Castelo do Reino de Shuigang | noite.
Como único subterfúgio que estou para seguirem com a missão, Milla e Viktor conseguiram embarcar em um caminhão jamanta, cujo baú de carga era grande. Eles buscaram refúgio em um compartimento logo abaixo.
Por causa disso, puderam manter discrição, se aproveitando da situação para continuarem no encalço dos Red Scarves.
Caminhando com todo o cuidado possível e se esgueirando pelos corredores do imenso castelo, os dois seguiam adentrando as dependências do lugar.
Por não terem praticamente nenhum conhecimento do lugar, o avanço precisava ser cuidadoso, tendo em vista que haviam ninjas no recinto, além dos guardas.
Tudo isso eram fatores que deveriam mesmo ser considerados. Não estavam em um lugar seguro.
Chegando até um salão localizado no subsolo do Palácio
Viktor, estranhando tudo isso, disse:
— Milla, isso não faz muito sentido…
— Porque está dizendo isso, Viktorius?
— Aconteceu essa coisa toda aqui nessa cidade e… — o jovem fez uma breve pausa em sua fala, dizendo em seguida. — Bem, você não acha que esses ninjas conseguiram entrar muito fácil aqui? E tem a gente também. Como é que a segurança confiou tanto?
— Bem pensado! Acho que pode ter infiltrado… ou… — a pequena começou a pensar, com uma das mais no queixo, ao mesmo tempo que uma de suas longas orelhas ficou levantada.
Viktor se mostrou mais atento à atitude de Milla, já que ela ficou um tempo pensando.
Por isso mesmo, ele adentrou mais ao assunto.
— Ou o quê? O que está pensando Milla?
— Se a Lilac estivesse aqui, tenho certeza que diria que tudo isso é coisa do Spade!
— Spade?! O ninja que as treinou e é o líder dos Red Scarves?
— Isso mesmo! Na certa, ele deu todas as dicas pra esses ninjas e pra Ruby Scarlett!
O alinhamento com as teorias levantadas pela canina faziam sentido, pelo menos dentro do ponto de vista dela.
— Será, Milla? — perguntou Viktor.
— Só pode ser isso! — Milla respondeu, com um olhar mais compenetrado.
Essa reação não foi à toa: estavam dentro do Palácio de Shuigang, sem noção alguma do que estava de fato acontecendo.
A estratégia de seguirem os ninjas pelo menos trouxe uma direção a seguir, mas incógnitas impediam que a dupla tivesse um norte mais visível.
Ou seja, tudo estava em aberto.
— Viktorius, nós estamos mesmo em apuros. Eu não sei o que fazer — a pequena ficou um pouco acuada, com as mãos sobre seu peito.
— Nem eu, Milla — o humano se manteve tranquilo, mas com preocupação em seu olhar. — Mas acho que, por todo o esforço que Carol e Lilac tiveram de lutar contra aquela coisa, nós deveríamos investigar o que eles estão tramando.
Mas o que aconteceu? Do que Viktor está falando?
“Lilac e Carol lutaram contra aquela coisa.”
O que Viktor queria dizer com isso?
Pelo visto, muita coisa aconteceu antes da dupla entrar no Palácio de Shuigang.
Para sabermos o que ocorreu, teremos de voltar um pouco no tempo.
Horas atrás…
Cidade de Shuigang
Ala oeste | Tarde
Embora o lugar estivesse sob controle da guarda do Reino de Shuigang, o local estava rodeado de pessoas preocupadas com a resolução do caso.
Os moradores da região, afoitos, buscavam informações a todo instante.
A cidade estava sendo atacada, então era justificável essa preocupação.
Carol, logo após conversar com Lilac e combinarem de se encontrarem na Praça Rubrantina, estava conversando com Ying sobre todo o ocorrido.
Por isso mesmo, o panda vendedor de doces perguntou:
— Carol, o que está acontecendo?
— Cara, tamo tentando achar essa resposta. E agora sem comunicação ferrou com tudo.
— Mas, e os outros? Eu estou preocupado com eles.
— Ah, relaxa, kawaiizinho. Lilac sabe se cuidar muito bem. Milla também tá nessa atividade, saca?
— Como assim? Do que está falando? — ele não entendeu o que ouviu.
— Ah, pô… A Milla foi treinada pela pandurona!
— Quem?! — o panda ficou ainda mais confuso.
