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Capítulo 94: Um cemitério.

A Bruxa suspirou levando uma mão à cabeça e massageando sua testa, estava começando a sentir dores naquela região, efeito de forçar seus olhos a ler em meio a escuridão por período de tempo tão longo. Há quanto tempo estava no subsolo? Por mais de um dia, sem dúvida, mas quantos? Não careceu de voltar à superfície tentando água e comida lá embaixo.

Descobrir uma rede de rios subterrâneos foi inesperado, mas não exatamente surpreendente levando em consideração o quão comuns eles eram em toda a natureza. Pelo pouco que explorou, se espalhavam por toda a extensão da Floresta de Dante de forma quase perfeita e ela era sábia o suficiente para entender que perfeição na natureza não existia.

Alguém, provavelmente algo, criou aqueles caminhos e a réptil não era impulsiva (como um certo Hobgoblin) o suficiente para explorá-los a esmo sem preparo. Foi sua confiança na própria força que a permitiu estar onde passou aqueles dias, onde planejava morar.

Se qualquer um nadasse tão fundo no lago o quanto ela fez e explorasse uma abertura em seu fundo, se viria em um rio subterrâneo, seguindo na única direção possível, se encontraria várias intersecções e caminhos pelas quais vagou brevemente. Continuando na principal passagem, atravessou toda distância que cruzara pela superfície.

Tinha essa noção pelo que encontrou ao final do trajeto.

O rio passava pelo que era uma caverna larga, uma redoma natural gigantesca. A água continuava até atravessar uma parede, uma feita por mãos humanas.  A pedra foi entalhada até ter padrões geométricos simétricos de uma ponta a outra, mas sem se espalhar pelo resto da redoma.

Então, estava abaixo ou ao lado do templo antigo que seu amigo Hobgoblin tanto comentou ao tentar incitá-la em uma luta com os macacos. De acordo com ele, toda a estrutura havia afundado no solo com o passar dos anos, inclusive tendo os salões inferiores inundados por rios subterrâneos.

Em um caso normal teria apenas se retirado do ambiente, mas foi outra coisa curiosa que a fez ficar. A Bruxa não compartilhava do interesse metódico e exagerado de seu colega verde em tudo que parecia ser único, novo ou se distanciasse do que era comum a ele. Apesar disso, até uma mulher desinteressada como ela, ficava arrebatada ao se deparar com um cemitério.

Mesmo que um cemitério de navios.

Pelo nome sagrado de Anhangá, como tantas embarcações marítimas terminaram enterradas tão fundo? Eram todas de tamanhos e formas distintas, relíquias de um passado antigo, alguns séculos pelo menos. Podia ver com sua visão adaptada para o escuro, navios do tipo drakar e até grandes trirremes. Veículos cujos usos foram abandonados desde que Pospanha inventou a Nau e a Carraca.

Ao menos dezessete navios foram deixados lá embaixo, nove dos adoradores de Zeus e o restante daqueles que seguiam a Odin, cobertos por poeiras com velas sujas rasgadas e tábuas faltando por toda parte. A pocionista explorou cada uma das embarcações movida por curiosidade, armas de todos os tipos foram encontradas e nenhum cadáver que as portasse. Respostas foram encontradas juntas de um diário do capitão, uma parcela pequena delas, quase nenhuma na verdade.

Os tripulantes de uma frota de mais de quinhentos navios chegaram àquele continente (se fosse o que imaginava, teria sido mais de mil anos atrás) fugindo de algo. O motivo de sua fuga não era legível e se foi escrito, estava entre as várias páginas ressecadas com carvão manchado. 

Ela leu sobre lutas no mar contra criaturas gigantescas, soube como o céu mudou sua cor em prenúncio da chegada de algo maior, aprendeu sobre a existência de mais deuses que nunca ouviu sobre antes e ficou interessada na história da ilha de um povo avançado que afundou no oceano.

Entre os intervalos que realizou para descansar durante suas sessões de leitura, explorou outras embarcações e foi em um trirreme destruído pela metade que não pode conter sua surpresa.

— Pelo nome sagrado de Anhangá, isso é mesmo um autómato? — indagou vendo a mulher de metal corroído em frente a uma mesa

Uma relíquia que qualquer governante pomposo estaria disposto a adquirir mesmo que a custo de uma quantidade impressionante de moedas de ouro. Autômatos, criações de metal que se moviam sozinhas após um pequeno impulso quase como se fossem criaturas vivas. Maravilhas da engenharia que eram prova da engenhosidade da mente racional.

A história que contaram a ela em sua juventude era de que o segredo para construir esses milagres de metal foram perdidos com o desaparecimento da grande capital dos anões e da morte dos últimos ferreiros de Hefesto. Criações como aquela só existiam nas histórias e qualquer um capaz de as replicar ganharia interessa de cortes.

A Bruxa estava presenciando algo que nunca esperou antes, mesmo que sua área de interesse fossem as poções, ouvira tanto em relação a autômatos de colegas magos que discutiam a capacidade de criar golens que foi impossível não ficar extasiada. 

A mulher era alta, maior que ela e pouco menor do que seu amigo verde soberbo. Seu corpo era largo, mas não gordo (uma máquina pode ser considerada gorda?). Tinha a aparência de um corpo musculoso, supôs que fosse para representar a perfeição da anatomia humana com a qual o povo responsável pelo autômato era tão obcecado

A criatura mecânica estava nua, entretanto os trapos amarelados e rasgados no piso de madeira denunciavam que ela um dia vestiu uma túnica. Os detalhes de sua superfície eram impossíveis de serem vistos, toda a extensão da sua pele metálica foi contaminada pela ferrugem esverdeada tão comum do bronze.

Os olhos fechados dela nunca mais seriam abertos, se os lábios possuíram essa capacidade no passado, não mais a tinham. Curiosamente, faltava cabelo em sua cabeça e era impossível dizer se sempre fora dessa forma. O modo como ela se posicionava informava qual era sua funcionalidade.  

A mulher em pé segurava em suas mãos erguidas uma garrafa de barro quebrada e sua coluna estava inclinada para frente. Em seu abdômen no lado direito existia uma abertura retangular de largura fina, do topo dela saia uma barra de metal.

Foi de forma hesitante, mas interessada que colocou sua mão sobre a barra de metal e puxou-a para baixo.

Imediatamente cobriu suas mãos como forma de suportar o barulho infernal que se espalhou pela estrutura de madeira e ecoou nas paredes da redoma subterrânea. Era como se todos aqueles malditos pássaros que a neurótica da Matinta criava gritassem de uma única vez. Quaisquer que fossem os órgãos e ossos de metal dentro do autômato, estavam a ranger com o peso que séculos de abandono jogaram sobre eles.

A contradição foi que enquanto seus ouvidos sofriam, seus olhos se maravilharam. A mulher de bronze se curvou e estendeu as mãos que seguravam aquela garrafa quebrada, então a inclinou sobre a mesa para derramar uma bebida que não estava lá em copos que não existiam na mesa em sua frente.

Incrível, mesmo que estivesse tão destruído, tão velho e abandonado, o autômato se moveu tal qual uma criatura viva da mesma forma que as histórias contavam. Após a mulher esverdeada servir seus senhores inexistentes, inclinou mais o seu pescoço em um gesto de subserviência e retornou ao seu estado imovel e sem vida com o qual foi encontrada.

— Hob vai adorar essa coisa. — E se os olhos dela mostravam interesse, os dele iriam brilhar.

Mas até lá, a Bruxa tinha mais carcaças naquele cemitério para explorar.

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