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Capítulo 63 – Psiquê Corroída

“Você realmente quer fazer isso, Sirius? Ou Hark te pediu pra vir me ajudar?” Roger indagou ao se levantar da cama.

“Eu faço o que eu quero quando quero.” Respondi indiferentemente. “Apenas tô afim de ajudar um amigo.”

A amizade era um conceito estranho para mim. Roger me ajudou e eu ajudaria ele, então para mim isso nos tornava amigos.

“Essa é uma palavra que eu nunca esperei ouvir da sua boca.” Ele zombou ao se sentar novamente e apoiar o cotovelo no joelho.

“Está bem. Aceitarei a sua ajuda, por mais que eu não ache que minha situação é tão crítica.” Declarou com a voz cansada.

Arqueei a sobrancelha com sua fala. Se seu estado não era crítico, então não sabia o que era.

“Vai lá, me fale o que tá acontecendo dentro da sua cabeça.” Pedi ao articular as mãos.

O homem pareceu hesitar por vários segundos, mas suspirou quando mostrou entender que eu não sairia de lá até conseguir o que queria.

“… Não sei mais se sou digno de servir Hark e seu sonho. Todos aqui sofreram para despertar, mas sou o único que está vacilando em seguir em frente.” Começou seu discurso.

“Você é uma criança, mas mesmo assim é um mago com um potencial tão poderoso. Não quero imaginar a merda que teve que passar pra despertar, mas mesmo assim está seguindo seu caminho sem hesitar.”

‘Mal ele sabe que hesitei alguns minutos atrás.’ Pensei.

“Stella também. Vocês dois são magos jovens, mas tem mais maturidade que eu. Isso é patético.” Reclamou ao se comparar a nós.

“O álcool que me mantinha firme, mas agora nem isso está melhorando meus dias. Sinto que vou simplesmente mofar até a morte aqui.”

Eu sinceramente não conseguia entender aquele homem. Se algo te impede de seguir em frente, apenas elimine.

Se não for possível, encontre um jeito, ficando mais forte que aquilo que te impede.

Claro, essa era uma visão estreita do meu próprio caminho, mas não tinha o que fazer.

“O que te levou a esse ponto?” Finalmente perguntei.

“Pra falar a verdade, muitas coisas. Eu despertei aos trinta anos, quando voltei para casa e encontrei minha mulher e filha mortas.” Roger revelou com a voz triste e pesada.

“Depois disso foi só ladeira abaixo. Alguns magos tentaram me enganar, quase fui morto por postulados, fui exilado da minha cidade natal.”

“Até que encontrei Hark Levit. As chamas daquele homem me cativaram e me deram um objetivo, o sonho de derrubar a Coroa deste reino e acabarmos com a opressão que motiva aqueles que nos caçam.”

“Agora percebo que não sou capaz de acompanhá-lo nesse sonho. Esse papel pertence a pessoas como vocês, jovens determinados.” Terminou de falar em um tom cansado e arrependido.

Bati meu dedo indicador no meu ombro ao cruzar os braços e pensar no que dizer.

“Tá de sacanagem?” Finalmente falei, indignado. Roger ficou surpreso com meu tom repentino.

“Você pode ser um bêbado, sujo, preguiçoso, vagabundo e um mago que só vi treinar uma vez em dois anos.” Listei seus defeitos sem piedade.

“Mas essas são coisas perdoáveis. Você se martirizar e usar seu estado mental como desculpa para ser um inútil não é.”

Não me importava se minhas palavras afiadas o machucassem. Eu o ajudaria do meu jeito.

“Eu soube que você é um mago incrível quando te vi meditar. Pode ter certeza que se a mana tivesse consciência, ela sentiria nojo de reagir tão animadamente a um homem incapaz de sentir gratidão por ela.”

“Mas eu sinto gratidão por ela!” Roger refutou, mas não me abstive de dizer minha opinião.

“Se você realmente sentisse, iria seguir em frente sem hesitar. Você tem o maior dom do mundo, é capaz de manipular uma energia que se opõe aos próprios deuses!”

