Yoshiyuki pensou que quando um espírito se encontra perturbado…
“Ele precisa passar por um longo processo de harmonia.”
Como havia aprendido com a sua mestra…
“Decidi vir a um lugar isolado. Nada melhor do que uma montanha.”
— Eu estou perturbado. Tenho sonhos esquisitos todos os dias. E quando uso meu Past Recording…
Certas memórias se confundem com sonhos que teve. Sonhos não, pesadelos.
— É quase como se os meus pesadelos quisessem assumir o lugar de algumas memórias. E umas bem específicas.
Falava das que envolviam Alter Athena, principalmente a do assassinato.
— Certo, certo…
Sua respiração se acalmou. Sentiu o ar penetrar as narinas, e dançar nos pulmões. Fez isso por minutos.
“Concentre-se no ambiente…”
Sasah!
“Algo se moveu entre os arbustos…”
Crick, tuh, tuh, tuh…
“Um galho foi quebrado, e algum animal está caminhando há dez metros de mim. Pelo som…”
Deduziu que era um alce.
Duas horas se passaram, e aparentemente o sol já era um tanto visível. Ele abriu os olhos, vendo que, há sua frente, um alce comia as folhas de um arbusto.
— Heh, parece que eu estava certo — murmurou. — Agora…
Fuuuh…
Ele soltou o ar, e quando respirou…
Shuuuh!
Uma trilha de fogo azul surgiu do dedo indicador de sua mão direita, e se estendeu para todo o corpo — ao ponto de contornar Yoshiyuki por completo, tornou-se sua silhueta.
— Kirei… segundo minha mestra, é a junção dos caracteres “Ki” e “rei”, significando, respectivamente…
“Energia” e “espírito”…
— Todo o Arucosmos, que é a junção de trezentos e sessenta e cinco universos, é composto por kirei. Em um dos mundos, os estudiosos dizem que a menor parte da matéria é o átomo…
Aquilo que é indivisível.
— O interessante é que, de alguma forma, o kirei é a energia ou o meio que conecta a mente, ou mesmo espírito, ao mundo físico — disse Yoshiyuki, compassadamente, revisando os conteúdos que aprendeu há muito tempo. — Mais interessante ainda é que todos os seres racionais possuem um Arcane Pawa…
Um objeto ou habilidade que é oriundo do inconsciente.
— E, também segundo a minha mestra, no Arucosmos, algo sempre possue um contraponto. Algo negativo possui um positivo.
Para ela, até o carvalho à sua frente, de tronco negro e folhas verde-escuras, deveria ter por perto um outro carvalho similar a ele.
— Toda existência é composta por duas existências. Assim, tudo que tem mente, tem kirei…
E tudo que tivesse mente, existiria, e teria kirei.
— Desta forma, o Arucosmos seria uma grande existência… formada por duas existências…
Mas sem que uma anulasse a outra.
— Elas deveriam viver em harmonia. A luz e a sombra coexistem em paz. Ou deveriam…
Ou seja…
— Algo perturba essa paz — concluiu. — Além disso, uma existência racional precisa de três coisas: mente, corpo e espírito.
As chamas azuis que rodeavam Yoshiyuki, que estava sem camisa — vestindo apenas um calção negro —, antes violentas e fumegantes, agora eram calmas como as águas de um rio.
— Talvez a grande energia negativa que eu sinta da criança de Dédalo e Eris, de Alter Athena e de Hera…
Estejam relacionadas…
— Com o corpo, a mente e o espírito dessa entidade das sombras. Era apenas uma hipótese, no entanto.
Os longos e espetados cabelos negros dele de repente sumiram — ele cortou a cabeleira.
“Ah, cabelos curtos são bem melhores!”, pensou.
Sasah!
Em alta velocidade, correu e…
TUM!
Ele chutou uma árvore!
— Esses carvalhos são especiais. Eles transbordam kirei! Será um bom teste!
Seu golpe não havia surtido efeito algum!
Suh, suh, suh, suh!
Desferiu mais chutes, carregados de kirei!
— Preciso dar uma suada!
Dando pulinhos, ele sorriu.
