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Capítulo 77 – Início Da Nossa Jornada

“Então a culpa foi minha.” Murmurei ao ser dilacerado por um demônio sem face que me alcançou durante minha queda.

“Meu poder deu brecha pros deuses revelarem minha localização diretamente para os campeões…”

“Eles já estavam de olho na região por causa do que aconteceu em Furtel…”

“Eu fui o culpado.”

“E mesmo assim fugi, ao invés de ajudar todos, que inclusive se sacrificaram por mim.”

Como uma finalização dramática para minhas palavras melancólicas, fui completamente devorado de um segundo para o outro.

Todos meus pesadelos eram assim. Eu matava e era morto por demônios em abismos sem luz, terras áridas e cinzas e montanhas que tocavam o céu escuro.

Hordas imaginárias me perseguiam até que eu acordasse do delírio agonizante. Era uma tortura, por mais que eu já houvesse me acostumado.

“Ei.” Chamei enquanto retirava um monte de areia cinza de cima do meu corpo. Sempre que eu morria em um sonho, acordava intacto em algum lugar aleatório nas planícies sombrias que lembravam o inferno que sobrevivi por séculos.

Os demônios ainda não haviam chegado, então aproveitei para testar algo. “Apareçam.” Ordenei, encarando um ponto na areia.

“Este lugar não suporta nossos corpos, senhor.” Um sibilo serpentino explicou no fundo da minha mente. “O local que você chama de mar da consciência é nosso único lar e onde nossa forma é estruturada.” 

Suspirei de decepção, afinal estava torcendo para ser capaz de invocar as personificações dos meus instintos em meus sonhos.

Seria muito útil e conveniente ter aquelas figuras de centenas de metros matando todos os demônios por mim, mas não tinha o que fazer.

Ou tinha.

Mas quando comecei a iniciar um raciocínio lógico de como dar mais utilidade para meus instintos, o sol me acordou.

Como complemento, um grito tirou todo meu sono restante. Era Stella, mas não havia nada perigoso acontecendo, aparentemente.

“Maria!” Ela gritou enquanto tentava agarrar o ar e chorava, ainda desacordada.

“Acorde.” Falei perto de seu rosto, dando tapinhas em sua bochecha. Sua pele branca ficou rosada com os tapas, por mais que tenham sido fracos.

“…Sirius?” Stella indagou ao esfregar as têmporas e limpar suas lágrimas, antes de começar a chorar novamente, me abraçando. “Eu estou com medo.”

Devolvi o aperto em silêncio. Nossa situação era desesperadora, seu temor era compreensível.

“Quem é Maria?” Perguntei, me virando para baixo e encontrando seus olhos prateados tristes.

“Uma amiga de infância…” Murmurou, hesitando. Estava claro que ela não estava sendo honesta, mas não tinha problema.

Meu passado era complicado e o dela também parecia ser.

‘Projeto infame.’ Lembrei das palavras de Sebastian antes de ele tentar atacar Stella. Não sabia o que aquilo significava, mas com certeza era importante.

“Está tudo bem contigo?” Questionei a ajudá-la a se levantar, tomando bastante cuidado. Era nesses momentos que eu percebia a diferença de tratamento e como, por algum motivo, eu me importava tanto com aquela garota.

“Sim, eu acho…” Respondeu ao aceitar minha ajuda e ficar em pé, mas seu manto acabou caindo. No entanto, fui veloz em pegá-lo no ar e devolvê-lo para que Stella não ficasse nua em minha frente.

“Que cavalheiro.” Ela falou enquanto ria timidamente e ia para trás da estrutura redonda que criei. Alguns segundos depois ela retornou, devidamente vestida. 

As costas do manto ainda estavam rasgadas e queimadas, mas não tinha o que fazer.

“E agora?” Ela indagou, olhando em volta. Não havia nada além de árvores e grama.

“Devemos procurar Rosent primeiro, o problema é como.” Respondi ao andar até uma árvore próxima e escalar seu tronco.

