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Capítulo 62 – A Melancolia De Um Bêbado

Alguns minutos se passaram até que Roger abriu os olhos para beber um gole de sua garrafa, quando me viu meditando na sua frente.

Se engasgou de susto, me fazendo abrir os olhos. “S-Sirius…” Tossiu olhando para baixo. “Como você está?” Perguntou para mim enquanto virava a garrafa.

“Bem, eu acho.” Murmurei ao parar de meditar. Caedes tremia de vez em quando ao ficar largada no sofá.

“O que é a mana pura? Por que nunca me falou sobre ela?” Questionei ao encará-lo nos olhos.

“Direto como sempre.” Zombou ao retomar sua bebedeira. “Apenas achei que não iria descobrir sobre sua existência tão cedo, nem que teria interesse nela.”
“E também por conta dos perigos.” Revelou com uma voz séria. 

“Que perigos?” Indaguei ao pensar nas possíveis consequências desse método.

“Você já deve ter uma ideia do que é para vir me perguntar, então sabe que para conseguir a mana pura você precisa tirar seu poder elemental.”

“Para conseguir fazer isso, o mago precisa filtrar a mana com as paredes de seu núcleo. Por exemplo, você chega perto de absorver um fio, mas usa as paredes de seu núcleo para manter o poder elemental do fio do lado de fora, absorvendo apenas sua forma mais pura.”

“O problema é que nosso núcleo é sensível, por mais que não pareça. Fazer isso irá danificar as paredes externas dele ao longo do tempo, o que pode causar ferimentos irreparáveis.”

“Existem alguns jeitos de minimizar os danos, mas eles sempre existirão.” Roger terminou de explicar com um gole final.

‘Isso não significa que com Caedes esse perigo se torna inexistente para mim? É uma baita vantagem.’ Pensei ao olhar para minha espada e lembrar da sua facilidade em devorar o poder elemental do fio prismático.

‘Sim, mestre.’ Confirmou em minha mente. 

Olhei para Roger e notei algo estranho. Aquele homem era um bêbado solitário, mas seu rosto parecia mais depressivo do que o normal.

“Aconteceu alguma coisa?” Tomei a iniciativa de perguntar. Normalmente não me importaria, mas os acontecimentos recentes me ensinaram que aquelas pessoas à minha volta eram importantes. Rugus Furtten me ensinou que eu tive sorte em conhecer magos tão amigáveis.

Seu rosto exibiu surpresa com minha pergunta. “… Não é nada. Apenas problemas pessoais, não precisa se preocupar. Só recebi uma carta de um pombo-correio com notícias ruins.” Declarou ao tentar beber um gole, mas percebendo que nada mais restava dentro da garrafa.

Ao invés do conteúdo ser derramado em sua garganta, lágrimas foram derramadas pelo seu rosto. “Mas que merda, Sirius…” Murmurou ao arremessar a garrafa na parede.

“Eu sou uma decepção como mago e como família…” Reclamou enquanto apoiava o rosto nas duas mãos.

Não consegui saber como exatamente reagir a isso. O homem que me deu moradia por um tempo, mas que mesmo assim éramos tão distantes, agiu daquela forma repentinamente.

“Pode me falar o que aconteceu?” Perguntei ao observar os cacos de vidro no chão.

“… Minha sobrinha faleceu. Ela era minha única família restante.” Revelou com a voz cansada. “Perdi minha mul-” quando estava prestes a revelar mais coisas pessoais, ele olhou para mim.

“Esqueça. Você já tem muito com o que se preocupar, garoto. Tenho certeza que as reclamações de um bêbado não tem valor algum.” Após falar isso, ele se levantou e subiu as escadas.

Sinceramente, Roger estava certo. Eu não me importava com seu passado ou problemas pessoais, já tinha muito com o que me preocupar.

Meu treinamento, meus instintos, pesadelos, demônios e deuses querendo me matar, o fato de que um dia o mundo seria invadido por exércitos demoníacos que viriam atrás de mim, a ansiedade em saber quem fui quinhentos anos atrás, a recuperação dos meus músculos e muito mais. 