“E se você fosse uma pessoa comum? Um plebeu incapaz de reagir às adversidades do mundo. Iria viver uma vida medíocre, destinado a envelhecer e morrer sem conhecer as maravilhas da mana.”

“Mas eles não são caçados pelo próprio reino.” Tentou refutar de novo, mas não afetou minha confiança em meu argumento.

“Então siga em frente para derrubar esse reino que te caça.” Declarei ao apontar o dedo para ele. 

“Mas essa é a parte difícil.” Reclamou com um sorriso de canto.

“Óbvio que é. A liberdade nunca irá vir de graça.” Falei ao lembrar da minha busca por ela durante aquela época infernal.

Roger suspirou em desistência. 

“Acho que você está certo. Pelo menos eu posso resolver meus problemas se me esforçar.” Disse ao deitar para trás na cama e cobrir os olhos com um braço.

Um silêncio se seguiu. “Pense no que sua mulher e filha pensariam ao observar você nesse estado. Elas já morreram, então não faça-as sofrer mais ainda ao ver seu pai e marido afogando-se na própria miséria.”

Por mais que eu fosse uma prova-viva de que a morte não necessariamente era o fim, não tinha uma opinião formada sobre a vida após a morte. Para mim, meu caso era uma exceção, mas eu não precisava acreditar em minhas próprias palavras se isso animasse Roger.

Roger ficou completamente quieto após minhas palavras.

“Como eu pude ser tão idiota?” Indagou-se ao tirar o braço de cima do rosto e olhar para o teto.

“Já falhei em mantê-las felizes enquanto vivas, agora estou falhando nisso depois de mortas.” Declarou ao manter o olhar para cima.

“Obrigado, Sirius. Você abriu meus olhos.” Agradeceu ao levantar da cama. “Agora seguirei em frente cada dia sabendo que elas estão me observando. Não entendo como eu nunca percebi isso antes.”

“Não é sua culpa. A dor pode nos cegar às vezes.” Murmurei ao notar o homem pegando várias garrafas. 

“Posso te pedir ajuda em uma última coisa?” Pediu ao arremessar uma garrafa em minhas mãos. 

Assenti com um sorriso e ajudei o homem a limpar seu quarto durante quase uma hora. Usamos magia para facilitar o trabalho.

“Você realmente é diferente das outras crianças magas que conheci.” Falou ao limpar o suor com o antebraço.

“Por quê?” Indaguei, mesmo tendo uma noção do motivo.

“Não sei colocar em palavras. Você passa um ar de como fosse só um espectador, indiferente a tudo que não seja seu objetivo.”

“Eu não acabei de te ajudar?” Refutei ao arremessar a última garrafa pela janela. 

“Sim, e eu sou grato por isso. Mas algo me diz que você nem olharia para minha cara se isso não lhe beneficiasse.”

Roger estava certo em partes, provavelmente, mas não falei mais nada. 

No entanto, anotei isso no fundo da minha mente. Não seria muito bom se eu exalasse minhas intenções daquela forma.

Me despedi do homem e parti até minha caverna na montanha. Era hora de me isolar por um tempo em meu treinamento para tentar recuperar minha força perdida.

Infelizmente para mim, Stella estava lá novamente, mas notei algo estranho. Ela estava deitada e inconsciente.

Andei em sua direção e percebi o suor encharcando seu corpo inteiro. A garota estava usando o manto preto habitual, mas o tecido das pernas e dos braços estavam cortados.

Dei uns tapinhas em seu rosto para acordá-la, mas ela demorou alguns minutos para despertar.

“O que está fazendo aqui?” Questionei ao notar sua respiração instável.

A garota parecia um pouco tímida, mas não me importei. 

“Treinando.” Respondeu, desviando o olhar.

“ E precisa ser aqui?” Indaguei ao pensar na área imensa que as montanhas ocupavam.

“É porque eu… Queria que…” Stella quase nem conseguiu falar de tanto que hesitou.

A garota suspirou e finalmente terminou sua fala.

“Queria que me ajudasse a treinar meu corpo…”

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