Meus instintos há muito já funcionavam como uma bússola, mas saber a direção não adiantava de nada caso não tivéssemos nenhuma referência.

Minha visão superior me permitiu ver quilômetros de distância, mas não havia nada além de uma floresta se estendendo para o horizonte em todos os lados.

‘A essa altura a luta já deve ter acabado.’ Pensei ao descer da árvore com um pulo, onde Stella me esperava com as mãos juntas.

No entanto, quando atingi o chão, uma dor nas laterais do meu torso me atrapalhou. Eram as queimaduras roxas daquele campeão.

“Sirius!” Ela gritou ao se aproximar e me ajudar, no entanto, não aceitei sua ajuda e me levantei sozinho.

“Hmf, você não precisa se fazer de forte o tempo todo, sabia?” Ela declarou ao passar as mãos pelos meus ferimentos.

“Nós estamos nessa situação porque eu fui fraco por um único momento.” Respondi ao tirar sua mão e me apoiar em uma árvore. “Não posso cometer esse erro de novo, não cuidando de você.”

“Cuidando? Eu não sou um bebê.” Stella respondeu ao cruzar os braços. “Pare de se cobrar tanto, por favor. Eu sei que você está preocupado e é natural querer me proteger, mas me permita te ajudar, okay?”

Meu coração palpitou um pouco nessa hora. Talvez por ter alguém que me entendesse e mesmo assim me aceitasse, não tenho certeza.

Não falei nada sobre isso, apenas desviei o olhar e então caminhei até ela. 

“Temos duas opções.” Falei para minha companheira. “Ir para o norte que é nosso destino, mas a chance de não encontrarmos nada é grande, afinal existem poucas cidades próximas uma da outra nessa região de acordo com o mapa do reino. A outra opção é irmos para o lado oposto e termos uma chance maior de achar informações sobre Rosent, mas isso pode custar muito tempo.”

Stella ficou em silêncio por alguns segundos, mas logo revelou sua opinião.

“Você quem sabe, eu confio em você.” Respondeu com um sorriso. “Eu morava na capital, no centro do reino, nunca fui para o norte.”

Pensei um pouco em suas palavras, mas logo assenti. Tomei a decisão de apostar arriscadamente e ir direto para o norte.

Deve ter sido a ansiedade me influenciando, afinal a ideia de perder semanas ou meses apenas para encontrar uma cidade e depois ter que voltar tudo me assustou.

Entretanto, a ideia de chegar na costa norte do reino e ver apenas o mar era igualmente assustadora.

Começamos a caminhar para onde meus instintos afirmavam ser o norte. 

Passamos por uma infinitude de árvores, caçamos animais selvagens para comer e conversamos sobre muitos assuntos.

“Como é a capital?” Indaguei antes de mastigar um pedaço de perna de coelho. O fogo estalava entre nós e uma caverna iluminada pela magia de Stella nos protegia da noite.

“Eu não lembro muito bem. Disse que morava na capital, mas não era exatamente dentro dela, mas eu já visitei ela algumas vezes, por mais que nunca tenha andado nas ruas.”

“Eu era bem pequena na época, mas a sensação ainda é vívida na memória. É completamente diferente de Furtel ou qualquer lugar. Há edifícios gigantes, campos militares em todo canto, academias e escolas postuladas competindo em campeonatos.”

“Mas por mais que fosse bonita, eu não gostava de lá. Era sufocante.” Stella explicou ao terminar de comer e então rastejar pelo lado da fogueira e deitar no meu ombro.

“Boa noite, Sirius. Boa noite Vivian, Roger, Hark, Trevor, Amanda, Lívia e todos os outros. Espero que estejam bem.” A garota se despediu ao bocejar.

Engoli seco quando ela citou Amanda, parecia que Stella não tinha ciência do que havia acontecido. Mas decidi que era melhor ela não saber.

Assim se iniciou nossa jornada, que mesmo com a companhia de um do outro e uma espada flutuante, foi solitária.

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Olá, eu sou Kalel K. Dessuy!

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