Selecione o tipo de erro abaixo

Capítulo 62: Luto e Empatia

“Sabe que não tem só você aqui?” A Bruxa perguntou querendo ter certeza depois de ver o monstro voltar do centro da tribo com a cesta cheia de mandioca. “É a quarta vez que você vai lá.”

Eles continuam me entregando, seria uma completa falta de cortesia recusar.

“Patético.” Ver um monstro tão sem princípios se esconder atrás de educação com deboche, nojento.

“Não deve se preocupar com isso, coma o quanto quiser até que se sinta satisfeito.” Pediu Lauany com um sorriso.

“Você estava certo, Hob.” Comentou a réptil sem se aprofundar, os pseudo-centauros eram tão bondosos que chegavam a serem irritantes.

“Com o que?” A Matriarca questionou sem conter a curiosidade.

“Vocês são muito gentis.” Respondeu a Bruxa deixando de lado o resto de sua comida.

“Oh, obrigada.” 

Um silêncio desconfortável se seguiu entre eles, não por estarem desgostosos com as presenças uns dos outros, mas sim pela camada de angústia que recobria o acampamento. O luto é um sentimento poderoso, um que o Hobgoblin não era capaz de compreender intimamente. Era impossível que sua inteligência fosse incapaz de entender a natureza do sofrimento diante a perda de alguém que se ama. No entanto, não poderia sentir, nunca perdeu alguém que amou uma vez que nunca amou ninguém.

Seus olhos amarelos notaram ao longe uma discussão se iniciar, dois dos nobres pseudo-centauros brigando entre si. Mesmo distante, as palavras chegavam a suas orelhas pontudas, a causa da discussão era a raiva e a negação.

Um incapaz de aceitar o que aconteceu, o outro gritando repleto de ódio. O primeiro desejava apenas se isolar, ficar só com sua dor enquanto o segundo queria que todos voltassem ao acampamento dos Orcs para os atacar. Duas vontades guiadas apenas pelo sentimento de tristeza com o qual não eram capazes de agir racionalmente.

Lauany se movimentou, prestes a levantar para intervir no conflito, foi interrompida pelo seu irmão. Uma troca de olhares foi toda a conversa necessária, o rosto cansado da Matriarca denunciava quão pesado era carregar o fardo da liderança. A mulher merecia um pouco de descanso, pelo menos naquela noite trágica. O bovino foi até a briga em seu lugar.

Lauany abraçou a si mesma em silêncio, guardando para si as emoções que todo o resto do bando não via problema em demonstrar. Infelizmente todos tem os seus limites, inclusive ela.

Subitamente a pseudo-centaura se levantou e galopou na direção contrária, afastando-se de todos para poder finalmente demonstrar a fraqueza que os seus iguais não poderiam ver, para que mantivessem a fé em sua força inabalável, não era correto que mostrasse a eles suas lágrimas.

O monstro insensível não se importava, apenas pegou a comida deixada de lado pela Bruxa e colocou em seu prato, repetiu a mesma ação com a mandioca deixada pelos dois irmãos. Não era a melhor comida do mundo, mas era um bom alimento e o mesmo já comera coisas piores no passado.

Diferente do insensível, a demônio conseguia se relacionar já tendo tido seus momentos de luto várias vezes antes. Sua falta de interesse pessoal naquele povo, não era impedimento para que sentisse pena deles.

Ou empatia.

“Ele” era incapaz de demonstrar ambos os sentimentos, algo que vinha observando recentemente. Nunca foi muito de se importar com as outras formas de vida, entretanto já foi mais fácil se colocar no lugar delas, principalmente quando era um Goblin.

Quando era fraco.

Conforme mais forte se tornava, mais difícil era se colocar no lugar dos outros. Uma consequência do acúmulo de força? Não, descartou a ideia devido a convivência com a réptil ao seu lado. Apesar de poderosa, ela não era insensível ao sofrimento alheio mesmo desprezando a convivência com os outros e evitando outros seres sencientes. Não fazia sentido, nem a forma como a mulher se colocava no lugar daqueles que tanto negava convívio e nem o modo como ele passou a sentir dificuldade em realizar esse ato.

Talvez devesse ser dessa forma, empatia como algo que não se entende, mas se sente e possui.

O monstro levou uma cotovelada da mulher, quando a encarou, ela apontou com a cabeça na direção em que a pseudo-centaura seguiu poucos minutos antes. Uma sobrancelha levantada em questionamento foi o que ofereceu a ela, entendia o que estava sendo pedido, mas não a razão.

“Vai logo.” A outra se entendeu sua dúvida, não se importou em explicar.

O monstro suspirou, talvez viesse a ser útil no futuro uma amizade com a Matriarca, ainda não se decidiu como iria dar uma lição aquele povo ou até mesmo se ainda guardava raiva o bastante deles.

Com esses pensamentos, se levantou deixando seu jantar abastado de lado e caminhando lentamente na direção em que Lauany galopou acelerada. Não demorou muito para a alcançar, a mulher se afastara apenas o suficiente para não ser vista ou ouvida, deitou-se no chão e chorou sua agonia.

Ouviu o monstro se aproximando, mas não se moveu. “Ele” sentou ao seu lado e cruzou as pernas, nenhuma palavra saiu de sua boca, não tinha nada a falar, tampouco devia. Uma mão foi levada ao ombro dela, um pequeno carinho como sinal de apoio.

E a pseudo-centaura se agarrou ao corpo dele que ainda era um desconhecido. Ela necessitava de um corpo quente para se agarrar e um ombro no qual pudesse depositar suas lágrimas. O Hobgoblin passou seus preços ao redor do tronco dela, suas costas apoiadas na metade inferior da quadrúpede.

A mulher se encolheu naquele abraço, mesmo que viesse de um estranho. Lauany sempre esperava o melhor dos outros, no entanto não era ingênua e tinha suas desconfianças para com a criatura verde. Nada que importasse naquele momento.

A única coisa importante é o calor que aqueles braços fortes possuíam. Há quanto tempo não sentia tanto calor? Há quanto tempo não chorava?

Se sentindo mais liberta por ter onde se apoiar, seu lamento se tornou mais alto e a cachoeira de seus olhos mais volumosa. O monstro a encarou, mesmo insensível a sua dor, achava uma pena. Gostava mais de Lauany quando ela sorria.

Quando incapaz de continuar chorando, o sono veio de imediato, algumas palavras de agradecimento saíram dela e em seguida a mulher se viu dormindo nos braços calorosos daquele monstro.

Assim ficaram a noite inteira.

Picture of Olá, eu sou MK Hungria!

Olá, eu sou MK Hungria!

Comentem e avaliem o capítulo! Se quiser me apoiar de alguma forma, entre em nosso Discord para conversarmos!

Clique aqui para entrar em nosso Discord ➥