Me afoguei nos estudos e análises do meu núcleo a noite inteira. Stella já havia me dado boa noite e ido dormir, mas continuei apoiado na árvore enquanto estudava a esfera escura e etérea atrás dos meus olhos.
Quanto mais fundo eu olhava, mais espaços apareciam de maneira exponencial. Eu não consegui descobrir o limite de energia irregular que meu núcleo poderia guardar.
Tentei a todo custo encontrar um jeito de fazer a mana pura ocupar o mesmo lugar da minha energia da morte e caos, mas não consegui.
Parecia que aqueles pequenos espaços foram criados apenas por um único propósito, ser o lar da minha energia irregular.
Nem mesmo uma energia feita de absolutamente nada tinha lugar lá.
No entanto, não havia desistido, por mais que já tivesse amanhecido. Retomamos nossa viagem após eu acordar Stella e reunir os cobertores e suprimentos.
Os magos do Exército Prismático ainda apareciam na minha mente de tempos em tempos. Não consegui me despedir de quase ninguém e a dúvida sobre aquela explosão ainda me afligia.
Observar a floresta dourada do outono ajudou a clarear um pouco minha mente. Era mais frio que o verão, mas nada comparado ao inverno que ainda estava por vir.
Nossa viagem foi uma experiência nova e interessante. Nossa rotina permaneceu igual por cerca de oito dias. Durante esse período, Stella pareceu triste e distante. Eu queria apoiá-la, mas não sabia como.
De manhã viajamos com Penumbra, fazendo poucas e curtas pausas durante a tarde e descansando a noite inteira.
Eu caçava e Stella acompanhava a total recuperação de Penumbra durante as pausas, além de conversarmos por vários minutos ao redor do fogo.
Nossa relação se tornou extremamente próxima no início dessa jornada. Stella se apoiava e confiava completamente em mim, e sinceramente, eu também.
Ela me aceitou mesmo sabendo do monstro que eu era. Ela não fez perguntas nem tocou no assunto do massacre de Vonlet, por mais que fosse óbvio o que eu fiz.
Aquela garota entendia meu desespero por força, sabia o quanto eu estava disposto para alcançar minha vingança, não julgava minha personalidade fria e distante.
Ela era simplesmente a pessoa que eu mais precisava naquele mundo, mesmo que ainda não soubéssemos nada sobre um e o outro.
Eu ainda não havia revelado minha verdadeira natureza. De como eu tinha mais de quinhentos anos, sobre minha jornada para descobrir quem eu era.
No entanto, eu precisava revelar algo.
Ela precisava saber sobre o perigo que passava ao me acompanhar. Os demônios que poderiam aparecer a qualquer momento, os deuses que espreitavam e ansiavam por uma chance de revelar nossa localização para os campeões. Tudo isso era algo que Stella precisava saber.
Mas enquanto eu pensava sobre esse assunto, algo aconteceu. Uma carroça coberta passou por nós e poucos segundos depois ela parou.
Um cavalo relinchou quando um homem desceu da carroça e nos olhou. Meus instintos se aguçaram e apertei Caedes, me preparando para qualquer coisa quando mandei Stella parar.
Um silêncio se seguiu por alguns segundos. Ninguém mais desceu da carroça, por mais que eu escutasse batimentos cardíacos por trás do tecido que cobria a parte de trás do veículo.
A lona que cobria muitas carroças geralmente era aberta atrás para o descarregamento dos itens, mas a desta carroça em específica era completamente fechada, me impedindo de ver seu interior.
O homem nos encarou e o clima ficou pesado. Ele tinha os ombros largos e era alto, pele parda, um cabelo castanho curto e várias cicatrizes sobre suas feições masculinas.
Ele vestia uma armadura de couro larga e uma espada em sua cintura. Sua fisiologia me passou a sensação de uma experiência clara em batalha.
Quanto notei esses detalhes, desci de Penumbra com Caedes em minha mão enquanto encarava o homem.
“Vocês…” De repente falou com uma voz profunda. Me preparei para qualquer ataque e iniciei o emaranhado de vários feitiços diferentes.
O ambiente ficou mais pesado ainda. Ele percebeu a força que eu apliquei ao empunhar Caedes e a determinação que refletiu no meu olhar.
