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Capítulo 72: Oferenda para pássaros

Seus pais queriam que ele dormisse, evitava os riscos de fazer alguma estupidez comum a crianças. O que ele estava com muita vontade de fazer de qualquer forma. No entanto, quem poderia o julgar? Adultos se achavam muito melhores do que as crianças que eram apenas mini adultos, então não ficavam sabendo de coisas realmente importantes. Isso instiga uma curiosidade quase incontrolável.

Era emocionante, principalmente quando lembrava que vivia em uma vila tão pacata quanto Taperê. Não acontecia muito naquela região onde havia menos de duzentas casas e cuja população se conhecia inteiramente. Os únicos acontecimentos interessantes eram quando aventureiros passavam pela cidade, Taperê era a penúltima aldeia no caminho para a Floresta de Dante e por essa razão aqueles que desejassem entrar nela deveriam atravessar o povoado. O recomendado era até que repousassem por lá uma vez que duas semanas de viagem a pé eram necessárias para chegar à selva.

Em resumo, nunca nada de empolgante acontecia em sua terra, ou pelo menos não era assim até pouco menos de dois meses atrás. Foi pela madrugada que o que parecia o grito de uma criança em agonia ecoou pela vila, após isso um assobio. Um som alto, estridente que criou riscos em tudo que fosse de vidro ou porcelana, os ouvidos de quem estava acordado naquele momento ficaram perto de sangrar e aqueles que já dormiam sofreram com pesadelos.

O barulho permaneceu até que moradores, o Chefe da Vila entre eles, saíram para investigar mesmo em intensa agonia. Desde então, uma vez por semana todos os adultos da cidade deixavam na porta de casa uma cesta com diferentes itens, uma que não estaria mais lá pela manhã.

E aquela criança queria descobrir o por quê.

Conteve essa vontade incontrolável de obter respostas em seu peito por muito tempo, porém era impossível permanecer daquela forma. Um aventureiro de prata estava na cidade, apenas para resolver qualquer que fosse o problema que assolava a aldeia. O que seria tão perigoso que precisasse de um aventureiro prateado?

O rapaz se sentia pronto para conseguir esse conhecimento, era tarde da noite quando saiu de sua cama. Como filho de um caçador importante, sua casa tinha quatro cômodos, uma raridade naquele lugar onde muitas casas possuíam apenas um. Dessa forma seria mais difícil acordar seus pais sonolentos.

Em passos lentos e regrados chegou à sala pequena com uma porta que dava direto para a rua. Não sairia, seria perigoso e de qualquer forma não sabia onde seus pais guardavam as chaves. Felizmente, era desnecessário que o fizesse.

Existia uma tábua sofrendo com cupins na mesma parede onde foi colocada a porta, uma com alguns buracos pelos quais poderia olhar e onde poderia fazê-los maiores se assim desejasse.

Colocando o olho frente a uma pequena abertura, conseguiu uma visão clara da rua noturna. Postes de madeira ordenamento colocados nas estradas seguravam tochas que iluminavam a escuridão, graças a isso podia-se ver que nas portas das casas, as cestas se mantinham esperando que alguém as pegasse. 

Todas elas tinham no interior carnes bem embaladas, frutas e garrafas de bebidas. Mantimentos o suficientes para que uma pessoa se alimentasse no decorrer de uma dia, considerando que eram ao menos cem a duzentas cestas ao todo, comida o bastante para alimentar uma família inteira confortavelmente por um mês.

A criança se manteve indagando as razões que levaram todos os adultos a começar aquilo, era uma nova tradição? Ele teria que fazer um dia também? 

Cansado, fechou seus olhos ao bocejar imaginando se perder a noite esperando não era apenas uma perda do seu tempo. Sua racionalidade o ordenava a ir embora e é o que faria, até que abriu os olhos.

E ela estava lá.

Uma mulher no meio da estrada ou imaginou que fosse uma. Pelos longos cabelos que via caindo em cascata pelos ombros dela. A estranha estava há alguns metros de distância na frente de sua casa, olhando para outro local. Apenas o lado direito de seu corpo era visível para a criança.

Não era possível distinguir muito sobre a aparência dela, pois tinha um gigantesco casaco de penas marrons sobre os seus ombros. Tudo que podia notar sobre a vestimenta abaixo dele era uma manga vermelha longa cobrindo seu braço de um tecido que parecia ser raro com gravuras de flores sobre ela.

O braço da desconhecida só era visível por ela o manter sobre uma bengala de madeira negra como a noite que mantinha em pé sobre a estrada. Estranhamente, se portava com uma elegância óbvia de quem não precisava do objeto para andar.

O rosto da mulher não era visível daquela distância e por causa da posição, mas a criança imaginou ter visto o vislumbre de algo reluzindo em sua face. Os cabelos dela eram negros como sua bengala, caindo até altura do ombro e perfeitamente lisos.

Não era ninguém que fosse da vila.

A atenção que deu a ela teve o foco alterado quando percebeu as caixas espalhadas nas portas das casas sendo levadas.

Não por pessoas ou monstros.

Por pássaros.

Aves de diferentes tipos pousaram frente a cada soleira e ao levantar voo levaram consigo as cestas deixadas pelos habitantes. Um desses animais acompanhava a intrusa anônima, sobre o ombro direito dela e se portando com altivez, uma coruja.

Uma Rasga Mortalha.

Era impossível que confundisse com outra coruja. Asas amarronzadas na parte superior de suas penas que iam ficando mais claras em direção às pontas. Uma barriga e rosto completamente branco sem uma mancha de qualquer outra cor. Um bico afiado e alongado localizado em meio a dois olhão perfeitamente esféricos.

Era uma Rasga Mortalha.

Pássaro maldito de grito agourento cujo pio demoníaco premonizava a morte de alguém. Nada de bom viria de uma ave daquelas, nem de uma pessoa que a mantivesse como animal de estimação daquela forma.

A criança se afastou do buraco assustada, uma lasca pequena de madeira sendo arrancada da parede com essa ação. Não foi barulhento, quase nem ouviu a si mesmo fazendo aquilo. Estava seguro e vencido por curiosidade voltou a olhar pelo buraco.

A coruja o encarava de volta.

Deveria ser impossível, a mulher desconhecida continuou alheia a sua presença, nem mesmo seus próprios pais dentro da mesma casa teriam como ter ouvido aquilo. Ainda assim, a Rasga Mortalha olhava diretamente para o jovem.

Ela o ouvira.

A ave abriu seu bico e o rapaz sentiu sua pele congelar, um pio e a estranha iria tentar descobrir o que chamou a atenção de seu animal. A desconhecida parecia não desejar a plateia e o garoto temeu a ideia do que poderia acontecer com ele por ir contra esse desejo.

Antes que seu destino fosse selado, o animal mudou sua atenção para algo diferente. Tanto ele quanto a mulher encararam algo que apareceu no final da rua que ficava de frente para casa.

O aventureiro.

O menino sorriu e agradeceu aos deuses por aquela intervenção deles. Sem hesitação, se levantou e correu em direção ao seu quarto para se esconder sob suas cobertas onde sua mente jovem acreditava ser seguro.

Felizmente, um gesto pequeno e infantil como aquele seria o bastante. Pela manhã estaria seguro, guardando para si o segredo do que viu, assustado e tremendo, no entanto seguro para viver o outro dia.

Algo que não poderia ser dito do aventureiro, cujo cadáver frio já estaria sendo comido por urubus.

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