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Capítulo 4: Arma Estranha

Numa região tão hostil quanto aquela semi-representação do inferno na terra, se manter em um único local por longos períodos de tempo nunca foi aconselhável. Somente os mais poderosos ou mais espertos tinham a capacidade de se fixar em um único canto. A única opção para os fracos seria se manter em bando, pois os números faziam sua diferença mesmo lá onde gigantes da montanha vez ou outra davam o ar de sua graça.

Infelizmente, “ele” não era poderoso. Por mais esperto que fosse comparado a outros goblins, não era realmente esperto. E o pior de tudo, hoje se encontrava sozinho ao ser expulso de sua tribo. O goblin deveria depender do destino ou então do acaso e para sorte da pequena e infeliz criatura verde, o último lhe sorriu com gosto.

Foi ao desesperadamente correr de javalis brutos dias antes que ele encontrou o que atualmente poderia chamar de lar, ou se essa palavra indicasse muito mais conforto do que realmente existia ali, pelo menos um esconderijo.

Ao norte, próximo a saída da floresta havia uma árvore negra de folhas secas. Tão longa que se retorcia em si mesma e produzia assim uma curiosa pose. Era na metade do tronco que ela se dividia em três, e diferente do corpo principal, suas duas ramificações se elevavam no céu tornando a paisagem muito mais incômoda. Longe de ser a mais estranha planta daquela selva, muito longe desse posto, porém não impedia de ser uma excêntrica visão.

Era nesta malformação da natureza que o goblin encontrava seu abrigo. Existia uma abertura no tronco da árvore, curta e rígida na base da madeira próxima ao chão. Pequena demais para qualquer grande predador ou monstro, grande o suficiente para algo como “ele” passar com moderado esforço. 

Quatorze dias antes, recém expulso da caverna que habitava, ele se viu em risco de morte quando três javalis lhe acharam apetitoso o suficiente para um jantar. Em sua fuga desesperada, o fraco goblin procurou o primeiro lugar em que poderia se enfiar e agarrar qualquer chance de se manter vivo. Ao entrar no buraco ele descobriu algo que nunca teria percebido em um momento diferente.

Havia uma rachadura no interior da estrutura, se ele forçasse sua passagem poderia seguir nesse túnel natural até cair. Caiu por uns dois metros no que era uma câmara subterrânea, uma pequena construção da mãe natureza. Não muito grande, apenas dez de seus curtos passos e ele já teria dado uma volta em todo o lugar. Não cabia alguém maior que dois metros lá, o que não era um problema para “ele” que estava no auge de seus um metro e trinta centímetros. A escuridão por sua vez seria o menor problema do local, afinal uma criatura como ele nasceu e viveu a maior parte de sua curta vida na ausência de luz, visão noturna era uma das poucas coisas das quais sua raça poderia sentir orgulho. Seu corpo até já havia se acostumado a ficar cheio de farpas após cada passagem pela entrada.

Foi para lá que levou os itens largados e jogados pelo chão da terra onde morreram os humanos. Retornou ao local do acontecido pela manhã seguinte, o assassino daquelas pessoas já não estava mais lá é claro, sempre se movendo e nunca se mantendo no mesmo lugar, como é prudente.  

Muitas viagens foram necessárias para levar cada um dos objetos e foi apenas a sua experiência que impediu qualquer encontro mortal com uma espécie superior a sua. Seu buraco no chão logo estava cheio dos itens deixados pelos mortos. O grande pedaço de ferro afiado, o galho curvado com cipó, os gravetos pontudos, dois pedaços grandes de madeira que (ele não sabia como) podiam lançar a flor vermelha que esquenta.

Infelizmente, não era capaz de levar o grande metal plano até lá, tampouco a madeira longa com ferro na ponta. Eram objetos que para serem carregados, exigiam grande força, algo que “ele” não possuía.

Era fraco, uma condição que desejava mudar e para isso precisava aprender, conhecer mais sobre aquele povo dos membros longos, essa tribo de além do norte. Eles eram visivelmente mais fracos do que os habitantes da floresta, eram menores, não tinham presas, não tinham garras, faltava-lhes um intenso desejo de devorar. Ainda assim, essa raça estranha sempre vinha para o seu lar e saía vitoriosa na maioria dos combates. “Ele” sabia existir uma palavra para essa gente, outro dos curiosos sons que sua garganta inumana era incapaz de pronunciar.

“Aventureiros”, seja lá o que isso significasse.

Se esse povo fraco conseguia ficar mais forte com o auxílio daqueles objetos, então ele também poderia. A pequena criatura verde não era nem o primeiro monstro a pensar assim, não era raro espécies mais inteligentes que goblins como ogros e trolls usarem ferramentas que imitavam aquelas criadas pelos humanos. Todavia “ele” entendia algo que os outros não, apenas os itens não bastavam. Algo a mais se fazia necessário, algo que o próprio buscava descobrir o que era, porém enquanto isso não fosse possível, se contentaria em aprender a usar aquelas coisas primeiro.

Imitar aqueles falecidos era sua única opção no momento. Com o ferro longo não era possível, grande demais para seu corpo, ele acabava por dar giros e tropeçar em si mesmo toda vez que balançava aquele objeto. Os pedaços de madeira longa eram apenas frustrantes, não importa o quanto balançasse aquilo e rosnasse, nenhuma flor vermelha surgia no ar.

O graveto longo de pontas ligadas pelo cipó esquisito foi sua melhor opção. No início se provava um desafio para mãos tão pouco acostumadas. Muitas vezes não conseguia puxar aquele cipó da forma correta, em mais de um momento acertou a própria cara com aquela arma.

A paciência se esgotou após suas dezenas de tentativas e até lançou o objeto contra a parede, apenas para que este acertasse a pedra e retornasse até o goblin batendo uma segunda vez em seu rosto. Não precisava daquilo, voltaria a tentar com os outros, o que inevitavelmente faria ele terminar com o graveto de pontas amarradas.

Somente após seus dedos ficarem marcados com a vermelhidão que ele foi capaz de segurar o objeto da forma que acreditou ser correta. Os dedos doloridos eram prova de seu esforço e significavam que podia avançar para o próximo passo, o qual se mostrou tão difícil quanto o anterior.

“Ele” colocava um galho pontudo rente a madeira, puxava o cipó esquisito e se preparava para soltar. Infelizmente, todas as vezes o galho se inclinava para o lado e nem atirar o goblin conseguia. Tentativas e mais tentativas se seguiram com ele fracassando seguidamente em todas.

Se não bastasse seus dedos doerem, agora o braço também o fazia. Consequência da repetição dos mesmos movimentos, firma as costas, estende o braço esquerdo, flexiona o direito e puxa o cipó. Tão simples e tão exaustivo.

Talvez não fosse capaz independente de quanto tempo tentasse, à primeira vista parecia algo fácil, porém podia exigir alguma característica inata aos seres humanos. Por essa razão talvez ele não conseguisse. Pois afinal, ele não podia entender como algo que à primeira vista era tão simples podia ser tão desafiador.

No final do dia, tudo que conseguiu foram dedos e braços doloridos. Poderia tentar de novo no dia seguinte, por enquanto tudo que tinha era fome.

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