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Capítulo 80: Uma flor por três goiabas

“Esse é um truque impressionante.” Disse o Hobgoblin escondendo sua curiosidade.

Palavras dançaram na ponta de sua língua, comentários sobre aquela anatomia, questões sobre as utilidades aplicáveis e consequências ao corpo. Pensamentos difusos sobre os cenários em que tal capacidade seria necessária para sobrevivência. Descartou cada uma dessas distrações causadas por si mesmo tão rápido que em breve esqueceria que as pensou.

O Homem Lobo em sua frente exigia mais urgência. Ele abriu sua boca, cujos lábios eram muito finos, o que talvez explicasse uma deficiência na fala. Quando o chefe falou, as consoantes soaram abafadas, de difícil reconhecimento e esticadas além do ponto.

O silêncio que se seguiu, perdurou pelo chefe encarar o nada parecendo pensar, tentando encontrar as palavras certas a dizer. Conhecia apenas o básico da fala, talvez menos ainda.

“O homem verde… O homem verde pode viver.”

Uma sobrancelha erguida foi tudo que o Hobgoblin o entregou antes de se dignar a exprimir uma resposta, que também foi uma pergunta.

“Desde que?”

“Nos conhecemos… Eu vi homem verde, vi homem verde e flor vermelha que brilha.”

“Fogo.” Então era disso que se tratava afinal, era isso que poderia o salvar.

O Homem Lobo encarou os arredores, como se imaginasse o melhor curso de ação a se tomar. Negociar com outra espécie era muito distante de conversar com a própria. Seus olhos vagaram pelo chão como se lá estivessem as respostas, até reparar na pilha de comida reunida logo ao lado.

Se inclinou sem mudar o corpo de lugar e pegou uma fruta com a mão direita. Sem hesitação levou a boca do prisioneiro e a enfiou lá, sem violência, porém ainda assim sem delicadeza.

“Goiaba, comer goiaba.”

O flagrante desrespeito não teria sido tolerado se não fosse a fome incapacitante com a qual “ele” vinha sofrendo desde que acordara em meio a água do mar. No estado atual de seu corpo até mesmo se sentia grato por aquela humilhação.

“Duas, comer duas goiabas.” Falou com já duas nas mãos e as colocando na boca do prisioneiro ainda sem qualquer cuidado e até com mais animação.

Parecia uma ótima ideia em sua cabeça, dar comida ao homem verde. Todos gostavam de comida, todos precisavam se alimentar. Dar frutas a ele era um ótimo modo de mostrar como não desejava briga.

“Agora homem verde ensina segredo de flor vermelha dos humanos.” 

O Hobgoblin mastigou as frutas e engoliu apreciando o sabor. Não era algo que já houvesse provado antes, goiaba, tinha um doçura em seu interior que não combinava com a dureza da casca amarga. Ainda assim, um alimento gostoso, agradável para temperaturas quentes como aquela.

Não o bastante para que ensinasse um método de criar fogo para aquela tribo. Primeiro existia o problema da falta de confiança neles, um grupo de costumes completamente desconhecidos. Segundo, a desconfiança em suas capacidades de controlar tal elemento.

“Temo que ensinar a manusear o fogo, denotaria irresponsabilidade de minha parte, devido ao quão volátil e perigoso é tal elemento.”

O chefe apenas inclinou sua cabeça para o lado, como faria um lobo ou cachorro em confusão. Muitas palavras estranhas e todas desnecessárias, não complexas o suficiente para confundir quem quer que possuísse conhecimento básico da linguagem, mas o bastante para que um monstro não entendesse.

“O que quero dizer é que não posso ensinar isso. Poderia destruir toda a Floresta se mal utilizado.” Falou já pensando em um modo de encontrar outro acordo a se fazer.

“Homem verde ensina flor ou homem verde comida.”

O monstro revirou os olhos, não se sentia mais tão ameaçado ou impotente. Se alimentou e mesmo não sendo o bastante para o saciar, seria o suficiente para dissipar o estado de fraqueza que o envolvia. 

Claro que em qualquer estado, seria uma demonstração de tolice enfrentar a matilha e sua coordenação em conjunto. Seus ouvidos se atentaram aos filhotes brincando, talvez usar um deles para fugir em segurança até as planícies? Poderia se livrar dele depois.

Mas não sabia em que direção ficavam as planícies, poderia obrigar um dos Homens Lobos a dizer? Eles mostraram ter esse conhecimento com a confissão do líder de já ter visto o Hobgoblin no passado.

Um plano não muito sólido, falhas óbvias em sua construção. Apesar de uma vantagem inicial sobre eles, com as ações corretas poderiam resgatar o filhote e subjugar o monstro verde com facilidade.

Um solução pacífica deveria ser o principal objetivo, poderia deixar sua vontade de subjuga-los e fazer com que se arrependam de o humilhar para outro dia quanto pudesse ter a certeza de que mataria a todos se necessário.

“Por que?”

“Raarg?” Não era preciso conhecer a linguagem deles para entender aquele rosnado.

“Por que deseja a posse do fogo? Quais objetivos pretende alcançar com o manuseio de um elemento tão perigoso?”

O chefe grunhiu, não gostava de tanta contestação. Desgostava ainda mais de precisar de um estranho, alguém que não pertencia a matilha, uma criatura que não fazia parte da família. Nunca antes um animal de fora entrou em seu território e não foi morto, mas ali estava um que pretendiam deixar vivo e ele ainda ousava questionar.

“Homem verde faz fogo ou morre, motivo não importa.”

O Hobgoblin se recusava a entregar tal ensinamento a mãos quaisquer, no entanto também era veementemente contra a ideia de morrer. Em questão de segundos precisava encontrar não apenas um modo de prolongar seu tempo arranjando um motivo válido pelo qual poderia sair em segurança, mas também uma razão boa o suficiente para que desistissem de obter o fogo.

O que sabia sobre os Homens Lobos que pudesse ser útil? Nada além do fato de que no passado os confundiu com lobisomens e aparentemente eram duas coisas totalmente distintas.

Nenhum conhecimento sobre sua espécie captora seria útil, só os vira uma vez naquela viagem fracassada, onde inclusive descobriram que “ele” era capaz de realizar o que desejavam. Mesma noite fatídica onde conheceu criaturas fantásticas, até mesmos místicas como Caipora e:

“Curupira!” Exclamou assim que o pensamento passou por sua cabeça.

A cabeça de todos os membros da alcatéia se viraram para o refém, até mesmo os filhotes o fizeram. Então conheciam aquele que foi mencionado e o davam importância o bastante para que um silêncio sepulcral tomasse conta do lugar a espera das próximas palavras do monstro verde.

Isso poderia ser uma vantagem ou piorar a situação dependendo do relacionamento deles com a citada figura mágica. Foi graças a reação do chefe que o Hobgoblin se sentiu seguro, orelhas abaixadas, rabo entre as pernas, boca completamente fechada.

Como dizia a expressão humana que se referia a uma súbita mudança em relação ao indivíduo que tem controle de uma situação, o jogo estava virando. 

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