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Capítulo 32 – Estranhos

Minha força ainda era uma fração da original, e eu poderia morrer em um ataque, mas já estava acostumado com meu novo corpo por conta do treino.

Meus movimentos não eram mais dessincronizados com minha mente e intenções, agora cada articulação e músculo era de completo domínio meu.

E a espada bastarda se tornou um peso comum em meus braços, e me acostumei em empunhá-la diariamente, o bastante para seu tamanho e peso não me afetarem mais.

Mas não foi apenas meu corpo que se beneficiou do treino, então não era esse o motivo de minha confiança frente àquele lobo flamejante.

Meu controle mágico melhorou aos trancos e barrancos depois de um ano e meio de treino incessante. Claro, não estava nem perto de afetar naturalmente os fios prismáticos à minha volta como Hark fazia, e nem tinha tanta facilidade com a magia de luz como Stella.

Mas já havia me acostumado a criar formas específicas em poucos instantes, com quase todos os elementos.

Em um momento Roger aconselhou-me para escolher um elemento para me especializar cedo, mas não fiz isso.

Eu tinha todos os elementos da natureza à minha disposição, não queria me prender em apenas um deles.

Mas isso requeria muito treino. Magos normalmente se especializavam no elemento que estava presente em seu despertar, mas minha magia irregular não me deu nenhuma vantagem com algum elemento básico.

E o motivo principal para a especialização era por conta da vida curta da maioria dos magos. Por conta de serem caçados a vida toda, quase nenhum deles tinha tempo para treinar todos os elementos, então escolher apenas um facilitava o treino de controle mágico.

Eu estava ciente disso, mas isso não afetou minha escolha. Minha ambição por vingança me forçou a agarrar tudo que me fortalecesse.

O fogo que saía do corpo etéreo da criatura queimava o ar ao seu redor, junto com a grama em seus pés.

O lobo era maior que eu nas quatro patas, e meus instintos gritavam enquanto ele me olhava com um par de círculos azuis e brilhantes, mas os coloquei no fundo de minha mente.

Eu já havia aprendido a ignorar meus instintos em situações de perigo, contanto que eu soubesse que ela estava sob controle.

Permaneci parado. Aquele era o único demônio que apareceu desde o que atacou eu e Stella, portanto queria testar algo.

Ficamos vários minutos nos encarando, e aquilo provou minha teoria. Ele provavelmente não me atacaria, contanto que não tivesse sangue em mim.

Isso me confundiu. ‘A intenção dos deuses não é me matar?’ Pensei enquanto estudava a criatura com meus olhos.

Após alguns segundos, percebi que o ser em minha frente fazia o mesmo.

‘Ele está me observando?’

Ali percebi algo. Talvez os deuses estavam enviando os demônios para me estudar, talvez aqueles olhos brilhantes estivessem em algum lugar no abismo, rodeado por deuses me estudando.

Só isso explicaria o motivo de nenhuma luta ter começado ainda, mas meus instintos se alarmavam mais a cada segundo.

Após alguns minutos, a criatura pareceu ter terminado sua observação, e enfim uivou para o céu. O fogo que cobria sua mandíbula subiu, queimando o ar até a altura das árvores.

Aquele fogo não parecia o mesmo criado pela mana, era diferente, mas familiar.

‘Energia do abismo? Ela é capaz de recriar os elementos?’ Com essa descoberta, meu corpo se arrepiou.

Eu já matei demônios como aquele, mas na época não sabia reconhecer a energia do abismo. 

A criatura saltou em minha direção, mas prontamente desviei alguns metros para o lado. O fogo que a cobria esquentou meu rosto, e aquilo mostrou que ataque diretos eram ainda mais perigosos.

Meu oponente se virou e começou a me rodear, mas acompanhei seus movimentos. Seu fogo escurecia os troncos que passava por perto, e ameaçou incendiar várias folhas secas que se aproximou.

Criei dez fragmentos afiados de gelo que sobrevoaram minha figura, e lancei três na direção do demônio.

Eles atravessaram os dois ombros e o peito inferior, criando buracos entre o fogo. Mas não duraram muito, já que foram curados e cobertos como se nada tivesse acontecido.

Entretanto, por um instante, fui capaz de enxergar ossos em seu interior. A criatura não era puro fogo, algum esqueleto a movia, e aquele era seu ponto fraco.

