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Capítulo 41 – Par de Olhos

“Em um banquete, os mais velhos sempre devem comer primeiro. Você jantará com várias outras crianças em uma mesa, então terá que prestar atenção nisso, só poderá comer sua comida depois que os mais velhos iniciarem. O mesmo vale para crianças mais novas que você.”

“O jantar só começa após uma oração e breve citação do hino do Reino Salaz-”

“O quê?” Interrompi, levemente indignado.

Vivian e eu estávamos almoçando na taverna em uma mesa no canto do salão. Ela estava me ensinando noções básicas de etiqueta e educação.

Para falar a verdade, aquilo era extremamente chato. Era fácil lembrar das regras, mas não conseguia entendê-las.

Qual era o sentido de tanta frescura? Fazia mais sentido todo mundo se atirar no prato de comida em sua frente para evitarem ter seus jantares roubados pelos outros.

Perder mais tempo se preparando pra comer do que realmente comer era idiota para mim.

“Isso mesmo. Sabia que você não ia gostar disso, mas em jantares nobres, todos fazem uma oração para os deuses e cantam para honrar o Reino Salazar.”

Pelo visto essa missão seria mais complicada do que pensei, afinal eu me recusava a prestar qualquer tipo de respeito pelos deuses.

“Isso é inútil, qual o sentido disso?” Perguntei enquanto devorava um pedaço de bife cozido com as mãos. 

“… Talheres também são obrigatórios.” Vivian murmurou sem esperança enquanto encarava minha comida sumindo em poucos segundos.

Me foi dado um garfo e faca, mas não me importei em usar aquilo.

“Quero mais.” Declarei com um rosto indiferente, Vivian sorriu e esfregou as costas da mão em minha boca para limpá-la.

Após alguns minutos, três pratos com bifes e legumes chegaram na mesa. Instintivamente sorri ao olhar para aquilo.

Aqueles pequenos pedaços não eram absolutamente nada para mim, afinal eu estava acostumado a devorar cadáveres de animais inteiros, uma porção de carne não era suficiente para me proporcionar energia.

No entanto, o sabor daqueles pedaços de carne eram incríveis, a junção com os legumes e temperos criava um paraíso em minha língua.

Os três pratos não duraram nem sequer um minuto, mas me controlei após isso. Poderia comer no mínimo mais uns dez pratos, mas me controlei, afinal o dinheiro de Vivian não era infinito.

Ela me ensinou muitas outras regras, como não repetir o prato, usar os talheres certos para cada tipo de comida… Ela até me disse que preciso comer de boca fechada!

Não sabia se havia lutado contra demônios mais vezes do que escutado baboseiras durante a conversa. 

Entretanto, eu era capaz de fazer tudo isso. Seria difícil me controlar, mas eu compreendia a importância da missão.

Conseguir a confiança de Hark em mim dependia daquilo, e meu papel ainda era simples. Apenas jantaria e conversaria com outras crianças, além de interagir um pouco com os adultos. Vivian que iria fazer o trabalho arriscado.

Mas meus instintos estavam levemente incomodados. Não havia pensado muito, mas não tinha esquecido sobre os desaparecimentos.

Apenas um curto raciocínio era o suficiente para me mostrar que algo poderia acontecer na festa, e meus instintos não discordavam.

Inúmeras crianças estariam no mesmo lugar, provavelmente era o momento perfeito para os sequestradores. 

Só que isso não dizia muita coisa. Eu não era nenhum tipo de investigador, mas minha intuição era extremamente afiada, e meus instintos a auxiliavam.

Se acontecesse alguma coisa na festa, minha missão seria interrompida e tudo seria em vão. Eu precisava pensar sobre os desaparecimentos.

Vivian falou que teria um capitão postulado protegendo a festa, e ele seria nosso alvo. Se ele era um capitão, provavelmente controlava tropas.

Se o jantar era nobre, com certeza jantaríamos em algum tipo de mansão ou estrutura segura.

A festa era da filha do prefeito, então muitas pessoas iriam. Tudo estava contra os sequestradores, era quase impossível conseguir fazer algo lá.

Mas mesmo sabendo disso, meus instintos não cessavam. Eles tinham certeza que algo aconteceria, eu tinha que fazer algo sobre isso.

Vivian ainda estava falando sobre regras inúteis de etiqueta enquanto eu raciocinava, mas a interrompi.