“… Estão perdidos também?” Perguntou, coçando o nariz. Nem eu ou Stella falamos algo, apenas trocamos um olhar significativo.
“Hein?” Murmurou, olhando ao redor.
Suspirei e apoiei Caedes no meu ombro. “Não.” Simplesmente falei, analisando sua carroça e olhar.
“Porra, agora que eu percebi, vocês são crianças. Onde estão seus pais?” Questionou ao arregalar os olhos.
‘Só percebeu isso agora?’
“E qual aspecto desse fato é de seu interesse?” Refutei secamente. Eu não queria um estranho fazendo perguntas desnecessárias.
As sobrancelhas do homem franziram “Calma, calma. Só queria saber se vocês passaram por alguma vila no caminho. Tô na estrada faz dias e simplesmente não achei Resguard, fui assaltado um tempo atrás e roubaram meu mapa.” O homem explicou com um sorriso forçado.
Meus instintos não confiaram nele, algumas personificações primordiais gritaram no fundo da minha mente.
‘Ele não parece do tipo que seria assaltado sem se defender.’ Comentei mentalmente.
“Você passou por Resguard faz uns cinco dias.” Revelei enquanto abria nosso mapa e apontava para uma cidade específica.
O rosto do homem se tornou desolado e ele tampou a cara com a mão. “Merda. Devo ter desviado da estrada principal sem querer.”
“Muito obrigado, crianças.” Agradeceu, coçando o nariz.
Assenti e subi em Penumbra, sinalizando para Stella começar a nos mover.
“Esperem!” O homem gritou quando estávamos nos afastando. Suspirei e pedi novamente para a garota parar.
“Que foi?” Indaguei sem descer da égua.
“Por acaso, vocês também estão indo para Resguard?” Perguntou com um sorriso. “O que acham de viajarmos juntos até lá?”
“Não.” Recusei imediatamente enquanto tocava no ombro de Stella para ela retomar a viagem. Eu não preciso nem dizer o porquê neguei o pedido dele.
No entanto, quando estávamos prestes a nos afastar, um choro ecoou pela estrada. Era abafado, mas não causado pela dor.
Era um choro infantil e meus instintos entenderam sua causa.
‘Fome.’ Pensei ao me concentrar no choro. No momento que o homem também escutou, ele correu para trás da carroça e abriu a lona.
Isso nos revelou duas figuras inesperadas. Uma mulher jovem e bonita de cabelos pretos e pele branca, segurando um bebê esperneando envolto em um pano.
“Amor…” A mulher murmurou. O homem ficou entre nós, então não consegui enxergar sua expressão. “Está tudo bem, ele só está com fome.”
Os dois trocaram algumas palavras e eu notei a preocupação genuína no tom dele.
Continuamos observando o casal estranho, mas no momento que ele se afastou para fechar a lona que cobria a carroça, percebi um ferimento profundo na perna da mulher, que vestia um vestido marrom simples.
Aquela situação por um todo era esquisita, mas não me importei e tentamos ir embora.
“Parem aí.” Novamente nos impediu. Isso já havia se tornado um incômodo.
Olhei para trás enquanto franzia as sobrancelhas, mas apenas encontrei o homem ajoelhado. “Por favor, me deem esse mapa. Eu preciso levar minha família para Resguard.” Pediu, levantando o rosto com uma expressão determinada.
Pouco me importava ele e sua família, eu nunca abriria mão do nosso mapa, não por um preço baixo.
“Não irei lhe entregar o mapa.” Declarei sem hesitar e a expressão do homem refletiu a mais pura decepção.
Um silêncio se seguiu e a vontade de ir embora aumentou, mas suas palavras seguintes chamaram minha atenção.
“Eu tenho alguns contatos em Resguard, se vocês nos ajudarem eu prometo uma recompensa.” Declarou ao se levantar e apertar o punho, desviando o olhar para a carroça.
‘Tem contatos em uma cidade que nem sabe chegar?’ Pensei ao analisar suas palavras, mas imaginei contextos que isso poderia fazer sentido.
“Que tipo de recompensa?” Ansiei por algo valioso.
“Dinheiro ou qualquer coisa que eu puder servir como mediador.” Revelou com determinação, e eu não consegui evitar sorrir um pouco.