— A dona encrenca puliça lá de Shang Tu. Tipo, mesmo que eu não goste de admitir, a Neera mandou benzaço com ela. É a “doutri-neera-dora”, nyah!
Tagarela como era, Carol tentou deixar a conversa descontraída.
Entretanto, nem mesmo ela conseguiu ficar à vontade por muito tempo. Havia um bom motivo.
— Tô grilada com o piá, sabe?
— Hã? Você está se referindo ao Viktor?
— Essa parada. Mó sinistro a gente ter metido o Vitin nessa treta.
— O Viktor? Mas ele é um mestre!
— Ele poderia ser até o Kojima. O piá não é daqui e não tem habilidades especiais — Carol disse, ficando cabisbaixa. — Tipo, não paro de pensar no piá!
— Mas ele… Bem, parecia confiante. Eu acredito que ele consiga se virar.
Carol era pura confiança escaldante, mas não a ponto de não ver os fatos. E eles eram bem consideráveis: o mundo de Avalice era implacável.
E, falando nisso…
Ala Leste | Tarde
A frente do galpão, que anteriormente estava em chamas, o corpo de bombeiros da cidade já haviam controlado o fogo, restando apenas a equipe de rescaldo.
Além deles, também haviam soldados do reino, que levaram sob custódia os ninjas que Lilac havia derrotado, e salvos também.
Diante desse cenário, a dragão era interpelada por um dos guardas.
— Senhorita, como tudo isso ocorreu?
— Os Red Scarves invadiram a Praça Rubrantina mais cedo atrás de nós. Por algum motivo, atacaram vários pontos da cidade também.
— Ora, estávamos esperando o ataque deles faz um tempo. Nosso setor de inteligência investigou seus rastros pela cidade. Mas não esperávamos que fariam o primeiro ataque aqui no Galpão Yonn.
Essa notícia trouxe dúvidas a Lilac. A dragão não demorou a perguntar.
— Como assim? A líder deles, a Ruby Scarlett, ordenou o ataque! O primeiro ataque foi na Praça Rubrantina!
— Senhorita, já havia uma diligência das nossas forças vindo para cá. Isso aconteceu a pelo menos quatro horas atrás.
Novamente, um fato que não tinha sentido.
— Mas porquê? — perguntou Lilac novamente.
— O que quer saber, senhorita? — o guarda retrucou, enquanto seu elmo encobria seus olhos.
— Não faz sentido algum os Red Scarves terem atacado antes das ordens de Ruby. Só ouvimos as explosões e agimos imediatamente!
— O que?! Mas as nossas tropas estavam no encalço deles no galpão bem antes de qualquer explosão.
Outra vez, uma comparação. E, ligeiramente, Lilac voltou a inquirir.
— Como assim no encalço?
— Nossas tropas perseguiram alguns deles até aqui após destruírem um armazém mais cedo. Desde então a equipe do Palácio de Shuigang não foi mais encontrada.
Isso fez com que a dragão olhasse para os resgatados: a equipe médica e de suporte recolhiam cinco desta vez, feridos e exaustos.
Sabendo disso, Lilac chamou o guarda e o questionou.
— Aqueles ali… — ela disse, apontando para o grupo. — Eles são da guarda do Reino?
Dito e feito: o guarda olhou e, imediatamente, levantou seu elmo, com o intuito de observar sem distrações.
— Eles são… do grupo quatro!
Ele correu para próximo de um dos veículos, enquanto Lilac olhava ao redor. Foi nesse momento que ela perguntou.
— O que está acontecendo? Houveram coisas aqui que não sabíamos.
Ela voltou a olhar para dentro do galpão, imaginando que havia mais informações que não tinha conhecimento.
Mas, antes que pudesse adentrar ao prédio, os bombeiros pareciam desesperados, ao gritarem:
— CUIDADO!
Um imenso caminhão jamanta, com vários baús de carga, surgiu de dentro do galpão destruindo tudo pela frente.
Lilac conseguiu se esquivar, utilizando de seu Impulso do Dragão.
— O que é isso?! — a dragão gritou, confusa. — Grr… Red Scarves!
Seu pensamento rápido lhe disse o suficiente. Lilac usou de sua velocidade e foi atrás do caminhão, que seguia pelas ruas da cidade a toda velocidade.
Ele se dirigiu em direção a…
Ala Oeste | Meio da tarde
Enquanto os acontecimentos ocorriam, Carol conversava com Ying, a fim de saber o que de fato estava acontecendo pela cidade.