“Sobre os desaparecimentos. Não tem chance de algo acontecer na festa?” Indaguei repentinamente, surpreendendo-a.

“Ah, eu pensei sobre isso, mas acho difícil. Eu conversei um pouco sobre eles com o dono, ele disse que eram muito aleatórios. Crianças sumiram em partes completamente diferentes da cidade, sem qualquer tipo de conexão. Duvido que o responsável por trás disso se arriscará tanto.” 

Fiquei pensativo após as declarações de Vivian.

No entanto, eu confiava completamente em meus instintos.

Eles se reforçaram e melhoraram em condições árduas e insanas por meio milênio, haviam evoluído para algo anormal.

Suspirei e continuei aprendendo mais regras inúteis por outra eternidade. 

As lições finalmente haviam acabado e subi pro quarto após trocar algumas palavras com Vivian. Ela me disse que precisava contatar algumas pessoas sobre a festa, mas sozinha.

Treinei por poucas horas antes de parar pra refletir sobre a conversa da noite anterior. 

Conversamos um pouco sobre mercados mágicos, sobre o grupo que foi exterminado um tempo atrás, e algumas dicas de magia.

Vivian não tinha me dado muitas respostas, suspeitei que ela estava segurando informações de propósito. Já o motivo pra isso eu desconhecia.

O que aprendi foi que essa cidade possuía sim um mercado mágico, mas ele ocorria apenas três vezes por ano.

Acontecia em épocas aleatórias e apenas magos selecionados tinham acesso às informações previamente. Por sorte, Vivian e todos que viviam na cidade das montanhas possuíam o acesso.

Ela me disse que aconteceria em poucos meses, mas só saberia o dia exato um tempo antes.

Já sobre o grupo exterminado, ela não disse muita coisa. Mencionou que era maior que o nosso, mas não sabia como a localização de seu esconderijo foi vazada.

Agora apenas me restava suspirar e esperar Vivian para me preparar pro evento.

Um tempo se passou e o sol já estava perto do horizonte. Estava treinando meu corpo nesse momento, por mais que o espaço fosse limitado.

Havia socado o ar tantas vezes que perdi a conta, por mais que eu só soubesse contar até cem. Roger me falou que isso era o suficiente quando me ensinou a contar números.

Mas isso se provou mentira quando percebi que meu treinamento facilmente superava esse número, desde flexões, abdominais, socos, e mais.

Lentamente suor começou a descer pelo meu corpo enquanto eu socava o ar em silêncio, no entanto, algo tirou minha concentração.

Meus instintos sentiram um incômodo, como se alguém estivesse me olhando. Rapidamente rodeei meu próprio corpo para olhar em todos os cantos do quarto.

Imediatamente percebi um par de olhos me encarando da janela. Não sabia como alguém poderia escalar ali, afinal era o segundo andar.

Só consegui ver do nariz pra cima, mas o que vi foi dois olhos castanhos, uma testa branca e cabelos castanhos pouco grisalhos, levemente recuados para trás.

Quando fiz contato visual com o par de olhos, o mesmo sumiu de vista ao descer para baixo.

Disparei em direção à janela, atravessando-a, indiferente aos cacos que voaram por todas as direções.

Presenciei um homem adulto em pé com um olhar surpreso, se preparando para correr. Vestia um manto marrom e sujo, um cachecol de mesma cor cobria a metade do seu rosto.

Girei meu próprio corpo e disparei para baixo ao usar a parede do andar como apoio. Isso foi em questão de segundos, o homem não parecia esperar isso.

Imediatamente me agarrei em seu pescoço e me coloquei em suas costas, apoiando minha adaga em sua garganta.

“Você tem cinco segundos pra me falar quem é.” Declarei em tom frio, exalando a autenticidade de minhas palavras.

“E-Espere!” Ele gritou enquanto se sacudia com intenção de me derrubar.

“Quatro.”

Minha adaga estava quase perfurando seu pescoço, mas minha audição melhorada percebeu uma porta se abrindo com força e risadas infantis abafadas.

‘Merda, escolheram a pior hora pra brincar.’ Reclamei em minha mente enquanto saía de cima do homem.

Eu não tinha sido imprudente de atacá-lo sem estudar o ambiente, por mais que eu só tenha feito isso no ar após pular da janela. 

