Existia um lago na camada mais interna da região em que ele estava, porém diferente daquele em que se escondera mais cedo. Esse local diferente tinha a água muito mais escura, um tom esverdeado apenas um pouco mais claro que a pele do monstro.
As árvores nesse lago cresciam de suas profundezas, uma grama estranha sem raiz boiava por pedaços da água e o fundo não era de forma alguma visível. “Ele” sabia que lá embaixo viviam espécies perigosas, de diferentes tipos e em grandes quantidades. O goblin só podia pensar de forma rasa sobre o quão assustador devia ser estar debaixo das águas.
O que buscava naquela área era o alimento, aquele lago estranho em específico era o escolhido devido ao anterior ser uma ótima fonte de água limpa, o que por sua vez significava o aparecimento constante de outras espécies.
Não, o corpo d’água escuro seria mais adequado para suas refeições. Nas margens viviam os verdinhos que pulam, seres de corpo cheio e gordo com pernas achatadas. Animaizinhos sujos que pulavam para lá e pra cá fazendo “ribit” de um lado e “ribit” de outro. Era fácil de pegar e haviam muitos nas bordas, não passaria sufoco tentando os capturar.
Deveria sempre comer os mais magrinhos, é claro, foi após quase morrer que aprendeu sobre o veneno presente naqueles mais cheios. Talvez fossem gordos por estarem preenchidos com veneno? “Ele” não sabia dizer, mas teria certeza de nunca mais colocar um daqueles na boca. Da última vez perdeu sensibilidade nos membros, viu coisas que não existiam e quase faleceu engasgado na própria saliva.
Quando se recuperou, havia pelo menos aprendido uma coisa nova, não era muito, porém ainda era algo.
Naquele dia comeu os pequenos e magros, colocava-os em sua boca começando pela cabeça e terminava sugando suas pernas enquanto elas se debatiam. Além do cuidado necessário para não comer aqueles venenosos, havia outra coisa que exigia sua atenção. O grande cipó no alto das árvores.
Aquelas árvores que cresciam da água se encontravam no céu, seus galhos todos se agarravam e suas folhas unidas formavam um teto pelo qual luz alguma passava. Era impossível dizer se era dia ou noite daquele ponto, isso devido a profunda escuridão que se alastrava. O goblin enxergava no escuro, assim como todas as criaturas que ousavam caminhar por entre aquela área.
Isso até o faria mais seguro, uma vez que aquela região ficava próxima a morada dos grandes e verdes gordos. Estavam próximos, apenas uma curta caminhada a leste e poderia vê-los, mas ali “ele” nunca os encontraria por duas razões, a primeira é que os monstros que não não enxergam a noite temem a escuridão.
Porém, se não precisava temer as criaturas ao leste, carecia de prudência com aquele grande cipó nas árvores. O cipó em questão era diferente daqueles que brotavam das plantas, também estava longe de ser como aquele presente na arma humana recém adquirida. Não, este no alto era muito maior, era grosso, viscoso, com terríveis olhos amarelos e uma língua bifurcada que fazia “sssssss”
Aquele grande cipó olhava para o goblin, mas não representava perigo, não ainda. O animal estava enrolado em pelo menos sete galhos, de uma árvore a outra, marcando seu controle sobre o céu, mesmo que também dominasse sob as águas. “Ele” viu no passado aquela criatura se enrolar em um dos grandes lagartos que nadavam na água e o matar após sufocar a presa.
O goblin não teria chance alguma em um embate com o grande cipó que faz “ssssss”. Por mais de uma vez viu aquele predador descer de forma rápida das árvores e devorar algum pequeno animal desatento em questão de segundos. A fera até mesmo nadava nas águas com a velocidade de um peixe.
O goblin nunca seria um oponente para o cipó que faz “ssssss”.
Embora, caso continuasse se acovardando, talvez nunca se tornasse oponente para nada. Os fortes matam os fracos e aqueles que nascem sem poder morrem sem poder. Era a lei daquela floresta, salvo algumas exceções. “Ele” sabia de monstros que haviam se tornado “algo novo”, não entendia a razão disso ocorrer ou como era possível. No entanto, tinha conhecimento de que alguns dos habitantes daquele inferno poderiam se tornar “algo novo” e assim ficarem mais fortes. A criatura responsável por matar os humanos no dia anterior também estava prestes a passar por essa experiência.
O que não acontecia com goblins é claro, goblins não se tornavam “algo novo”, nunca na história de seu povo isso havia acontecido. Embora mesmo que houvesse, o pequeno monstro não fosse ficar sabendo de qualquer jeito.
“Ele” no entanto queria tentar e estava disposto a morrer tentando. Os monstros se tornam “algo novo” matando outros monstros, então era o que ele devia fazer. Claro que o goblin era mais fraco do que todos os monstros habitando aquela terra, mas não havia outra raça que conhecia, fraca e que podia enfrentar criaturas mais fortes?
Se humanos podiam, ele iria tentar. Foi esse o pensamento que o fez ganhar uma nova dose de ânimo para dominar o galho que atira gravetos. Antes de deixar o lago da água escura deu um longa olhada no cipó que faz “sssss”, aquele seria seu primeiro oponente. Só necessitaria de cuidado para não chamar atenção da coisa no centro do lago, “ele” não sabia o que ela era, mas seguindo adiante para o centro, mais longe do que era capaz de ver, habitava uma criatura perigosa. Nunca teve um vislumbre dela, mas era a segunda razão dos grandes e verdes gordos evitarem aquela região, tanto por temerem seu poder quanto por saberem que este desconhecido dominava a flor vermelha que esquenta.
Foram esses os pensamentos na mente do fraco goblin enquanto ele silenciosamente voltava a sua morada, pronto para dominar com maestria o uso de todas a ferramentas humanas lá guardadas. Não era difícil prever que sua tarde seria cheia de frustrações e desistências.
Seu dia terminou cheio de dedos doloridos, articulações travadas, braços dormentes e é claro, sonhos de um futuro cheio de vitórias.
