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Capítulo 35 – Fora das Montanhas

Encarei a mulher por alguns segundos. Já havia escutado seu nome várias vezes, mas nunca havia encontrado-a antes, mesmo morando no mesmo lugar.

“O que faz aqui?” Ela perguntou sorrindo enquanto se agachava e colhia algumas ervas perto da raiz de uma árvore.

“Caçando.” Respondi honestamente, e um som próximo de Lívia despertou minha atenção. 

Não tinha percebido, mas uma toca estava próxima da árvore em que a mesma colhia as ervas. De repente, uma lebre saltou do chão quando viu a mulher.

Não hesitei e controlei minha adaga, que atravessou o pescoço do animal em menos de dois segundos, enquanto o mesmo ainda estava no ar.

Sangue jorrou no rosto da mulher, mas não me importei. Não podia perder a oportunidade de caçar uma presa.

“Oh, vejo que está praticando telecinesia…” A idosa falou timidamente, limpando as gotas de sangue de seu rosto com o manto.

“Telecinesia?” Questionei, e ela me explicou que era o jeito comum de se referir à magia de ar. 

A mulher me fez uma gentileza e envolveu a lebre morta em fios verdes, mas foi muito mais rápida e eficiente do que eu. 

O corpo do animal voou rapidamente até mim e parou bruscamente, sem nem mesmo derramar uma gota de sangue.

“… Obrigado.” Agradeci, segurando a lebre pelas orelhas.

Lívia continuou a colher ervas e me preparei para ir embora. Uma lebre não era o suficiente para alimentar devidamente meu corpo melhorado, eu precisava caçar mais. Esse era um dos preços a se pagar para ter uma vantagem física como a minha.

“Você é interessante.” Declarou me olhando. Fiz uma cara confusa, mas a mulher apenas riu. “Magos costumam ser excêntricos por vários motivos, mas você é peculiar. Quem você era antes do despertar?”

Não foi a primeira vez que tive que enfrentar tal questionamento.

Um vazio dominou minha mente com a pergunta. Eu poderia mentir, mas repeti a pergunta para mim mesmo quando a ouvi.

‘Um monstro? Um animal selvagem movido por instintos? Uma máquina de morte aprisionada em um inferno?’

‘Ou sou um garoto estranho, que despertou como mago e apenas vive pela vingança?’

“Eu não sei.” Declarei impotente.

Lívia fez uma expressão afiada. “Eu não sou mais quem um dia fui.” Falei, olhando para ela.

“Quem você era, então?” Ela indagou honestamente.

“… Um monstro.” Revelei friamente, e a mulher apenas sorriu.

“Você ainda é um monstro?”

“Acho que não.” Respondi após alguns segundos.

“Olha só, você pelo menos sabe o que não é. Esse é o primeiro passo para descobrir sua verdadeira natureza.” Lívia declarou com um olhar afiado.

Fiquei em silêncio.

Eu ainda lembrava do dia do meu despertar. Um detalhe nunca escapou de minhas lembranças. O detalhe de que eu havia morrido.

Me lembro do abismo que entrei quando senti as lanças perfurarem meu corpo por todas as direções. O eclipse simbolizou meu renascimento.

“Eu nunca existi antes do despertar.” Declarei ao me decidir. Eu não estava mais preso naquele lugar infernal, eu não mais era um monstro coberto de pelos e escamas.

Agora era apenas um mago que treinava intensamente, só para poder viver em um mundo regido por deuses que queriam minha morte.

Me separar da criatura que um dia me tornei foi o primeiro passo para amadurecer. 

Me senti grato pela conversa. Já havia pensado várias vezes sobre quem eu era, mas foi a primeira vez que decidi deixar de me enxergar como aquele monstro sanguinário. Isso foi graças a ela.

“Então se certifique de aproveitar bem agora que existe.” A mulher declarou com um sorriso gentil e me virei para ir embora.

Aquela simples e inesperada conversa me trouxe vários benefícios. No entanto, quem mais se beneficiou foi minha mentalidade.