Por sorte, não havia ninguém na área, nem mesmo uma janela aberta. Pelo menos até agora.

As crianças me olharam, mas apenas sorri de volta. Não poderia levantar suspeitas.

“Tá tudo bem?” O garoto mais velho perguntou enquanto alternava o olhar entre mim, os cacos de vidro no chão, e a janela quebrada acima.

“Sim, mas acho melhor você voltar para casa, escutei dizer que tem um monstro por perto.” Falei em um tom assustador propositalmente.

As duas crianças se apavoraram e entraram correndo para dentro de casa enquanto clamavam por seus pais.

Apenas tive a chance de suspirar quando olhei para trás e não vi ninguém. Já sabia que o homem tinha fugido, pois escutei seus passos se distanciando.

‘Isso vai ser um problema.’ Reclamei sozinho. ‘Seria ele o sequestrador?’

O homem já havia fugido e entrado em uma das ruas principais, mas isso não importava.

Eu marquei seu rosto, altura, e principalmente, seu cheiro. Se ele chegasse perto de mim, mesmo no meio de uma multidão de pessoas, eu o reconheceria na hora.

Mas eu notei algo peculiar em seu cheiro, e isso me incomodou. Um cheiro químico forte, parecido ou misturado com ferro, ou ferrugem.

O mesmo cheiro que senti no dono da loja de roupas. No entanto, a parte de seu rosto que consegui ver era completamente diferente do rosto do dono. Eram pessoas diferentes, isso me deixou pensativo.

‘Me perdoe, Vivian. Mas isso é pela missão.’ Declarei em minha mente após decidir meus próximos passos.

Eu tinha poucos dias para lidar com aquilo. Não tinha certeza se os dois realmente estavam ligados aos sequestros, mas era tudo que eu tinha.

Saltei e escalei até o quarto após me certificar de que não havia ninguém vendo. Sobre a janela quebrada, eu falaria que foi só um acidente.

Me sentei na cama e apenas esperei. Prestei atenção nos arredores o tempo todo, mas nada aconteceu até que Vivian chegou no anoitecer.

“Ah, Sirius! Comprei uns doces pra você no caminho, espero que goste de caramelo. Tem doce de leite também, mas é meu favorito…” Vivian murmurou ao entrar no quarto com um rosto feliz.

Apenas observei ela chegando e me dando uma cesta com alguns doces que nunca tinha visto na vida.

Agi normalmente e conversamos um pouco sobre a missão. Tomamos banho, separadamente é claro, recebi algumas dicas e fomos dormir após um tempo. Também expliquei para ela o acidente que causei na janela ao treinar magia. Recebi uma bronca, mas ela logo esqueceu sobre o assunto.

O brilho da lamparina se apagou antes de Vivian adormecer, restando apenas meus olhos amarelos encarando o teto por duas horas.

Me certifiquei que Vivian adormeceu completamente quando coloquei meu ouvido em suas costas para estudar seu batimento cardíaco.

Com isso, lentamente caminhei até a janela, logo antes de saltar por ela. Pousei no chão de terra da área atrás da taverna, que era como um grande beco.

Não havia ninguém ali. Apenas a brisa da noite e a luz do luar adicionava uma graça no ambiente.

Vesti meu capuz e iniciei meu trajeto até a loja de roupas. Tentei evitar as ruas principais, me movendo apenas pelos becos labirínticos de Furtel.

Isso encurtou o caminho e logo cheguei no meu destino. A loja de roupas possuía um segundo andar e uma parte de trás, que presumi ser onde o dono morava.

Rodeei o local enquanto estudava a área. Eu poderia estar invadindo a casa de um homem inocente, mas era meu dever ter certeza.

Por sorte encontrei uma janela aberta no segundo andar. Usei a força de minhas pernas para saltar e cravar minha adaga na madeira que contornava as pedras, antes de saltar novamente e entrar na casa.

Meus olhos amarelos não foram impedidos pela escuridão natural da noite, e encontrei um corredor, comigo em uma de suas pontas.

Havia uma porta em cada lado do corredor, e a porta no meu lado esquerdo estava levemente aberta.

Desci da janela com cuidado e caminhei até a porta, abrindo-a lentamente.

Me encontrei em um quarto com vários frascos, caldeirões e ferramentas. O odor químico de antes era extremamente forte ali.

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Olá, eu sou Kalel K. Dessuy!

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