E minha vingança contra deuses em um abismo esquecido, é claro.

Além da ferrugem de Caedes e minha magia irregular, tudo isso eram coisas que eu precisava correr atrás a todo segundo.

No entanto, eu sabia sair da zona de conforto e deixar de ser um egoísta vingativo e indiferente por pouco tempo.

Agarrei Caedes e subi as escadas pro segundo andar e bati na porta do quarto de Roger, mas não obtive respostas. A porta estava trancada, mas não me impediu.

Um simples chute arrombou a porta, revelando um odor horrível. O cheiro de álcool, vômito, urina e mofo tomava conta do ambiente.

Eu não era nenhum psicólogo ou sequer tinha qualquer conhecimento técnico sobre a psiquê humana comum, mas imediatamente soube que Roger precisava de ajuda. 

Ele estava deitado na cama, junto com várias garrafas quebradas.

Caminhei entre mais garrafas e soquei a janela antes de arrancar a cortina que escureceu o quarto. Raios solares iluminaram tudo e tornaram a cena menos depressiva quando o som do vidro sendo estilhaçado acordou o homem.

“O que está fazendo?” Indagou ao ficar sentado na cama e esfregar os olhos. “Agora meu quarto vai encher de mosquito à noite.”

“Você pode cobrir com magia.” Falei em tom indiferente ao me apoiar na parede e cruzar os braços. “Agora me diz que merda é essa?”

“Essa é uma das cenas mais patéticas que já vi.” Declarei friamente. “Me diga o motivo disso tudo, ou vou mostrar o quanto evoluí desde que cheguei aqui.”

Roger pareceu surpreso com meu tom ameaçador repentino, mas não se mostrou ofendido. Pelo contrário, sorriu com o meu jeito peculiar de repreensão.

“Vou arrumar depois. Só tô sem motivação ultimamente, minha cabeça tá só o caco.” Comentou timidamente ao pegar uma garrafa deitada na cama e olhá-la.

“Motivação? Pra quê?” Indaguei ao contar quantas garrafas estavam largadas.

Eu não estava fazendo aquilo unicamente por causa da sujeira no local. Isso nunca chegaria nem perto de conquistar importância entre minhas prioridades, meu discurso era para descobrir o cerne do problema e ajudar Roger do meu jeito.

“… Pra viver.” Disse com tom irônico, mas reconheci uma verdade óbvia no fundo.

Sua fala despertou sentimentos mistos em mim. Eu compreendia o homem, afinal a única motivação que me manteve firme por séculos foi a vingança.

E ainda era assim. Eu sentia curiosidade, até mesmo algo maior, como uma obrigação em descobrir quem eu fui, mas não era forte o suficiente para me manter vivo.

Porque a vida em meus olhos não era bela nem digna de ser apreciada apenas por ela existir. O anseio pela morte de seres tão enigmáticos quanto os deuses me movia, mas sem isso eu não era nada.

Um pequeno fruto do caos nasceu no fundo da minha mente quando um pensamento surgiu.

‘Se os deuses deixassem de existir, o que eu faria?’ Indaguei-me durante uma reflexão.

‘Pelo que eu viveria?’

‘Tudo que eu faço é por eles, no final.’

‘Sou uma marionete que amarrou as próprias cordas nas mãos deles.’

‘Eu sou-’ 

‘Mestre!’ A voz feminina de Caedes gritou em minha mente. ‘Por favor, não se perca em pensamentos que apenas te atrapalharão.’

‘A menor das hesitações pode ser a assassina da maior das determinações.’ Falou sabiamente. Seu tom quente e preocupado me deu um pouco de paz.

‘Você está certa.’ Pensei ao encarar o rosto confuso de Roger. 

Sentei na janela agora quebrada e encarei o homem. A brisa do vento diminuiu o odor forte no quarto, mas ainda era predominante.

Agora seria a sessão de terapia estilo eu mesmo.

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Olá, eu sou Kalel K. Dessuy!

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