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Capítulo 33 – Astaren

Estava entardecendo, e eu nunca havia saído das montanhas daquele jeito, então tive que tomar cuidado para não perder a direção.

Me vi no cume de uma das montanhas que cercavam a pequena cidade, e vi planícies e florestas se estendendo até o horizonte infinito. Uma cadeia imensa de montanhas também podia ser vista ao leste.

Foi a primeira vez que vi uma paisagem de tal magnitude. Mas como sempre, foi uma mistura de novidade e familiaridade. 

Algo apertou em meu coração, como se uma lembrança estivesse lutando para despertar em minha mente.

Durante aquele um ano e meio o desejo de descobrir meu passado aumentou a cada dia. Mal esperava para ser forte o suficiente para explorar o mundo e seu passado, afim de encontrar quem um dia fui.

Minha única esperança para obter alguma dica era a deusa brilhante, mas sua silhueta em minha memória se enfraquecia a cada dia. Ela parecia deixar de existir em minha mente conforme o tempo passava.

Desci a montanha quando avistei uma carruagem e uma carroça paradas a alguns metros de seu sopé, perto de uma árvore solitária no início da planície esverdeada.

Após vários minutos cheguei até ela e olhei em volta. Estava com receio de que Hark ou outro mago me visse, ou talvez houvesse alguém na carruagem.

Para contradizer meus desejos, encontrei uma mulher dormindo dentro da carruagem. Ela estava coberta em um pano de couro escuro, tossindo de vez em quando.

‘Merda.’ Reclamei comigo mesmo, pensando no que fazer.

Matar a mulher foi a primeira coisa que passou em minha mente, mas considerei outras opções. Decidi ignorá-la por enquanto e caminhei até a carroça atrás da carruagem.

Havia três cavalos amarrados atrás da árvore solitária, e eles me encararam quando os encontrei. Ignorei-os e subi na carroça coberta com uma grossa camada de pano, abrindo todos os barris e caixas que achei.

A maioria era frutas, grãos e bugigangas inúteis, mas encontrei algumas coisas interessantes. Nenhum cristal de mana, mas alguns objetos e mapas pararam em minhas mãos.

Analisei tudo que encontrei, junto com alguns livros e pergaminhos. Não consegui ler tudo, mas entendi grande parte por conta do ensino que Roger me forneceu. Uns meses atrás ele havia começado a me ensinar a ler.

Memorizei mapas de cidades e florestas, além de um grande mapa sobre todo o lado leste do reino, e reconheci a cadeia de montanhas que observei no cume.

‘O Muro de Olímpia: uma cadeia de montanhas que serve como defesa natural para o continente de Deorum, impedindo ataques de nações inimigas.’

Encontrei um grande mapa sobre todo o continente Deorum após isso e percebi algo. O Reino Salazar dominava cada parte dele, não existia mais nenhum reino ou nação no continente.

Mas havia a ponta de um continente vizinho ao leste, a vários quilômetros do oceano e o Muro de Olímpia, no entanto não havia nenhuma informação específica sobre ele no mapa, com exceção de seu nome.  

‘Astaren’

Arrepios atravessaram meu corpo quando li esse nome. Ele era extremamente familiar, parecia que convivi com esse nome a vida toda, de algum jeito.

Não estava claro, mas esse continente com certeza tinha alguma dica sobre meu passado. 

‘Parece que terei que visitá-lo um dia.’ Decidi comigo, mas eu sabia que isso ainda estava longe de acontecer.

Procurei mais entre os barris e caixas, mas nada grandioso surgiu em meus olhos. Estava na hora de me decidir sobre o que faria com a mulher.

Eu não possuía ética ou senso moral, sempre confiei em meus instintos em minhas decisões, mas a mulher doente não me representava nenhum perigo. Ela provavelmente morreria sozinha se eu a deixasse ali.

“Filho… A-amor…” Murmurou com uma voz fraca antes de tossir.

A encarei por alguns segundos, mas meus olhos pousaram em uma carta perto do assento em que ela estava deitada.

