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Capítulo 37 – Furtel

Novamente um cenário novo e ao mesmo tempo familiar se colocou na frente dos meus olhos. Casas e pequenos prédios de pedras lisas, contornadas em tábuas de madeira, cercavam uma estrada de terra seca.

Inúmeros sons atacaram minha mente. Pessoas conversando e discutindo, latidos, carroças e carruagens viajando, portas se abrindo e se fechando, gritos e mais.

Tive que me concentrar para ignorar todos os barulhos e Vivian percebeu meu incômodo. “Está tudo bem? Parece que não é acostumado com cidades assim.” Falou enquanto observava o entorno.

Não respondi, me mantive focado. Uma dor de cabeça se alastrou em minha mente quanto mais nos aprofundávamos nas estradas labirínticas de Furtel.

Após vários minutos consegui ignorar quase todas as fontes de barulho no ambiente da cidade. Pessoas e carruagens próximas ainda me afetavam, mas não o suficiente para eu me importar.

Percebi muitos olhares pousarem em nós, principalmente em Vivian. Eu estava acostumado em conviver com mulheres bonitas, mas reconheci a exuberância de sua beleza ao observar pessoas comuns na rua.

Não havia ninguém ali que pudesse igualar a aparência de Vivian, Amanda e Stella. Talvez os magos fossem naturalmente mais bonitos, mas não tinha certeza.

‘Como conseguiremos ser discretos assim?’ Me perguntei, mas desisti de buscar uma resposta e resolvi confiar na mulher ao meu lado. Ela parecia conhecer a cidade, então apenas continuei observando o cenário.

Às vezes encontrava crianças brincando ou acompanhando seus pais, mas era uma visão rara. Isso provavelmente estava ligado com os desaparecimentos. Talvez os pais não queriam mais deixar seus filhos na rua ou sozinhos em casa.

“Coloque seu capuz.” Vivian ordenou e obedeci. Ela pareceu ter notado os olhares antes, mas só resolveu fazer algo agora.

Meus cabelos longos foram empurrados pras laterais de meu rosto quando vesti o capuz de meu manto, mas meus olhos amarelos ainda estavam afiados e atenciosos no ambiente.

Após alguns minutos os olhares pararam. Eventualmente chegamos em uma construção de três andares, e um letreiro pendurado ao lado da porta representava uma caneca de cerveja em cima de uma cama.

“Chegamos na taverna.” Vivian declarou enquanto tirava a carroça da estrada e a movia para um pátio ao lado da taverna.

Esperei ela amarrar o cavalo em uma cerca, antes de esfregar seu ombro musculoso gentilmente.

“Muito obrigado pela carona, moça. Estarei em débito contigo durante toda minha vida…” Berton agradeceu quando saiu de trás da carroça.

“Vá para casa de uma vez, senhor. Deve estar cansado, não precisa se preocupar, tentaremos encontrar sua neta.” Vivian declarou, enchendo os olhos do idoso com esperança e alegria.

“Sério?!” Berton exclamou enquanto se ajoelhava e agarrava o manto de Vivian. “Muito obrigado! Vocês são uma benção da luz!” Agradeceu em prantos, e Vivian abraçou-o por alguns segundos.

Depois de uns minutos o idoso foi embora. “Realmente vamos procurar a neta dele?” Indaguei para Vivian.

“… Não.” Vivian negou. Seu olhar parecia distante, mas determinado. “Já temos problemas demais. Ela provavelmente foi sequestrada por algum grupo de bandidos. Deve estar morta ou na cama de algum nobre.”

Suas palavras foram duras, mas realistas. Ainda não sabia como funcionava aquele mundo e qual era seu senso comum, mas meu primeiro encontro com um nobre não foi bom. 

“Nobres gostam tanto assim de crianças?” Indaguei honestamente. Criei uma ligação com uma das minhas primeiras memórias e o que estava acontecendo agora.

“Não é uma regra, mas o poder te dá oportunidade para satisfazer seus desejos mais impuros e desprezíveis. O dinheiro é tão forte quanto a magia em um mundo como o nosso.” A mulher revelou com nojo na voz.

