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Capítulo 92: Luto mal sofrido.

Mortos.

Estavam todos mortos, outra vez.

“Ele” nem mesmo sentia raiva por aquilo, apenas uma mistura desigual de frustração e descrença. Quanto tempo fazia desde o fatídico primeiro encontro entre um Goblin e aquela que liderava acima de todos os macacos? Aparentemente, não o bastante para ela. Um longo período se passou sem qualquer sinal daqueles que caminhavam nas árvores e por isso achou que estava livre deles.

Tragicamente errado.

Eles estavam o procurando todo esse tempo? Ela estava tão obcecada? Foi só um corte! O Hobgoblin já havia sofrido ferimentos piores e nunca guardou tanto rancor. Pelo menos, não por tanto tempo assim. Que hora terrível para ter toda a sua prole morta considerando que desejava usá-los para objetivos próximos.

Caminhou por entre os corpos caídos dos outros membros de sua espécie sem muita consideração por qualquer um deles. Seriam no máximo um incômodo, o cheiro pútrido de sua carne apodrecendo se estagnaram devido ao ar parado de seus corredores subterrâneos e o fizeram torcer o nariz.

Um cuidado especial com onde pisava se fazia necessário, as poças de sangue acumuladas resultaram em um líquido viscoso de coloração escura que grudava na pele com sensação pastosa. Foi desgostoso limpar seu pé depois de pisar em uma daquelas coisas nojentas.

Pelo caminho para seu salão principal, achou divertida aquela variedade de causas da morte. Muitos caíram por terem seus crânios esmagados, alguns tiveram suas gargantas rasgadas, outros sangraram até a morte por ferimentos e muito se impressionou com os que foram desmembrados.

Curiosamente, muitos dos invasores tombaram também. Macacos variados em suas formas e tamanhos se espalhavam em quase igual quantidade com os Hobgoblins assassinados. Muitos mais do que da última vez que tentaram ataque semelhante.

A líder macaca perdia seus iguais cada vez mais com aquela insistência em uma vingança sem sentido. Era provável que mantivesse poucos sob seu comando, abrindo uma janela de oportunidades para o futuro, talvez o momento em que livraria a Floresta de Dante dela se encontrava mais próximo do que o esperado.

Chegou ao salão e viu algo que o fez parar seus pensamentos e se focar, focar naquilo caído aos pés de seu trono de pedra. 

Seus passos antes cuidadoso, ficaram desleixados e nem a menor expressão de incômodo passou por seu rosto quando pisou em uma poça grudenta de sangue. Alcançou seu objetivo e se viu incapaz de reagir. Sem a menor sugestão do que fazer.

Levou uma mão perdida até a boca e a cobriu sem perceber o que fazia, seus olhos se desviaram da cena para logo voltar a ela. “Ele” não se sentia particularmente triste ou quebrado por aquilo, mas ficou inegavelmente abalado. Impactado com aquela perda de algo que sempre foi tão descartável aos seus olhos.

A Goblin estava morta, tão fraca quanto sempre pareceu.

A veste que fez para o imitar, aquela roupa mal feita de folhas estava desfeita com apenas alguns ramos sobre seu corpo. Seus olhos amarelos, opacos e sem a mesma luz que abrigaram na última vez que a viu. A pequena criatura verde que o servia, inútil, fraca, descartável, pouco valiosa, lá, sempre lá.

Sempre lá para o servir, para obedecer qualquer que fosse sua nova vontade sem jamais se negar. Aquela que por mais descartada, mais faminta e doente que fosse, o seguiria para a morte se fosse assim ordenada. Uma tola de fato.

Então por qual razão se sentia daquela forma?

Aquela criatura assassinada não era mais especial do que o seu arco perdido, os dois eram ferramentas, coisas com propósitos específicos e que poderiam e seriam substituídas conforme ferramentas mais eficientes fossem adquiridas. Ela não era nada, jamais foi e da forma que vivia, nunca seria.

Insignificante, não era mais merecedora de sua atenção do que os insetos que voavam pela floresta úmida. Mesmo assim, colocou seus braços sob as costas já rígidas dela e a ergueu com cuidado. Caminhou pelo mesmo caminho pelo qual entrou, cada movimento sendo feito de forma delicada, evitando mais danos ao seu corpo, ela merecia tal gentileza.

Merecia? Por que? 

Ninguém além dele já mereceu algo naquela caverna, tudo lhe era devido graças ao tamanho de sua força e nada nela a fazia digna de qualquer coisa. Conquanto “ele” a transportou em seus braços com a mesma educação que pensava lhe ser adequada caso um dia também viesse a perecer.

