Pela sua contagem, demorou algo entre vinte a trinta minutos até o retorno dos membros ausentes da alcateia, chegaram todos ofegantes e exaustos, muitos desanimados e com derrota exalando de suas linguagens corporais. Todos o notaram relaxando silenciosamente em meio a casa, mas tiveram a atenção chamada pela fêmea que os fez notar a cesta de comida.
Uma série de rosnados foi trocada entre os dois lados e então os recém-chegados se dirigiram até os peixes com pressa tendo a mesma ânsia e fome que suas fêmeas apresentaram momentos antes. Devoraram e mastigaram o fruto do mar com a mesma avidez de quem nada comeu por dias.
Foi um desses que após se saciar, jogou-se ao chão e mudou a forma do corpo. Uma cena que o Hobgoblin presenciou no passado, mas que ainda o desnorteava. Membros se estendendo, ossos se reorganizando e o pelo caindo, uma mudança acompanhada de gemidos guturais de sofrimento e os ganidos tristes característico de feras caninas.
Quando terminado, o “ser humano” mais feio que o Monstro Verde já viu se levantou e mancou em sua direção. O mesmo que servira de porta voz de seus iguais no último encontro deles e do assassino de seu chefe.
— Gradecido. — falou parado em uma pose curvada.
— Eu afirmei que o faria, então o fiz sem problema algum. Trouxe a sua comida. — fez um gesto com a mão como se dispensasse a questão.
Encarou o teto destruído da residência e apontou com um único dedo para o óbvio rastro de destruição, uma pergunta não feita para o Homem Lobo que ele respondeu com uma leve tristeza na voz:
— Fomos atacados ontem di noite, três dos homis de asa invadiram nossa casa. — os olhos do lupino se voltaram na mesma direção e depois olhou com dor para onde as fêmeas protegiam as suas crias — Matamos um deles, mas dois levaram nossos filhotes.
O Hobgoblin olhou o rosto de seu tradutor e percebeu como seus olhos estavam vermelhos, algumas lágrimas não derramadas exigindo serem soltas. Então ele era pai de uma daquelas crianças sequestradas. O Monstro Verde imaginou como poderia ter sido passar por aquele transmorfo se passou.
Em meio a noite ver sua casa sendo invadida por criaturas monstruosas, ter seu filho arrancado de suas mãos e levado embora sem o menor conhecimento do que seria feito a ele, incapaz de saber se sua cria estaria viva ou morta ao início do próximo dia.
Não, “ele” não sentiu nada com esse pequeno exercício da criatividade e seria impossível ter sido de outra forma. O próprio em mais de uma ocasião viu os corpos desabados de sua descendência, assassinados vez após outra pelos mesmos inimigos. Nunca derramou uma única lágrima por eles e jamais teve os olhos tão vermelhos.
Tudo que conseguiu sentir assistindo aquela apresentação trágica foi uma sensação calorosa de euforia com as oportunidade que se apresentou a “ele”. Jamais imaginou que um dia qualquer ao lado da Bruxa do Pantano seria frutífero ao ponto de render no futuro uma chance para conseguir a confiança dos Homens Lobos, se não recuperando a eles o que foi tomado, então dando-os a vingança
Colocou uma mão no queixo e assumiu uma expressão de concentração profunda, fingia pensar com todas as suas forças como se pudesse conseguir uma solução para os problemas da alcateia.
— Homens com asas, você me diz, talvez os Cupendiepes? — falou em voz alta atraindo a atenção dos membros da matilha. — Relativamente distante de onde costumam viver.
Palavras cautelosamente escolhidas que alcançaram o resultado esperado, as orelhas lupinas se levantaram todas e viraram na direção do Hobgoblin. Uma turba de rosnados e uivos se espalhou pela casa e aquele silêncio de quando chegou parecia nunca ter existido.
Foi seu tradutor quem deu voz aos questionamentos da alcatéia quando em uma lingua mais entendível ao Monstro Verde perguntou o que todos se viam ansiosos para saber fazendo assim seus iguais calarem suas boca para ouvir.
— Sabe onde eles vive?
— Não com precisão, eu sei a região onde vivem, mas me falta descobrir o local exato de sua toca. — uma mentira que deslizou em sua língua com a mesma leveza que um gole da água teria tido. — Se me der alguns dias, posso ser capaz de os encontrar.
— Sem muito tempo. — ele reclamou.
— Infelizmente, não compartilho do mesmo olfato e habilidades de rastreio natural que vocês carregam, eu precisaria de tempo. — parou sua fala por um minuto e encarou o chão como se ainda não houvesse pensado no que iria dizer. — Ou um de vocês poderia vir comigo.
A algazarra retornou com ainda mais volume e intensidade do que minutos antes, sem dúvida cada um se oferecendo para ingressar nessa busca por suas crias tomadas. Uma discussão própria entre eles se seguiu por um tempo, uma troca de sons animalescos que se tornavam cada vez mais familiares para o Monstro Verde.
— Dez de nós iremos com cê. — o tradutor informou já de pé com outros noves se levantando junto a ele.
— Sentem-se — ordenou e continuou sem dar tempo dos protestos que logo viriam após sua ordem. — A viagem não é curta, vocês estão fatigados e mal alimentados, além de que eu estou exausto.
“Ele” mudou sua posição e logo estava deitado de costas no chão em vez de sentado sobre ele, colocou os braços sob a cabeça e fechou seus olhos como se estivesse relaxado e confiante o bastante para dormir ali.
— Descanso será a escolha melhor recomendada para todos nós, vocês serão mais capazes dessa forma. Partiremos em algumas horas, antes que o sol se levante e eu prometo. — abriu seus olhos e olhou em cada uma daquelas criaturas lupinas com forma humanoides antes de fazer sua promessa — Eu levarei vocês até os sequestradores de seus filhos, nem que seja a última coisa que eu faça.
E a alcateia viu a sabedoria em suas palavras mesmo desgostando delas, dessa forma todos dormiram tendo suas mentes pensamentos constantes sobre seus filhotes sumidos e alguns questionamentos esparsos sobre confiar ou não naquela criatura verde.