Não entendi perfeitamente suas palavras. Minha interpretação ainda era literal nessa época, mas não pensei muito naquilo imediatamente.

“Vamos logo, precisamos reservar um quarto para hoje. Você não quer dormir na carroça, quer?” Vivian riu enquanto gesticulava para que eu a seguisse para dentro da taverna.

Uma porta de madeira se abriu e um odor extremo de álcool entrou em minhas narinas. Muitas mesas redondas ocupavam a maior parte do espaço na sala.

Alguns homens bebiam em silêncio e outros conversavam, mas todos olharam para nós quando entramos.

Assobios e risadas fracas encheram o ambiente, provavelmente por conta do busto de Vivian. Percebi as intenções daqueles homens imediatamente.

‘Isso vai ser irritante.’ Comentei comigo mesmo.

Caminhamos até um homem que limpava uma caneca de madeira com um pano atrás de uma mesa retangular. Prateleiras com garrafas estavam atrás dele. Depois de alguns segundos, ele olhou para nós e sorriu gentilmente.

“Em que posso ajudar, moça?” O homem perguntou enquanto continuava sua tarefa.

“Queremos um quarto para sete noites.” Vivian declarou enquanto tirava uma pequena bolsa redonda do manto. Um som metálico e atraente surgiu quando a bolsa foi colocada na mesa.

“Quinto quarto à direita da escada, segundo andar.” O homem falou enquanto pegava a bolsa, que provavelmente estava recheada de moedas.

Vivian e eu nos preparamos para subir as escadas no lado esquerdo da sala, mas fomos impedidos.

“Isso é muito dinheiro, princesa. Não quer compartilhar o quarto comigo e com meus amigos? Pagamos nossa parte, vai ficar mais barato pra você.” Um homem de cabelo curto e escuro comentou. Sua pele era branca e suja, vestia roupas simples e furadas.

Algumas risadas surgiram após seu comentário importuno e afiei meu olhar. Não precisava proteger Vivian, ela era forte o suficiente para isso. 

No entanto, o impulso sexual que senti em todos eles incomodaram meus instintos primordiais.

Era como se eles cobiçassem uma fêmea do meu bando.

Não enxergava Vivian dessa maneira e nem tinha intenção, mas era inevitável. Eu ainda era como um animal selvagem no fundo.

Fiz contato visual com o homem e o encarei. O vi como uma presa, como a vítima de uma morte cruel causada pelas minhas mãos.

Isso refletiu em meu olhar afiado e frio, mas me controlei para não chamar atenção.

“Considerarei sua proposta, mas agora não. Como pode ver, estou com meu filho.” Vivian declarou enquanto retornava sua ida até a escada.

“Está tudo bem, amor.” Percebi o nervo de Vivian saltar de raiva a cada elogio e apelido desnecessário. “Colocamos ele pra fora, ele pode esperar.”

Risadas novamente surgiram. Vivian dessa vez o ignorou e subiu de uma vez. Fui atrás dela, mas me virei para olhar para os homens uma última vez.

Segui Vivian até nossa porta e um quarto com apenas uma cama de casal se mostrou. Era suficientemente limpo, e uma mesa com espelho estava ao lado da cama. Uma porta fechada estava no lado esquerdo do quarto.

“A festa será daqui a cinco dias. Amanhã iremos comprar algumas roupas para você e te ensinarei etiqueta básica.” A moça declarou enquanto sentava na cama.

Encarei ela por alguns segundos. “Ah.” Ela riu. “Está com vergonha? Se quiser, eu durmo no chão.”

“Não.” Recusei. Eu não me importava com isso, meu corpo ainda era de uma criança, por mais que estivesse entrando na puberdade.

Dormir na mesma cama que uma mulher ainda não era comprometedor. “Daqui a pouco começará a anoitecer.” Vivian comentou enquanto caminhava até a porta no lado do quarto.

“Irei tomar banho, está bem?” Avisou enquanto fechava a porta.

Durante minutos fiquei sozinho com meus pensamentos. Caminhei até uma janela e observei a vista.

Podia ver algumas casas e becos, crianças brincando e mulheres retirando roupas de varais.

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Olá, eu sou Kalel K. Dessuy!

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