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Capítulo 89 – Casal Misterioso

“Então seu nome é Rick e sua esposa Chloe, e seu filho?” Stella falou enquanto olhava para o lado. Estávamos acompanhando o casal que encontramos até que chegássemos em Resguard.

Tivemos que atrasar um pouco a velocidade para igualarmos o ritmo. No começo, Penumbra interagiu com o cavalo que levava a carroça do casal, mas bufou e se afastou.

“Nosso pequeno se chama Vic.” Chloe respondeu com um sorriso. Ela agora estava na parte da frente do veículo, segurando firmemente seu bebê.

Permaneci em silêncio praticamente o dia inteiro. Eu não me sentia confortável naquela situação, pois achei tudo muito estranho.

Os furos nas explicações de Rick, o ferimento de Chloe, que inclusive consegui analisar de longe e presumi ter sido causado por uma flecha, os desvios de assunto todas as vezes que Stella fazia alguma pergunta sobre a origem do casal.

Meus instintos perceberam tudo isso, mas não falei nada. Apenas mantive minha guarda alta e prestei atenção em tudo.

No final todos éramos estranhos, e com certeza eu e Stella parecíamos mais suspeitos ainda, era normal nenhum lado expor qualquer detalhe pessoal.

O momento mais interessante foi de noite, quando acampamos para descansar os cavalos e dormirmos. Estávamos todos ao redor de uma fogueira, alguns metros longe da estrada.

Não treinei nem meditei enquanto o casal estava por perto. Apenas observei o cenário em cima de uma árvore, deitado despreocupadamente em um galho, olhando Stella dialogar com os dois.

Ela era o total oposto de mim. Sua sociabilidade, carisma e beleza cativavam qualquer estranho que conhecíamos, uma habilidade bem poderosa e útil na nossa situação.

Minha força não servia muito quando eu não podia mostrá-la, como nesse caso. Eu realmente não queria que os dois descobrissem nosso status como magos.

Deixar um bebê sem os pais era algo que até mesmo eu hesitaria em fazer.

Por isso que continuei em silêncio, como um espectador. Não queria agir de maneira estranha e nos tornar mais suspeitos ainda, preferia confiar em Stella para enganar os dois.

Ela contou a mesma história falsa que inventou para Frank e Quiara. Para Rick e Chloe, éramos Ethan e Emy, irmãos atirados em uma jornada perigosa com o intuito de provarmos nossa força para nosso pai, um capitão postulado.

Já a história que o casal nos contou não era tão absurda. Rick era um mercenário aposentado e sua esposa uma vendedora de perfumes.

De acordo com os dois, eles estavam buscando uma nova vida em Resguard após passarem por alguns problemas em sua cidade natal.

Seu passado como mercenário explicava as cicatrizes e aura experiente em combate.

“Ou, garoto!” Rick gritou ao olhar para cima do outro lado da fogueira. Abri apenas um olho e o encarei, antes de fechar novamente.

“Sua irmã me contou que você é bom com a espada, é verdade?” Perguntou ao beber de uma caneca de cerveja.

O casal trazia algumas garrafas no fundo da carroça e Rick não hesitou em beber um pouco em nossos descansos.

“Sou bom o suficiente.” Respondi sem abrir minhas pálpebras. Eu ainda permanecia deitado em um galho na árvore de maneira distante de todos ali.

Caedes estava caída sobre meu peito, apontando para a direção da fogueira.

Rick riu e Chloe tentou acalmá-lo e o obrigar a fazer silêncio, pois Vic dormia do lado deles em um pequeno cobertor.

“Vamos lutar?” Ofereceu uma ideia interessante em um tom baixo.

Levantei uma sobrancelha ao escutar sua oferta. Na minha mente, havia aceitado imediatamente, mas por outros motivos. Eu queria saber o nível da sua habilidade para prever qualquer tipo de ação violenta que ele poderia tomar contra eu e Stella.

Suspirei quando ajeitei minha postura e caí de cima da árvore sobre minhas duas pernas. Me levantei lentamente e subi meu olhar até encontrar o do homem.

“Que tipo de luta?” Indaguei ao apoiar Caedes no meu ombro.

“Uma luta de esgrima.” Revelou ao dar a volta pela fogueira e se encontrar próximo a mim. “Mas com gravetos.”

“Gravetos?” Repeti com dúvida, não entendendo sua ideia.