Abri e li o papel, conseguindo entender pouca coisa.

‘Caro senhor e senhora Jorn, a entrada de seu filho, Lucas Jorn, na prestigiada Academia Salazar de Postulados foi negada.’

‘Academia? É nesse lugar onde treinam os postulados?’ Pensei, tentando entender o resto da carta, mas falhando. Apenas pude observar um brasão no canto da carta.

Mostrava duas luas minguantes de costas uma para a outra, e uma espada branca atravessando verticalmente entre elas.

Um grito feminino chamou minha atenção, e me encontrei com um olhar aterrorizado. “Quem é você?!” Gritou a mulher, tentando se levantar, mas falhando.

Recuei alguns passos e encarei-a friamente. Ela havia visto meu rosto, então estalei a língua.

“Não sou ninguém.” Falei calmamente, me virando para ir embora. 

“Espere!” Chamou a mulher, e me virei para escutá-la.

O pano que a cobria caiu e mostrou seu corpo parcialmente nu, mas não me importei nada com isso. Ela possuía um cabelo preto e olhos de mesma cor, e uma pele branca e lisa.

“Onde está meu filho e meu marido?” Perguntou, mas pensei em ficar em silêncio.

“Eles não voltarão.” Falei após alguns segundos, e a moça desmoronou em lágrimas quando a ficha caiu. 

“Eu sabia… Eu falei que eles iriam morrer se nunca desistissem de mim… Isso é culpa minha, se eu tivesse morrido antes, meu filho teria tempo para estudar e treinar para entrar na academia, mas ele teve que virar um mercador para me curar… Eu sou uma desgraça como mãe e esposa.”

Suas palavras não me atingiram, mas despertaram algo em mim. 

Senti empatia por ela, de alguma forma. Meus instintos nunca me permitiram me colocar no lugar de outra pessoa, afinal eles tinham que se preocupar comigo o tempo todo, mas a mulher não me representava nenhum perigo.

Eu pude me dar o luxo de me importar com outra pessoa, e isso deixou um gosto amargo em minha boca. Aquele sofrimento em minha frente foi por culpa minha.

“Por favor… Me mate… Quero ver o rosto de meus amores sem estar deitada em uma cama.”

Olhei para ela, não acreditando que a mesma preferia a morte do que a vida. Meus instintos discordavam de tal ato veementemente.

Entretanto, me aproximei dela e a abracei. Entendi que a misericórdia era a única coisa que eu podia fazer para me desculpar por tirar tudo dela, e a única misericórdia disponível era a morte.

Ela devolveu o abraço, molhando meu ombro nu com suas lágrimas. “Eu te perdoo.” Ela sussurrou em meu ouvido, despertando arrepios em mim.

Essas palavras me atingiram.

Nessa época eu ainda estava confuso sobre quem era. Minha mente continuava afetada pelos séculos de sofrimento e pesadelos, e fui atirado em uma guerra de magos e Campeões sem entender nada.

Não tinha ninguém para me guiar na ética, com exceção de meus instintos, e eles muitas vezes me obrigavam a fazer coisas ruins.

E matar inocentes para manter minha localização escondida era uma dessas coisas. 

Não precisei de ética ou moral para desgostar de tirar uma vida que não me faria mal algum diretamente, mas eu tive que fazer isso.

Forcei o aperto e senti o pescoço da mulher quebrar, e seu corpo sem vida caiu da carruagem em meu colo.

Sentei na grama e continuei abraçando-a por alguns minutos, pensando em minhas escolhas.

Talvez eu pudesse ter ameaçado os homens e afastado-os, mas preferi não arriscar. Não poderia assumir o risco de a localização da cidade ficar famosa e postulados ou Campeões irem para lá. Três vidas inocentes foram tiradas por mim, e eu tive que aceitar as consequências.

‘Quando a morte é uma misericórdia, a vida antes dela provavelmente era um castigo.’

Me confortei com essas palavras quando elas surgiram em minha mente, enquanto a lua subia no horizonte e o céu escurecia.

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Olá, eu sou Kalel K. Dessuy!

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