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Capítulo 28 – Presas e Lágrimas

Um sorriso se espalhou em meu rosto ao perceber que dessa forma eu conseguiria controlar os fios de luz e escuridão mais facilmente.

Os fios de luz eram diferentes dos outros elementos, eles eram mais leves, como penas, mas ao mesmo tempo difíceis de serem controlados, como se fossem pesados e escorregadios.

Foi complicado me acostumar a controlá-los, afinal esse meu controle de mana era completamente intuitivo. 

Mas com o tempo juntei um emaranhado branco e claro como o sol e me cortei com minha adaga para iniciar meus testes.

Minha feição permaneceu indiferente à dor, mas tomei cuidado para não manchar o sofá com meu sangue.

Envolvi o ferimento na luz, e logo senti minhas fibras musculares, nervos e pele serem reconstruídos forçadamente.

Isso foi desconfortável, mas nada comparado a dor de me curar com o cristal de mana.

Continuei me cortando, cada vez criando cortes mais profundos, com o intuito de testar os limites da magia de luz.

Chegou ao ponto em que precisei sair do sofá, pois o sangue que eu estava tirando de mim mesmo quase se derramou por todo lugar à minha volta.

Caminhei até o gramado que envolvia a cidade antes de continuar meu treino. 

Testei a velocidade da cura, a efetividade, o limite, e mais, incontáveis vezes, usando meu corpo como cobaia.

Considerei seriamente cortar um membro fora, para testar se a magia de luz era capaz de curar um ferimento do tipo.

Entretanto, isso era muito arriscado. Seria melhor perguntar para alguém especializado, como Lívia, ou até mesmo Stella.

Suor desceu pelo meu rosto e isso me fez perceber que a cura exigia algo de meu corpo. Não soube o que era imediatamente, mas a fome e sede que senti me deram uma dica.

Criei um emaranhado de gelo e o derreti, antes de beber a água.

Já sobre a fome, tirei uma pausa do treinamento para caçar. Andei pelas árvores da montanha, utilizando meus sentidos melhorados para encontrar uma presa.

Após alguns minutos achei dois coelhos brancos se reproduzindo. O macho estava sobre a fêmea, dentro de um tronco morto caído no chão, e aproveitei a situação.

Fechei as duas saídas do tronco com magia de terra, pouco antes de tentar incendiar o interior e sufocar os coelhos com a fumaça.

Alguns segundos se passaram, mas interrompi minhas ações, pois uma ideia surgiu em minha mente.

Tentei desfazer as paredes de terra, mas não consegui desfazer os fios prismáticos depois de conseguirem uma forma.

Tive que quebrar as paredes com meus punhos e pernas, e os coelhos quase escaparam quando fiz um buraco com meu pé direito.

Peguei os dois no ar, um com cada mão. Quebrei o pescoço do que estava em minha mão direita, antes de olhar para o coelho restante.

Me agachei e apoiei o animal no chão, antes de cortar fora sua pata esquerda dianteira com minha adaga. 

Seu pelo branco ficou manchado com o próprio sangue, e emitiu uns grunhidos estranhos.

Causar dor não me dava prazer, nem torturar um animal inocente, mas aquilo era necessário. Qualquer moral ou ética não tinha nenhum valor em meus olhos quando eu podia conseguir conhecimento ou poder.

Cobri o membro decepado do animal com magia de luz, mas infelizmente apenas um cotoco defeituoso se mostrou.

Nenhuma pata funcional foi criada, e o coelho lutou para conseguir andar quando o soltei.

Apenas o observei tentando fugir desesperadamente.

Aleijado, confuso, com medo.

Aquela visão não me causou nada, mas mesmo assim me apressei para matar o animal e livrá-lo do sofrimento.

Eu queria fazer o que um dia desejei que fizessem comigo, mas não assumi isso no momento.

“Você é péssimo com magia de luz.” Uma voz feminina e aguda que reconheci falou atrás de mim, mas não me virei.

