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Capítulo 46: Yo Ho

No final pode ter sido bom que o hobgoblin não chegou ao mar como pretendia. Era mais uma vez o acaso lhe protegendo das adversidades e dos riscos, pois se sua jornada fosse bem sucedida, o cargueiro negro teria sido avistado no horizonte.

A embarcação não era de forma alguma impressionante para aqueles conhecedores dos diferentes tipos de navios. A tripulação por sua vez não era excepcional em qualquer que fosse o aspecto. Ainda assim era melhor que o monstro nunca os visse.

Nunca foi bom encontrar piratas.

Nem os próprios tripulantes gostavam uns dos outros, o que tornava comum que ocasionalmente em dias quaisquer, alguém fosse assassinado sem razões válidas. Aquele seria um desses dias. 

O Cargueiro Negro se encontrava ancorado em auto mar, seus tripulantes fazendo a manutenção que o navio desesperadamente exigia. O casco estava avariado em diversos pontos e alguns dos marujos faziam o possível para remendá-lo com tábuas velhas.

No convés principal, mulheres costuravam as velas retiradas dos mastros e no alto, homens os consertavam. No interior da embarcação, marinheiros faziam fila para tirar água da forma mais eficiente possível usando velhos baldes enferrujados.

Era um milagre que ainda não houvessem afundado.

Poucos bucaneiros eram capazes de contar que lutaram contra a temida marinha do Reino Pospanhe e saíram com vidas. No caso daqueles no Cargueiro Negro, fugir covardemente era um modo mais apropriado de ser referir ao que aconteceu. Pelo menos estavam vivos, é tudo o que os importava.

É tudo com o que Quitéria se importava.

A mulher fazia a sua parte e junto de alguns homens puxava do mar uma rede abastecida de peixes. Seus braços cansados não foram feitos para aquele tipo de trabalho, mas sua falta de habilidade com a costura fez com que terminasse naquela tarefa.

Um suspiro aliviado saiu de sua boca quando conseguiram despejar dezenas de peixes sobre o piso de madeira. Ela assistiu as infelizes criaturas se debaterem desesperadas enquanto passava a manga suja de sua camisa sobre sua testa suada.

“Outra?” Perguntou ofegante para ninguém em específico.

Um dos homens pareceu refletir sobre essa questão, sua testa se enrugando com sua expressão pensativa até que chegou a uma reposta.

“Não, já tem o suficiente pra durar na viagem pra Porto Sem Lei.” O homem então olhou para Quitéria. “Vamos colocar os peixes em caixotes, você já pode começar a preparar eles enquanto isso.”

Claro que o trabalho ainda não havia acabado, pensou ela. Suspirando, a mulher caminhou onde vários dos peixes já estocados estavam organizados. Sentou-se em cima de um caixote fechado e puxou uma faca da bainha presa ao seu cinto.

Naquele dia, Quitéria vestia apenas uma camisa velha e suja com calças de couro rasgadas em vários pontos, roupas que poderiam ficar sujas. Ela amarrou seus cabelos negros cacheados e mais uma vez esfregou sua camisa em sua testa de pele escura.

Ignorando os outros trabalhadores ao seu redor, começou a pegar os peixes de uma cesta próxima e a abri-los, despejando suas vísceras no chão. Não havia razão para tentar manter o piso limpo, todos faziam sua parte para o sujar e de noite seriam obrigados a limpá-lo juntos de qualquer forma.

“Merda.” Levantou-se com uma carranca, esquecera o sal grosso.

Com passos firmes em suas botas velhas, caminhou até a cozinha tendo que desviar de vários outros companheiros, cada um focado nos próprios afazeres. Descendo alguns lances de escadas, entrou na cozinha onde foi direto a uma prateleira pegar o que foi buscar, um saco de couro cheio de sal.

Com o item mãos, se virou para sair e após alguns passos teve o condimento retirado de suas mãos por alguém maior.

“Churrasco, me dê essa merda.” Ordenou com pouca paciência.

“Isso não é algo que de pra sair gastando garota, sabe quanto custa só um pouco disso?!” Reclamou o pirata mais velho com seu hálito sujo chegando a mulher mesmo não estando próximo.

“Cacete, eu tenho uns cinco cestos de peixe pra conservar, então não me vem com essa!”

“Que?! Pra que tanto peixe, vai gastar o sal todo só pra guardar essa merda!” Falou com raiva na voz.

“Foi o capitão que mandou, então me dá logo isso pelo amor de Poseidon.”

“Tá tá, meu Deus, esse lugar parece a casa da minha vó, só confusão.” O cozinheiro apelidado de Churrasco voltou para o interior cheio de resmungos deixando o saco com Quitéria.

Sem mais tempo a perder, ela voltou a sua tarefa no convés superior. Abrir peixes e derramar suas tripas, logo depois teria que passar sal grosso em suas guelras, bocas e escamas. A última parte deixaria pra fazer junto das outras mulheres e no final todas iriam deixar os peixes sob camadas alternadas de sal embaixo de uma esteira.

Era este o método para conservar aqueles frutos do mar.

Cessou sua atividade quando de um peixe, caiu mais do que apenas vísceras. Sua atenção foi chamada para o chão quando ouviu o distinto sim de algo pesado caindo na madeira.

Seus olhos castanhos vagaram para baixo e lá ela encontrou o que nunca esperou, uma jóia de aparência valiosa. Quitéria se curvou e pegou em sua mão esquerda um colar de ouro, nele a cabeça de uma cobra esculpida do mesmo material e com olhos de jade.

Quase de forma imediata, a mulher se viu tomada por um frescor, como se houvesse de uma hora para outra ido parar embaixo da sombra de uma árvore. Essa sensação de alívio sumiu assim que teve o objeto tomado de sua mão.

“Onde achou isso?” Perguntou um homem nojento colocando a joia bem perto do rosto sujo. “Parece valioso.”

“Me dê!” Ela falou em um grunhido de raiva.

“Nah, acho que consigo uma boa graninha nisso.” Ele riu com uma voz rouca.

Ninguém deu importância a discussão, alguns viram Quitéria encontrando a jóia e outros viram o homem a tomando de sua mão, porém apenas ignoraram. Era uma regra não se envolver no problema dos outros e cada um que se virasse.

Dessa forma, também não se importaram quando a mulher enfiou a faca que tinha na mão direita dentro da barriga do infeliz que pegara seu colar. A maioria apenas estranhou, pois Quitéria nunca havia sido vista matando ninguém até então.

De fato era a primeira vez e apenas por ser uma ocasião única. Normalmente, ela não dava apreço a jóias, mas aquela era diferente.

Aquela chamava o seu nome.

Não o nome que tinha, mas aquele pelo qual devia passar a ser chamada.

Quetzalcoatl.

Picture of Olá, eu sou MK Hungria!

Olá, eu sou MK Hungria!

Aos que não lembram, esse colar já apareceu antes.

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