O mesmo tratamento apropriado ao Monstro Verde, sendo dispensado a ela. Um Hobgoblin e uma Goblin, tão distantes um do outro e tão fundamentalmente iguais. Tais quais uma árvore, que consegue dar frutos e uma que não. Elas são diferentes, têm importâncias desiguais e necessidades distintas. Entretanto, não acabam por ser a mesma coisa em sua essência?

Quando seus pés tocaram a grama da superfície e os ventos lamberam seus longos fios de cabelo, o Monstro Verde se viu perdido. “Ele” sabia o que objetivava realizar naquela tarde, mas não de que forma poderia o fazer.

Ritos funerários.

Sua espécie jamais teve algum, fosse a antiga ou a sua atual. O que poderia suceder que fosse uma despedida aos mortos digna dele e dela? 

Os Pseudo-centauros e os humanos tinham os seus, poderia os imitar… não!

Jamais como aquele povo de covardes, e nunca como a raça do povo que vive fora das fronteiras da sua floresta. “Ele” era muito mais do que aquelas duas espécies e dessa forma, ela também seria tratada como se fosse. Muitas ideias sobre o que poderia ser adequado a uma Goblin nasceram em sua cabeça e assim começou a trabalhar.

Primeiro recuperou as roupas malfeitas dela e as consertou da melhor forma que pode, em um dos vários salões subterrâneos recuperou duas adagas pequenas, um tamanho perfeito para alguém com mãos tão pequenas. Faltava apenas decidir um lugar.

O local escolhido foi onde a Floresta de Dante se iniciava fazendo fronteira com as planícies que constituíam território de um país de humanos. O melhor ambiente para aquele rito, dessa forma nenhuma das criaturas carniceiras vivendo naquele inferno iria profana-la e a devorar.

Segundo, com suas mãos o Monstro Verde cavou uma cova funda, pois foi sob a terra que nasceram e era sob ela que descansariam. Com carinho, a deitou onde a Goblin dormiria por toda a eternidade. 

Usando suas garras marcou a pele dela com cortes. Infelizmente, ainda não adquiriu o seu próprio símbolo, algo que o representasse e dessa forma não poderia a marca-la. Fez o que pode na situação e escreveu em seu braço esquerdo,  “Membro da tribo do Hobgoblin da Floresta de Dante”. Se realmente houvesse um reino após a morte onde era aguardado o momento de se juntar ao Todo, saberia como a encontrar em meio a todos por causa daquela cicatriz.

Cada lâmina foi colocada em uma mão, algo para auxiliá-la e permitir que vivesse como um Goblin até no além. Se fosse de seu desejo, saquearia, mataria e tomaria tudo que fosse de sua vontade, como era o costume de sua espécie.

Terceiro, o Hobgoblin se inclinou sobre a cabeça dela, sua mão direita foi colocada sob uma parte baixa de seu abdômen. Com suas garras causou um rasgo que ia até o meio de sua barriga, não profundo o bastante para se tornar fatal, no entanto o necessário para deixar uma cicatriz.  

Seu sangue caiu na boca entreaberta da falecida, para a fortalecer, dar poder para que fosse capaz de enfrentar o que a ameaçasse do outro lado. Sangrou sem parar, sem fazer  nada para impedir aquele fluxo, a dor era necessária para enriquecer o momento, a cicatriz ficaria como uma marca para lembrar dela até o final.

E estava finalizado, seu significado em sua simplicidade.

Simples igual a ela.

Simples tal qual um Goblin.

Esperou, ter feito algo digno do que a falecida merecia (ainda sem compreender a razão de a achá-la mecedora). Toda a terra retirada foi devolvida, tampando a cova e a selando em seu quarto abaixo do solo, onde descansaria até o fim de tudo.

Encarando o céu azul, se sentou sobre o túmulo (aquilo era considerado um túmulo?) sem vontade de continuar com os seus planos para aquele dia. Tudo parecia tão menor naquele momento.

Eu estou bem… acredito. — falou para si mesmo, como se tentasse se convencer.

Tudo apenas parecia tão chato. Não estava triste, mas algo pesou em seu peito e afundou seu desejo de se mover. O Hobgoblin não foi capaz de compreender aquele sentimento que se enroscou nele como uma serpente em sua presa.

Não entendeu e nunca iria entender, pois era incapaz de enxergar o devido valor e importância dos outros.

Dessa forma, o que devia ser luto se tornou apenas…

Melancolia.

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Olá, eu sou MK Hungria!

Com isso encerramos a primeira leva duma serie de publicações que farei em meu retorno, durante o próximo mês estarei postando de cinco em cinco capítulos até chegarmos a marca de 130 capítulos.

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