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Capítulo 43: A Garota do Mato

“Ele” acordou em meio a madrugada, passos silenciosos sendo dados em sua direção. Aquela era a vez do hobgoblin vigiar os arredores e seu companheiro já estava cochilando. O monstro por sua vez com confiança na eficácia da fogueira e também nas próprias capacidades de perceber perigo mesmo dormindo, ignorou a função atribuída e se jogou nos braços da inconsciência.

Infelizmente a proteção que a luz das chamas concedia estava sendo colocada à prova naquele momento, embora ficasse orgulhoso com a própria sensibilidade ao perigo.

Seus olhos amarelos se abriram rapidamente para ver o que se aproximava, no primeiro instante não pareceu uma ameaça e ainda assim o monstro mão baixaria sua guarda. Nunca havia visto aquela espécie antes e qualquer habilidade que ela possuísse seria uma surpresa.

A criatura lembrava uma garota humana, no entanto era claro que não fazia parte dessa raça. 

Era um pouco menor do que o hobgoblin, se estivessem lado a lado, a altura dela não ultrapassaria o peito dele. Seu corpo era magro, mas não a ponto de parecer doente, a firmeza dos membros e do abdômen denunciavam um corpo treinado mesmo que sem muito músculo. A pele era vermelha escuro como uma fruta. Seus cabelos eram rubros como sangue, imensos e arrepiados tinham fios apontando para todos os lados ao mesmo tempo. Assim como “ele”, a estranha possuía longas orelhas pontudas, mas na ponta dela residiam brincos redondos de madeira clara.

A desconhecida vestia poucas peças de roupa, se aquelas coisas podiam ser consideradas vestimenta. Havia um cipó longo e amarelado que dava a volta na sua cintura e passava algumas por entre as suas pernas, uma coisa improvisada que escondia suas partes íntimas. Circulando suas coxas e seus braços haviam pulseiras feitas com folhas e penas. De cada lado da cintura saiam fios pretos de tinta que subiam pelo seu tronco, passavam por cima dos mamilos de seus seios pequenos, atravessavam seu pescoço e terminavam em suas bochechas.

Nunca havia visto algo como ela e o sentimento parecia recíproco. Os olhos verdes da criatura vermelha encaram os amarelos dele. A garota sorria, era um sorriso maroto, não era amigável e tampouco parecia cruel. A desconhecida estava curvada há alguns metros dele, perto do fogo e ao lado de suas roupas.

Suas roupas, maldição.

A desconhecida pegou suas únicas peças de vestimentas e correu em meio a gargalhadas ecoantes. O hobgoblin não pensou antes de agir, não podia se dar ao luxo de perder aqueles itens. Sem se preocupar com mais nada e nem questionar se o pseudo-centauro havia acordado, foi atrás da garota vermelha que já estava dando passos em direção a floresta.

Quando pareceu que estava perto de a alcançar, ela deu um salto muito maior do que parecia capaz de fazer e agarrou o galho de um árvore com apenas uma mão. Com a outra segurava as roupas e desse modo saltou se agarrando a um cipó.

O hobgoblin não demorou a repetir o feito, persegui-la por terra só o atrasaria e no pior dos casos o faria perder seu rastro. Impressionante era que a ladra saltava e no próprio ar trocava as roupas de mão para aproveitar o balanço natural do corpo. Nem o monstro que passava dias se lançando entre galhos tinha tanta maestria.

Durante essa corrida (“ele” tomaria a liberdade para chamar assim) ela até girou em pleno ar para mostrar a língua e ainda foi capaz de recuperar sua posição de vantagem. O monstro nem tinha noção se um dia estaria tão acostumado com o balançar dos cipós.

A desconhecida era tão boa sobre as árvores quanto “ele” era sob a terra e naquele ritmo jamais conseguiria a pegar. O fim daquele jogo estúpido de gato e rato veio apenas quando a ladra desejou.

A garota vermelha caiu em queda até o chão onde rolou e parou em pé esperando que o monstro alcançasse. Se parasse pra pensar, o hobgoblin teria notado a obviedade de toda a situação, o próprio já havia utilizado daquela tática no passado. Infelizmente não pensou e foi por isso que caiu na armadilha dela.

Assim que seus pés tocaram o chão, um cipó oculto sobre camadas de folhas secas se enrolou em sua perna. Com violência seu corpo foi puxado para cima e deixado de cabeça para baixo. Não passou por sua cabeça cortar a armadilha, a dor que o puxão causou em sua coluna era tudo que conseguia pensar.