Porém, sua preocupação no momento era voltar à Praça Rubrantina, já que Milla e Viktor estavam lidando com ninjas Red Scarves.
O jovem não possuía habilidades especiais, como sabemos.
Por esse motivo, o ceticismo da felina veio em primeiro lugar.
— Não levo fé, não quero arriscar. A gente precisa protegê-lo. O cara dá mó moral lá em casa.
— Entendo. Mas, o que fará agora?
— Ah, bem… Vou dar um rolézin de moto até a Praça Rubrantina e… — ela interrompeu suas palavras.
Não havia tempo sequer para respirar.
Ao fundo da rua onde estavam, surpreendendo a todos, um enorme caminhão passou a toda velocidade, sendo seguido por Lilac, o que chamou atenção de Carol.
— É, Ying. Essa é a hora pra minha deixa. O roteiro me chama!
— Hã?! Do que está falando?!
— Deixa quieto, tá? Té logo e vai pra sua casa!
Com um olhar de surpresa, ela se concentrou e se recompôs. Aquilo aconteceu rápido demais.
— É. Isso aí. Aconteceu rápido demais. O locutor tá certo.
Carol já sabia o que fazer.
— É. Isso. Já sei.
E logo começou a andar em direção a sua moto, de forma decidida, dizendo:
— Ah, meleca. Como um tal Sidjei disse uma vez: “aqui vamos nós outra vez”.
Sem perder mais tempo, ela montou em sua moto e saiu em disparada a fim de alcançar Lilac.
Pelo visto as coisas estão mesmo esquentando.
E, mais a frente, naquela mesma estrada…
Pelas vias largas da cidade de Shuigang, Lilac seguia aquele caminhão, que se desviava de todo o trânsito local.
A dragão púrpura fazia o mesmo, já que estava usando de sua velocidade para interceptar o veículo.
Ela prosseguia na perseguição ao veículo colossal, ao mesmo tempo que pensou:
— “Eu não posso usar toda minha velocidade aqui pra não machucar ninguém, então nada de Impulso do Dragão. E esse caminhão é todo blindado. Droga!”
A dragão manteve a velocidade, já se aproximando do caminhão.
Mas, ao mesmo tempo, Carol surgiu por uma das ruas adjacentes da estrada, seguindo com sua moto ao lado de sua amiga.
— Aí Lilac… Tá treinando pra São Silvestre?
— Carol, isso não é hora pra… — demorou um pouco para que a dragão percebesse, por ironia do destino. — Espera… Carol?! Como é que você apareceu aqui do nada?
— Pô, tu passou tratorando tudo, vuada geral, que mais parece um ouriço azul coletado anéis.
— Hã?! Para com essas suas maluquices, já te disse isso várias vezes! Estamos com muitos problemas!
— Tá… Que tá rolando? Porque tu tá a mil aí? Que tem nesse camião?
— Eu estava na frente do galpão com os guardas. Esse caminhão apareceu destruindo tudo.
— Ah tá… Já matei a charada — Carol foi rápida no raciocínio, não estranhem. — Os ninjitas tão no camião boladão, né?
— Como você sabe que era isso?
— Ah, o escritor dessa história é meu conchavo. Mas esquece essa parada. Vamo então fazer o camião parar porque tá parecendo uma bilada sem Cino.
— Hã?! Mas do que você… — Lilac foi severamente interrompida.
— Lilac, a missão! Resolver. Agora. Sem pensar. Carga pesada!
Embora as palavras malucas de Carol causassem confusão em Lilac (o que é totalmente compreensível), a dragão voltou suas atenções ao real problema: o caminhão.
Percebendo que iriam passar por uma área da cidade que iria dar em um descampado, as duas tinham o interesse de parar o veículo.
Mas acreditem: elas não eram as únicas a também terem planos. Como sabemos, o grande veículo era guiado por membros dos Red Scarves, que conversavam na cabine.
— Elas estão nos seguindo e se aproximando da cabine! Se essa duas nos pararem… — disse um dos ninjas, olhando pelo retrovisor.
— Não diga isso! Nós não vamos ser pegos assim tão facilmente! — disse o outro, observando uma tela no painel.
— Mas a Ruby vai acabar com a gente se falharmos!
— Tudo bem, tudo bem… — o ninja Red Scarves se levantou, seguindo para trás da cabine do caminhão. — Continua dirigindo. Eu vou cuidar disso.
