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Capítulo 73: Tédio infantil

Afirmar que Lady Tundria, naquela tarde, se sentou na cadeira com a dignidade exigida de uma dama da alta sociedade nobre seria no mínimo impreciso. Aidê se jogou contra o móvel se esparramando sobre a superfície confortável que abraçava suas costas não exatamente doloridas, porém notavelmente cansadas.

Um som que exprimia conforto saiu de sua garganta, algo indigno da filha de um Gran Duque. Suas pernas abertas era de uma falta de elegância tão grande que outras senhoritas de sua idade ficariam vermelhas de tanta vergonha apenas por presenciarem a cena terrível.

Por sorte, apenas Caxias presenciou a jovem lamentável e o garoto não era alguém com vontade ou condição de julgar o aprumo de quem quer que fosse.

As duas crianças naquele momento ocupavam um alpendre em uma área lateral da mansão. O piso de madeira era liso e brilhava com o quão limpo fora deixado. Uma mesa redonda com um conjunto perfeito de chá e pequenos bolos ficara à mostra para a nobre (e para desgosto da governanta, o pobretão) usufruir. 

Havia quatro cadeiras espalhadas lado a lado encostadas à parede, do lado esquerdo da porta dupla que dava para dentro. Eram móveis caros, diferente dos assentos comuns, aqueles eram grandes com encostos curvados de forma propícia ao descanso, seus braços eram um conjunto de tiras de madeira (Aidê não sabia dizer do que) entrelaçadas até tomar aquela forma.

Próximo a um corrimão que delimitava o limite do alpendre e também cumpria o propósito de impedir crianças pequenas como eles a acidentalmente caírem e se machucarem, um sofá suspenso de dois lugares abrigava o aprendiz de jardineiro.

Suas roupas não eram propícias para o acompanhante de brincadeiras de uma nobre senhorita, o menino vestia uma calça marrom com vários rasgos costurados e uma camisa bege grande demais para ele que pode ou não ter sido branca no passado quando pertenceu a seu pai.

Afortunadamente, a menina não se importava e até preferia vestir aquelas roupas no lugar do vestido azul que mantinha. A saia era encorpada, volumosa demais para que pudesse andar confortavelmente, suas mangas longas fazendo a sentir muito mais calor e o quão justo era a parte superior fazia com que sentisse uma pequena falta de ar.

Fazia-a sentir falta dos tempos modernos.

“Não dá caxias, não consigo aguentar por tanto tempo.” Falou a ele como se confidenciasse um segredo.

Ultimamente estavam próximos, desde que a jovem acidentada acordou de seu acidente infeliz. Os dois rapidamente se tornaram amigos, apesar da insistência de muitos para que isso não se concretizasse. A Governanta se mostrou especialmente indisposta a aceitar a relação, porém foi obrigada a calar sua boca quando o Gran Duque respondeu suas cartas dizendo que era bom finalmente Tundria estar fazendo amigos mesmo que fosse um plebeu.

Caxias não sabia muito como se sentir, sua dama era incomum. Falava de modo muito estranho para alguém que devia ter oito anos de idade, vivia repetindo coisas que só ela no mundo podia entender, às vezes até em línguas diferentes. O principal é como falava o tempo todo sobre coisas que não existiam, mas tão bem pensadas que não podiam ser inventadas de última hora.

Honestamente, Lady Tundria, ou Aidê como pediu pra ser chamada, era completamente louca. Mesmo assim, ele gostava muito dela, isso tinha certeza.

“Eu acho que seria… legal?” Disse mostrando uma opinião diferente da dela.

“Você diz isso porque nunca estudou, mas sério sô, eu não vou aguentar estudar todos os dias.” Afirmou com a expressão de quem estava perdendo a sanidade. Ela massageou a própria cabeça como se ajudasse a mandar embora uma dor de cabeça. “Eu concluí o ensino fundamental, eu fiz todo o ensino médio, eu até tava na faculdade. Me recuso a estudar o básico novamente.”

Lá estava ela de novo, falando sobre coisas que não existiam. Como uma criança, Caxias devia achar normal tanta criatividade, no entanto ela não dizia apenas coisas que pareciam ter saído da mente de uma pequena com muita imaginação.

“Eu nem saí na cidade ainda ou em qualquer outro lugar fora dessa casa.”

“Não tem muito o que fazer em Alighie, Alighirreri, Laliguieri.” A língua do coitado se enrolou tentando pronunciar o nome da cidade.

“Alighieri Caxias, o nome é Alighieri, é sua cidade.” Suspirou com dois dedos apertando o próprio nariz e uma feição cansada. “De qualquer forma, não importa muito se é legal, só quero fazer alguma coisa que não seja estudar ou ficar trancada aqui.”

“Aidê, você é uma Lady e seu pai não tá em casa, não vão deixar você sair sozinha”

Por um momento o rosto dela ficou triste, um sorriso bonito, mas melancólico em seu rosto infantil.

“Já fazem semanas que estou aqui e ele ainda não veio me ver, acho que meu ‘pai’ não gosta de mim.”

“Ah, é que… o Grande Duque é… Ele é meio… assim.” O pequeno aprendiz de jardineiro não sabia o que dizer para animar sua amiga, todavia se sentia obrigado a tentar.

“Mas não importa de qualquer jeito.” Disse batendo palmas e impedindo que o outro continuasse numa tentativa falha de encontrar o que dizer. “Eu tô entediada e tá na hora da liberdade cantar.”

“Que?”

“Apeia desse sofá que a gente vai sair dessa mansão tediosa por hoje.” Declarou sorrindo.

“Que?!”

Não dando margem para receber respostas negativas ou repostas de qualquer tipo, ela se levantou sorridente. Correu para dentro casa e passado alguns minutos retornou com uma pequena bolsinha que tilintava com o balanço de seus braços.

Pegando Caxias pela mão, ela o puxou de seu confortável balanço e andou em passo apressado na direção do portão antes que qualquer funcionário interno a visse. Seu caminhar alegre e desleixado teria dado um ataque cardíaco a sua professora de etiqueta.

Com sorte, os funcionários do portão, os quais seu amigo dizia serem uns vagabundos com desprezo pelo trabalho (um pouco duro na opinião dela) deixariam ela sair desacompanhada. Eles deveriam a tratar com algum respeito, não apenas por ser nobre, mas pela forma como aquela sociedade deveria ser organizada.

Mariela se orgulhava de ser uma das melhores alunas da faculdade de história, mérito de seu esforço gigantesco e sua segurança social confortável. Sua bagagem não era pouca e entre muitos de seus conhecimentos estava o tratamento das crianças medievais.

Em tempos medievais, a criança não era tratada com qualquer valor, menos ainda o adolescente. Nesta época mal havia respeito pelo conceito de família. As famílias sequer eram formadas por sentimentos, a razão de existirem eram a conservação dos bens, o trabalho em um ofício e ajuda mútua pela sobrevivência. 

Tão logo a criança mostrasse algum desenvolvimento físico, era colocada em meio aos adultos e partilhava de seus trabalhos. De criança a adulto sem passar pela adolescência. Em verdade, nem mesmo eram vistas dessa forma, elas eram mini adultos, apenas. Não à toa, o trabalho costumava começar aos setes anos.

Uma situação triste, mas que Dália imaginou se repetir naquele mundo, a exemplo de seu amigo de apenas dez anos trabalhar como aprendiz de jardineiro. Felizmente, significava que os funcionários do portão teriam que a tratar como uma adulta.

E como nobre e herdeira da mansão, seriam obrigados a vê-la como sua superior.

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