“Ururururu.” Ria a garota que saltava alegre com tudo ocorrendo como queria.

Ela levou as duas mãos juntas até a boca e soprou, sua ação provocou um assobio agudo e alto que lembrava o som de um pássaro. Apenas alguns segundos depois já era possível ouvir os sons de cascos se aproximando.

O monstro viu uma árvore inteira cair para dar passagem ao animal que ia até eles. Um javali, gigantesco, do tamanho de um orc adulto. Sua pele marrom carregava muitas cicatrizes, seus grandes olhos eram vermelhos e intensos. Suas presas eram afiadas de uma forma que pareciam ser capazes de perfurar metal com facilidade. Só sua presença parecia iluminar todo o ambiente com aquela luz clara que muito lembrava as chamas de um fogueira.

Espera, a luz não vinha do javali, mas então que intensidade luminosa era aquela?

A garota estranha agora olhava para alguma coisa atrás do ponto de vista do monstro capturado, ainda amarrado, “ele” pegou impulso com seu corpo para girar e ver o que ela observava.

Foi assim que o viu pela primeira vez.

Ele era uma criatura grande e forte, braços musculosos, pernas firmes, uma barriga redonda e protuberante. Quase todo o corpo inteiro era coberto por pelos laranjas parecidos com o da grande líder macaca, no entanto ele obviamente não era um. As partes lisas de seu corpo eram seu rosto, sua barriga, joelhos, palmas da mão e provavelmente as do pé também.

O estranho vestia uma espécie de saia de folhas que cobria as suas partes íntimas, tinha faixas de couro ao redor de seus pulsos e penas amarradas a um colar que usava. Em sua cabeça possuía brincos redondos e ocos que perfuram toda a carne inferior de suas orelhas além de uma pena afiada que atravessava seu nariz. O desconhecido sorria com uma fileira de dentes afiados e passava a não por sua barba laranja enquanto observava a cena.

O hobgoblin sabia que havia muita coisa desconhecida e inacreditável escondida nas profundezas daquela selva, mas nunca imaginou algo como aquilo. Principalmente por causa de duas características da criatura surgida do nada.

Em vez de cabelos, ele possuía chamas reluzentes saindo de sua cabeça com um ardor intenso muito mais ameaçador do que qualquer fogueira. 

E pés virados para trás.

“Fazer armadilha para os viventes da floresta não é típico de tu.” Disse o desconhecido com uma voz grave que parecia ecoar em paredes invisíveis.

“Ururu, Caipora faz o que Caipora quiser fazer, se Caipora quer fazer armadilha, então faz armadilha.” A garota vermelha disse cruzando os braços com ar infantil.

“Não na minha região, não sem minha permissão.” O outro parecia achar divertido aquela infantilidade.

“Caipora não pede permissão a ninguém, Caipora só obedece Caipora.”

“Huhuhu.” O desconhecido riu com gosto antes de assumir um tom sério que não abria espaço para discussões. “Na minha selva só caça quem quer comer e sei muito bem que tu não quer ele pra isso, saia.”

“Grrr, vai se arrepender de mexer com Caipora.”

A garota vermelha apesar de com raiva não pareceu disposta a conflito uma vez que pulou em cima do javali e cavalgou com ele para distante do lugar. Os cascos do bicho ressoando com trovão e suas presas derrubando árvores para abrir caminho.

Sobrou somente o hobgoblin e o estranho do cabelo de fogo. Medo ocupava o coração do monstro e este temor não passou quando outro foi até um tronco e cortou a base do cipó que sustentava aquela armadilha.

A criatura verde rolou em pleno ar e tentou cair de pé, sua tentativa falha resultou nele torcendo o pé esquerdo e impossibilitando qualquer fuga. O outro não pareceu feliz ou descontente, só demonstrava não se importar muito.

“Kurumim, tu não carece de tanta cautela, não vou fazer mal a tu.” Disse o desconhecido a se aproximar lentamente.

O que você quer? Quem é você?” Tentou transparecer calma e não sabia se havia conseguido.

“Eu só quero ajudar, quem sou?” A segunda questão o fez pensar, havia muitas formas de responder e todas estariam corretas. Optou pela que pareceu mais simples no momento. “Os deuses me deram o nome de Curupira.”

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Olá, eu sou MK Hungria!

Sim crianças, estou metendo a melhor mitologia na historia.

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