“Que me chamem de louco, mas quando um homem precisa encontrar a paz espiritual, seu corpo e mente devem estar esgotados!”
E, assim…
Suh, suh, suh, suh!
Ele chutou carvalhos!
ㅡㅡㅡ
No final da tarde do mesmo dia…
— Ah, que coisa boa… — ele estava sentado no meio do rio, que era raso. A água chegava ao umbigo.
Com os olhos fechados, não enxergando nada além da escuridão…
“Isso… entrei na escuridão de minha mente. É melhor rever os fatos importantes até aqui.”
Ele lembrou de Dédalo, Hermes e Eros…
“Eles construíram uma prisão para Skiá, a filha de Eris e Zeus. Havia algo peculiar nessa prisão…”
As escadas — soube por meio do deus mensageiro que esculpiram uma “escadaria ilusoriamente infinita”.
“Mas por que? Por que uma escadaria infinita? Por que não simplesmente criaram uma prisão qualquer?”
Ele tinha de trabalhar com suposições. Nisso, nem mais sentia o curso do rio.
“Talvez porque temessem que ela pensasse em algum dia fugir. Quer dizer, pensar no que havia fora dali.”
Mas havia uma outra incógnita…
“Por que não a mataram? Qual o significado de deixar vivo… um ser profético que matará o rei dos deuses?”
Não só isso. O diário de Hera — e o fato de ser estranho ela saber algum alfabeto —, a morte de Eros, as memórias falsas que Yoshiyuki tinha, que antes eram sonhos…
“Tudo isso desde que usei o Past Recording em Athena, quando aquela memória falsa surgiu… onde foi revelada a existência de uma “segunda Athena”: a Alter Athena.”
Podia ser apenas uma suposição…
“Mas talvez isso tudo gire em torno dela. Se é que ela existe, também…”
Tudo o que tinha eram suposições. No final, nada daquilo poderia ser realmente comprovado.
“E quando tentaram comprovar… morreram.”
Ele estava começando a sentir frio — havia anoitecido, tendo percebido a variação de luz que recaía em suas pálpebras.
“Fazendo uma associação, Hera e Alter Athena são, respectivamente, o corpo e a mente dessa energia negativa. Afinal, elas emanam energias negativas semelhantes.”
Mas e Skiá?
“Talvez… talvez ela seja o espírito.”
Porém, ela era uma criança.
“Se bem que é possível transformar um corpo físico em kirei. Isso normalmente acontece quando o usuário decide queimar toda a sua energia…”
E então lembrou do que Afrodite disse, no dia do assassinato de Eros.
— “Foram ao encontro de Hades, que disse ter criado uma magia que poderia matar Zeus”.
Somente deuses poderiam matar deuses.
“Essa é uma lógica multiversal. Todo multiverso segue essa lei…”
— Ele vai transformar Skiá em uma magia, e consequentemente…
No espírito da existência que ele chamou de…
— Escuridão.
Levantou-se, encharcado. Já havia refletido o suficiente. E para recobrar esses pensamentos no futuro…
“Só precisarei usar o meu Arcane Pawa em mim mesmo.”
Então, após isso tudo, e estando exausto, ele decidiu dormir às margens do rio.
E enquanto sonhava…
ㅡㅡㅡ
Ele sonhou com a criança que subia escadas.
Havia um ser, cujo sexo não era conhecido, que estava preso em uma escada, onde a única luz que ali existia era uma bem fraca…
E que estava no alto, bem no alto, há muitos degraus acima.
“Subir, eu devo subir!”, pensava o ser.
E subia as escadas. Mas não importa o quanto tentasse, nunca chegava aonde queria. E por isso ficava deprimido.
“Mas eu quero a luz. Um mundo de luz… eu quero ver um mundo de luz!”
E ele subia. Sentia que subia e descia, subindo e descendo degraus, nessa ordem.
— Venha, no alto há luz!! — gritava uma voz, bem fraca.
“Eu estou indo! Estou indo!”
Ele já não sabia se a voz era a do seu inconsciente, ou se era de uma suposta pessoa no alto das escadas. Mas…
“Só saberei se subir!”