Isso apenas afirmou minha lembrança, e me deu um alvo mais preciso. O demônio uivou novamente, atirando uma curta onda de fogo em minha direção.

Saltei para cima e me agarrei em um galho grosso da árvore atrás de mim, que resistiu ao fogo.

Movi minhas pupilas freneticamente, estudando em poucos segundos cada centímetro do meu inimigo, e então imaginei onde seu esqueleto estaria.

Criei dois arcos de terra que cercaram e prenderam a cabeça e parte inferior do corpo do lobo, antes de cobrir minha espada com terra e gelo.

Saltei, levantando minha lâmina com a intenção de partir a coluna do demônio ao meio. No entanto, o fogo que o rodeava aumentou de tamanho e pulverizou os arcos de terra.

Seu tamanho duplicou por alguns segundos, atingindo quatro metros, mas logo foi reduzido ao tamanho original.

Tive poucos segundos para pensar durante a queda, mas envolvi meu corpo em uma camada de terra e gelo.

Elas durariam pouco, mas me dariam a chance de me afastar do fogo.

Continuei meu ataque, acertando bem no meio da coluna da criatura, que se curvou ao meio perante o ataque.

Senti minha espada colidir contra os ossos, que se partiram imediatamente.

A criatura repetiu seu movimento anterior e aumentou de tamanho, mas recuei vários metros. Meu corpo estava coberto em suor e terra dura, pois a camada de gelo derreteu instantaneamente.

O demônio logo reduziu de tamanho, mas se tornou menor que antes. Agora tinha a minha altura, e seu fogo se tornou menos violento.

Embainhei minha espada e cobri meus punhos em uma camada ainda mais grossa de terra e gelo, e parti para a criatura.

Minha pele era mais resistente que o normal por conta do cristal, e seu fogo não parecia mais tão ameaçador.

Agarrei a mandíbula do lobo e chutei sua costela direita dentro do fogo duas vezes, antes do mesmo recuar para trás em uma tentativa de mordida.

Segurei seu nariz e acertei sua testa com uma cotovelada coberta de terra e gelo, antes de segurar seu pescoço.

Meu manto já havia sido reduzido ao pó, me deixando nu com apenas um cinto e duas bainhas.

Minha pele estava vermelha, sendo rasgada e chamuscada em um ritmo considerável. Me apressei e forcei o aperto, quebrando o pescoço da criatura.

Bastava cortar a conexão entre sua cabeça e o resto do corpo que o fogo instantaneamente se apagou, revelando um esqueleto canino preto e rachado, antes de se tornar energia do abismo e sumir.

Suspirei e procurei meu cristal que caiu no chão quando o bolso queimou, envolvendo-o em fios verdes e levando-o no ar perto de mim. Não queria gastar seu brilho, em vez disso iria me curar com magia de luz.

Tentei fazer isso, mas nunca havia curado queimaduras. O pus, bolhas e pele queimada era difícil de curar, e fiquei com receio de cometer algum erro.

Por conta disso, resolvi voltar para a cidade e pedir para Stella me curar.

Entretanto, no meio do caminho escutei passos e vozes desconhecidas.

Elas pareciam estar a vários metros ao meu lado, caminhando na mesma direção que eu. Espreitei em sua direção, e me encontrei com um homem adulto e um adolescente conversando.

O homem era careca e possuía uma barba castanha, e seus olhos eram da mesma cor. Já o adolescente, era menor e não tinha nenhum fio no rosto, além de um cabelo escuro. Seus olhos eram verdes.

“Você tem certeza que aqui tem um vilarejo indígena?” O adolescente perguntou enquanto estudava o ambiente.

“É claro! Já cacei nas redondezas ao redor da montanha e encontrei passos humanos, além de várias marcas que mostram que algum tipo de tribo vive aqui!” O careca falou animadamente, analisando o chão.

Aquelas pessoas não pareciam serem magos, e isso fez meus olhos se estreitarem. Eu iria matá-los se eles se aproximassem da cidade.

“Imagine os tesouros que eles devem ter. Podemos fazer amizade com eles e conseguirmos várias coisas, poderemos conseguir dinheiro o suficiente para curar sua mãe!” O homem exclamou, com tristeza e felicidade misturadas em sua voz.

Suas palavras não me atingiram nem um pouco, a morte os aguardava se dessem mais alguns passos. Não poderia arriscar alguém saber da cidade enquanto eu estava lá.

Mais alguns metros e eles sairiam da floresta e entrariam no gramado que envolvia a cidade, e então suspirei.

