom materno que sempre foi distinto.

Ainda assim se deixou ser acolhida como a criança que agora era obrigada a ser. Neste momento, aquele estranho era tudo que ela tinha. Nunca passou pela cabeça dos dois como o singelo momento pelo qual estavam passando ia mantê-los ligados pelo resto da vida.

Verdade seja dita, ela mal conseguia pensar e quando reunisse alguma calma, só poderia maldizer o destino.

Ninguém havia contado como a experiência da reencarnação dos mangás e manwhas era um inferno fantasiado de dádiva.

Picture of Olá, eu sou MK Hungria!

Olá, eu sou MK Hungria!

Sabe, eu tenho Aidê já planejada há meses, mas inicialmente sua introdução não ia ser tão carregada de emoção. Só que pensando mais a fundo nas últimas semanas eu parei pra pensar sobre como essa coisa de ir parar no mundo de fantasia pode ser horrível. Foi quando me dei conta de que na maioria dessas histórias os protagonistas sempre são órfãos, ou não tem amigos, ou a família já morreu. Sempre há um motivo para não terem nada a perder, ou esse presente se torna uma maldição.

Clique aqui para entrar em nosso Discord ➥