“Sim, seria ridículo eu lutar contra uma criança usando uma espada de verdade. Afinal isso tudo não passa de uma brincadeira.” Rick falou, sorrindo.

Suspirei e encarei as costas do homem enquanto ele se abaixava e procurava alguns galhos. Não fazia sentido eu lutar com ele se não fosse para testar suas habilidades, e uma luta com gravetos não me daria muitas respostas.

“Tá de sacanagem?” Declarei ao Stella me arremessar uma garrafa de cerveja depois que sinalizei para que o fizesse.

“Todos que me trataram como uma criança morreram. Saque sua lâmina.” Bebi vários goles do líquido alcoólico e soltei a garrafa vazia no chão, antes de sorrir.

O homem pareceu surpreso, mas copiou minha expressão depois de alguns segundos. “Está bem.”

A fogueira iluminava o ambiente por vários metros, então conseguimos nos distanciar um pouco. Ainda conseguíamos enxergar as mulheres de onde estávamos.

Paramos um na frente do outro, com dez passos de distância entre nós. 

A postura de Rick era desleixada, consegui enxergar inúmeras aberturas e falhas que poderiam custar sua vida em uma batalha, o que contrastava com a experiência que sua aura refletia.

Só havia uma resposta. Ele estava se segurando, o que era algo que não poderia culpá-lo, afinal seu oponente era uma criança esquisita com uma espada enferrujada.

“Não vamos alongar muito isso. Vence aquele que colocar o adversário em uma posição vulnerável.” Declarou ao pisar em um galho, quebrando-o e iniciando a luta.

Nos primeiros segundos não aconteceu nada. Permanecemos no mesmo lugar, observando as ações um do outro.

O fogo iluminava nosso lado esquerdo, enquanto no direito apenas havia uma escuridão angustiante de uma floresta solitária.

Rick bocejou e mudou sua postura. Ele ajeitou sua espada no centro do seu torso, apontada para mim, enquanto fechava um pouco suas pernas e abria ligeiramente os braços em duas direções diferentes.

Não parecia tão impressionante até eu notar que não havia aberturas. Não importava de qual jeito eu tentasse me aproximar, sua postura era resoluta.

Apenas me restava esperar que alguma abertura surgisse quando ele me atacasse, pois não havia como eu tomar a primeira ação.

Felizmente, Rick fez o que eu precisava e avançou até mim. Sua velocidade não era surpreendente, por mais que ele provavelmente estivesse se controlando até nisso.

Já que era uma luta de esgrima, eu não poderia desviar para os lados ou me afastar e usar minha mobilidade para atacá-lo de uma direção surpresa.

Aquilo era um teste da minha maestria com a lâmina e eu não me importei em testá-la.

O homem avançou com sua lâmina, investindo em direção ao meu rosto. Contudo, agi rapidamente ao mover Caedes, habilmente desviando o ataque com um corte vertical preciso.

Rick recuou um passo, determinado a repetir seu movimento. Desta vez, empreguei a guarda da minha espada para desviar sua investida, cravando sua lâmina no solo. 

Num ágil giro, meu corpo contornou seu braço, ameaçando cortar seu pescoço.

No entanto, ele reagiu com destreza, socando meu braço para desfazer meu ataque, seguido por um poderoso chute que me lançou para longe.

Me levantei imediatamente e corri em sua direção. A expressão do homem se mostrou surpresa com minha agilidade, mas logo retomou seu sorriso.

Rick era alto, tinha quase um metro e noventa centímetros, e eu menos de um metro e sessenta. Ele ainda vestia uma armadura de couro.

Parecia quase impossível me imaginar colocando-o em uma posição vulnerável sem usar magia ou a habilidade especial de Caedes, mas eu estava confiante.

Minha habilidade com a espada não era bela, elegante ou delicada. Meu estilo de luta foi refinado por séculos para se tornar o reflexo da brutalidade que sempre usei para matar meus inimigos.

Ele provavelmente perderia para um estilo de esgrima verdadeiramente técnico, como o estilo que Rick usava, mas ainda assim era meu, criado por mim e para mim.

Eu ainda não podia demonstrar seu potencial inteiro por conta do meu corpo pequeno e fraco, mas não tinha problema.

O som do metal colidindo ecoou pela área. Nossas espadas refletiram os ataques uma da outra por vários minutos, até que a paciência do homem pareceu acabar.