“Ei.” Gritei, chamando a atenção do par.

Eles se assustaram e olharam para mim. Eu estava nu, com metade do meu corpo queimado, e os encarei friamente.

“Um indígena…?” O adolescente sussurrou, não escapando de minha audição.

Já estava emaranhando fios para matá-los ali mesmo, mas tive uma ideia. Era minha chance de conseguir informações.

“De onde vocês vieram?” Questionei friamente, permanecendo parado em um relevo acima deles.

O par se entreolhou. “Você fala nossa língua?” O homem perguntou animadamente, mas tentando se controlar no final.

“Responda.” Ordenei, colocando pressão no tom de voz.

Os dois ajeitaram a postura e engoliram seco.

“Viemos da cidade de Revin, ela está a trinta quilômetros de distância…” O homem respondeu, mantendo a postura ereta.

“O que vieram fazer aqui?” Questionei, mesmo sabendo da resposta.

“… Nós viemos colher alguns cogumelos e plant-” O adolescente tentou mentir, mas foi interrompido pelo homem.

“Sua mãe odeia mentiras! Se nós quisermos fazermos amizade com eles, devemos ser honestos!” O barbudo repreendeu.

“Caro nativo, nós viemos com um pedido. Temos vários objetos e itens que possam lhe interessar, então queremos fazer trocas com vocês. Necessitamos de ajuda, minha esposa está doente e depende de nós para conseguirmos dinheiro.” Ele falou, fechando as mãos para suplicar.

“Onde estão esses objetos?” Perguntei, mantendo meus olhos fixos neles.

“Somos mercadores, temos uma carruagem cheia de itens e materiais que encontramos pelo reino. Ela está no sopé da montanha, ao norte.”

Um silêncio se seguiu. Eles não podiam ver, mas fios azuis estavam se formando atrás deles.

Havia me decidido em matá-los desde que os encontrei, agora que obtive informações eles não tinham nenhuma utilidade para mim.

No momento que dois fragmentos de gelo afiados surgiram através do nada, o adolescente retirou um cristal de mana do bolso.

Ganância substituiu minha intenção assassina, mas mantive os fragmentos flutuando.

“Nós encontramos este cristal uns anos atrás, temos outros, eles podem lhe interessar!” O garoto exclamou, chamando minha atenção.

Meus olhos amarelos permaneceram fixos no cristal vermelho, que era maior que o que eu já tinha.

“Onde encontraram isso?” Questionei, não tentando esconder a ganância em minha voz.

“Encontramos em uma masmorra abandonada.” Respondeu prontamente o adolescente, com esperança na voz.

“Masmorra?” Indaguei, desconhecendo o termo.

“São lugares subterrâneos antigos, ninguém sabe quem os criou. Muitas vezes guardam tesouros como esse, mas são repletos de armadilhas.”

Pensei nas informações que recebi, e me segurei para não sorrir. 

“Onde existem essas masmorras?” Questionei, me decepcionando com a resposta que se seguiu.

“Não sabemos, só encontramos duas em toda nossa vida, mas elas já foram completamente saqueadas. Depende da sorte em encontrar alguma.”

Enchi o par com mais perguntas, buscando entender a geografia do reino e várias coisas em que eu era ignorante.

Após várias perguntas, os dois se entreolharam com uma expressão confusa.

“Podemos nos encontrar com seu líder? Acho que já deu de perguntas por hoje.” Reclamou o careca, e os encarei por alguns segundos.

Eles não haviam olhado para trás em nenhum momento, mas os fragmentos ainda estavam lá.

O primeiro a morrer foi o barbudo, que teve o crânio atravessado pelo meu feitiço. Ele caiu morto no chão imediatamente.

“Pa-” Não deixei o adolescente lamentar, e o fiz ter o mesmo destino de seu companheiro e provável pai.

Testei minha teoria quando toquei no cristal de mana que o garoto tinha. Por algum motivo, eu tinha a habilidade de me curar ao tocá-los. 

Senti meu corpo ser incendiado infinitas vezes, parecendo estar derretendo a cada centímetro de fibra muscular e pele que se curava. Me esforcei para ficar acordado.

Saqueei seus cadáveres, mas não encontrei nada útil. Envolvi o novo cristal em fios verdes e os levei comigo enquanto caminhava até a carruagem.

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Olá, eu sou Kalel K. Dessuy!

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