Os pesadelos que me assolavam diminuíram, me senti melhor ao meditar e treinar meu controle mágico. Meus instintos agora estavam mais fáceis de serem controlados.

Nunca tinha pensado que uma curta troca de palavras poderia me esclarecer tanto. No entanto, minha determinação não vacilou.

Meu desejo por vingança ainda estava enraizado no meu ser, e não havia hesitação enquanto me imaginava matando qualquer um que entrasse em meu caminho.

A frieza logo refletiu em minha expressão quando suspirei. A conversa foi boa, mas era hora de voltar a caçar e treinar.

Voltei para a caverna depois de assar e devorar mais duas lebres e um cervo. Aquelas montanhas possuíam uma grande quantidade de animais, e minha barriga agradeceu por isso.

Já estava anoitecendo e senti meu corpo cansado. Dormi várias horas, tive menos pesadelos que o normal. Ainda os tive, mas comparado ao que sonhei por um ano e meio, dormi uma noite tranquila.

Minha rotina de treino continuou por mais duas semanas, até que acordei com o rosto de Vivian próximo ao meu.

“Como você consegue dormir aqui?” Ela indagou, tocando no chão rochoso no qual eu estava deitado.

“Lívia me falou que te encontrou nas redondezas, presumi que estaria nessa caverna, pelo visto acertei.” Declarou, apoiando os braços na cintura.

“Já partiremos?” Questionei enquanto esfregava as pálpebras. Os raios solares que entravam pelo teto da caverna colidiram com meu rosto, ajudando a expulsar o resto do meu sono.

“Sim, já preparei a carroça.” Revelou enquanto olhava em volta. “Nossa, você realmente treina pesado.”

“Preciso ficar forte rapidamente.” Declarei, me levantando e saindo da caverna.

“… Entendo que você tenha medo, afinal é um risco ser um mago, mas não precisa ficar tão tenso. Hark está na cidade, ele protegerá você caso algo aconteça.”

Escutei suas palavras, mas as ignorei. Eu sentia a necessidade constante de aprimorar meu corpo e mente, afinal não poderia me permitir ser fraco enquanto fosse alvo de deuses. No entanto, não iria dizer isso para Vivian.

“Vamos lá.” A moça chamou, passando por mim e tomando a liderança até a cidade. Peguei um manto na casa de Roger e caminhamos até um lado da cidade que nunca fui, e me encontrei com uma estrada de terra que atravessava uma das montanhas.

No início da estrada havia uma carroça coberta com um pano branco e sujo, que protegia as poucas caixas que o veículo levava. Um cavalo com pelagem escura esperava na frente da carroça.

“Tem certeza que Hark não descobrirá? Isso não é de forma alguma discreta.” Declarei, olhando para as casas abandonadas em volta.

“Ele está ocupado. Hark tá obcecado com uma coisa que aconteceu uns dias atrás, nem vai perceber nosso sumiço.” Vivian falou enquanto ajeitava algo atrás da carroça.

“Que coisa?” Indaguei curioso. Sentia fome por qualquer tipo de informação.

No momento da minha pergunta Vivian se levantou e olhou seriamente para mim. “Um grupo de magos maior que o nosso foi morto por um Campeão.”

Minha atenção se aguçou com aquela revelação. Já esperava ser algo relacionado a magos, mas o que escutei era algo próximo da minha realidade. Não era impossível o mesmo acontecer conosco.

“Como eles foram descobertos?” Questionei, mas Vivian apenas balançou os ombros. 

“Discutiremos na viagem, sobe aí. Hark pode não nos ver, mas se Gael aparecer vai ser um problema.”

Obedeci à mulher e me sentei ao seu lado enquanto a mesma sacudia as cordas, fazendo o cavalo iniciar seu galope junto com a viagem.

Passamos pela estrada que atravessava a montanha, e logo me vi na mesma planície que matei a mulher doente.

Então, a estrada logo sumiu e atravessamos quilômetros de grama, até nos encontrarmos com outra rua de terra.

No entanto, os olhos meus e de Vivian se aguçaram quando vimos um homem caminhando na estrada, sinalizando para pararmos.

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Olá, eu sou Kalel K. Dessuy!

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