Ele usou o pomo de sua espada para acertar a lateral da minha cabeça após uma finta calculada e perfeita. 

Não foi muito eficaz nos primeiros segundos, até que senti meu corpo ficando rígido. Escutei um som agudo que me desconcentrou.

Meus instintos afirmaram que ele atacou uma parte específica do meu crânio para causar aquilo. Meu coração se acelerou e pensei estar ficando sem ar, mas me acalmei.

A luta continuou por vários minutos. Infelizmente, comecei a me cansar rapidamente e cometer vários erros após seu ataque estranho.

Eu cambaleei algumas vezes e isso me apressou. Eu precisava terminar a luta logo senão perderia. Coloquei Caedes na minha mão esquerda e deixei a direita vazia antes de correr até Rick.

Um golpe rápido visou o peito de Rick, e ele agiu de imediato para se defender, inclinando sua lâmina. No entanto, durante a queda, alterei a trajetória de Caedes e, com firmeza, segurei seu cabo com minha mão direita. Isso transformou seu ataque, inicialmente vertical, em um movimento diagonal, resultando em um corte preciso que se estendeu da barriga até a cintura.

Sorri quando olhei para cima, mas minha expressão se tornou fria quando percebi que sua lâmina estava a alguns centímetros do meu pescoço.

“Você teria me machucado… Mas morreria.” O homem anunciou ao embainhar sua espada e recuar. Minha cabeça ainda doía, então sentei na grama.

“Que merda você fez antes? No meu crânio.” Indaguei ao esfregar as têmporas.

“Foi um truque simples. Apenas te causei uma pequena concussão, ela vai sarar em pouco tempo.” Respondeu ao se aproximar e oferecer ajuda para me levantar.

“Mas puta que pariu hein, moleque? Foi quase um empate, e olha que provavelmente tenho o triplo da sua idade. Você é bem melhor que eu quando iniciei meu treinamento.” Falou quando aceitei seu apoio e fiquei em pé.

“Isso me traz boas lembranças.” Comentou ao caminhar até a fogueira, onde foi recebido com a repreensão de Chloe.

Stella me olhou com um sorriso quando me aproximei.

“Você lutou bem.” Tentou me confortar, mas não falei nada. Voltei para minha árvore e deitei no mesmo galho, mas desta vez virado para a escuridão da floresta.

Minha guarda permanecia alta o tempo inteiro. Eu nunca sabia quando um demônio poderia aparecer, então cheguei ao ponto de quase dormir de olhos abertos.

O início do meu sono era representado pela minha entrada no abismo imaginário todas as noites, mas não me incomodei. 

Voltei a estudar a anatomia dos demônios que me atacavam em hordas, o que provou ser um ótimo passatempo até que meus instintos me acordassem logo cedo.

Entretanto, dessa vez eles não foram necessários, afinal o choro de Vic me despertou. Abri meus olhos rapidamente e me virei, assustado, para onde todos estavam na fogueira.

Não parecia ter acontecido nada extremo, afinal Stella e Rick ainda dormiam, apenas Chloe e Vic estavam acordados.

A mulher estava parcialmente nua, amamentando o bebê enquanto o acariciava.

Foi minha primeira vez vendo algo assim, e uma sensação familiar e irritante surgiu dentro de mim.

Era um sentimento tanto meu quanto do meu eu antigo.

Ver aquele bebê sendo alimentado pela mãe, protegido por seus braços frágeis de todo o mundo ao redor.

Isso foi algo que nunca experienciei, então só me restava admirar aquilo que nunca tive.

‘Inveja de um bebê? É sério isso?’ Pensei ao me virar para a floresta. As folhas laranjas do outono voavam graças à brisa da manhã, o que me distraiu.

‘Seus sentimentos são compreensíveis, mestre. Você nunca teve uma fam-’ Caedes tentou me confortar, mas eu não quis ouvir suas palavras.

“Cale-se.” Murmurei ao descer da árvore e andar até a floresta. Apenas comer carne poderia melhorar meu humor.

Na noite anterior eu havia sofrido uma derrota e de manhã tive um conflito com minhas próprias emoções, eu só queria matar algo.

No entanto, parei de pensar em tudo isso quando escutei o som de um veículo após me aproximar da estrada.

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Olá, eu sou Kalel K. Dessuy!

Nesse mês de janeiro postarei menos capítulos, mas em fevereiro e adiante voltarei com a frequência diária.

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