Era Stella, escutei seus passos, mas não me incomodei em tirar os olhos do animal em minha frente.

“Irei melhorar.” Respondi, me levantando e indo até minha presa miserável.

“Espere.” Falou a garota, me impedindo.

Ela imitou minhas ações e foi até o animal, que caía e se levantava com desespero.

Suas pequenas mãos seguraram a criatura gentilmente, que se acalmou na mesma hora. Stella apoiou o coelho em seu peito, antes que uma luz brilhante escapasse de entre seus dedos, e revelasse um animal completamente curado.

“Viu? Não trate um ser-vivo como um brinquedo quebrado, como se fosse apenas trocar uma peça.”

A menina disse caminhando para mim e me entregando o animal.

Quebrei seu pescoço no mesmo segundo em que seus pelos brancos tocaram minha pele.

Stella gritou, tirando o cadáver do animal de perto de mim. “P-por que você fez isso?!” Gritou a garota, ajoelhando-se e escondendo o coelho morto.

“Porque estou com fome. Eu matei o outro coelho da mesma forma e você não reagiu assim, não faz sentido.”

“Não importa! Pelo menos me avise, para que eu não tenha que olhar você quebrar o pescoço de um animal inocente na minha cara!” Falou Stella, tirando o rosto infantil de entre suas pernas e olhando para mim, revelando as lágrimas que escorreram.

Sua íris prateada parecia ainda mais brilhante sob as lágrimas, e me senti culpado.

Hark me pediu para eu me tornar amigo dela, e estraguei tudo quando ela deu o primeiro passo e tentou me ajudar.

“… Me perdoe. Estou com tanta fome que não pensei nisso.”

Stella esfregou suas bochechas úmidas com seu manto preto e se levantou.

“T-tudo bem. Vou te perdoar se dividir a comida comigo.” Disse a garota entre soluços, olhando para mim.

Sua hipocrisia e imprevisibilidade me surpreenderam, mas acabei por concordar. Era contra meus instintos básicos dividir comida, no entanto, consegui manter a lógica.

Ajudei a garota a se levantar, antes de criarmos uma fogueira com fios prismáticos vermelhos e galhos secos que achei no chão.

Já estava entardecendo, e a fumaça subiu no céu laranja ao passar pelas folhas verdes sobre nossas cabeças.

Um silêncio se seguiu enquanto tirávamos a pele dos coelhos e esperávamos eles assarem, até que o quebrei.

“Quem é você?” Perguntei, não sabendo como iniciar uma conversa casual. Apenas usei o que quase todas as pessoas que conheci perguntaram para mim.

“Você sabe meu nome. É Stella.” A garota respondeu, e sua resposta foi parecida com a que dei para Vivian quando nos conhecemos.

Não sabia mais como desenvolver a conversa, então apenas encarei ela.

“Estou brincando,” a garota riu, “meu nome completo é Stella Constellatio, da exilada casa Constellatio.” Revelou com um tom melancólico.

“Exilada?” Indaguei, não entendendo o que ela queria dizer.

“Isso, uma casa exilada é quando uma família nobre perde seu prestígio.” 

“E por que vocês perderam seu prestígio?”

Com essa minha dúvida, o rosto de Stella ficou sombrio.

“… Não quero falar sobre isso.” Murmurou a garota, e percebi que pisei na bola quando sua voz estava fraca, parecendo que estava prestes a colapsar em um choro.

“Os coelhos estão prontos!” Exclamei, tentando chamar a atenção da garota de suas memórias infelizes.

Um sorriso se espalhou em seu rosto e rapidamente pegou um dos coelhos.

Sua silhueta inocente e frágil logo se desmanchou quando devorou a carne em sua frente como um animal selvagem. Até me lembrou os demônios.

Encarei suas mordidas barbáricas devorando o pobre coelho assado em poucos minutos.

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Olá, eu sou Kalel K. Dessuy!

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