O ninja, que tomou a responsabilidade por tudo, parecia decidido a resolver o assunto a seu jeito.
O que dirigia, a princípio, tinha dúvidas do que seu colega Red Scarves estava pensando.
— O que você vai fazer?
— Vou usar aquilo, o que já deveria ter feito a muito tempo.
— Aquilo?! Mas a Ruby Scarlett disse que só em último caso!
— Esse é o último caso! Essas duas que estão aí fora são habilidosas demais. Não são simples garotas — ele abriu a porta traseira da cabine, fechando em seguida pelo outro lado. — Vamos seguir com o plano. Eu vou acabar com elas. Leve todos para dentro daquele palácio como o ordenado.
— Mas, e a Ruby? Ela não deu notícias ainda.
— Ela vai se juntar à gente em breve. Mas tenho que parar essas duas traidoras. Elas não vão nos impedir!
— Tudo bem. Acabe com elas!
Estava decidido, então. O ninja correu para o interior do enorme baú, que estava escuro.
Ele agora tinha uma missão, e iria segui-la.
Enquanto isso…
Ainda no caminhão, em seu interior, caminhavam tendo todo o cuidado Viktor e Milla, que se esconderam por trás de pequenos contêineres e caixas de madeira.
— Foi difícil estarmos aqui, mas conseguimos!
— Sim, Viktorius. Mas, e agora?
O jovem humano, se abrigando, disse:
— Milla, está sentindo o cheiro dos ninjas e da Ruby?
— Estou sim, Viktorius. Mas da Ruby não muito.
Mas, surpreendendo Milla, a pequena ouviu um ruído que a fez puxar Viktor para baixo de uma plataforma lá perto.
Imóveis e calados, só viram o caminhar do ninja, que adentrou em seguida em um tipo de cápsula, que o levou até uma imensa estrutura metálica.
Era óbvio que a dupla estranhou a presença do Red Scarves, ainda mais depois de vê-lo entrar na estrutura.
Viktor não pôde deixar de questionar.
— Esse ninja… O que ele vai fazer?
— Eu não sei, Viktorius… — Milla até parou de falar, percebendo algo por uma escotilha. — Nossa! Olha lá pra fora!
Milla e Viktor puderam ver Lilac e Carol acompanhando o caminhão.
Os dois estavam mais do que surpresos, como Milla demonstrou.
— Elas estão aqui, Viktorius! Lilac e Carol!
— Nossa! Lilac realmente corre muito! — o jovem estava impressionado com o que viu. — “Ela tem mesmo uma velocidade impressionante! Carol a acompanha com a moto, inclusive!”
Mas nem ao menos a dupla teve tempo de se sentirem aliviados.
O baú do caminhão jamanta se abriu, com um ruído de turbinas ligando.
Logo a estrutura metálica por onde o ninja entrou na verdade se tratava de um tipo de nave no formato de uma libélula.
Suas asas duplas pareciam hélices supersônicas, dado o ruído agudo e que estremecia a lataria do baú, quase o rompendo. A fuselagem do voador metálico era vermelha, em toda sua extremidade.
Dois canhões e uma grande metralhadora no meio mostravam que seu armamento era pesado. Aquilo que estava sobrevoando o local parecia muito ameaçador e investiu em direção a Lilac e Carol.
Viktor e Milla, surpresos, voltaram a se esconder, visando não chamar a atenção.
— Milla, temos que fazer alguma coisa!
— Viktorius, vamos seguir os ninjas nesse caminhão! As minhas amigas vão lutar contra essa coisa e irão vencer! Eu sei que vão!
O caminhão jamanta prosseguiu viagem, pela estrada cheia de veículos. Alguns até foram atingidos, mas sem gravidade.
Viktor e Milla permaneceram dentro do caminhão, mantendo o plano de rastreamento dos Red Scarves.
Contudo, agora havia uma ameaça inimaginável: uma nave libélula fortemente armada e com seu piloto disposto a tudo.
— Hahaha! — o ninja gargalhava alto, gritando em seguida. — Traidoras! Eu vou acabar com você até que lhes restem só os ossos! Vocês não são páreas para o Libélula Metálica!
A apreensão e o sentimento de urgência era visível nos olhares de Lilac e Carol, que tomaram um movimento mais evasivo, a fim de se resguardar por enquanto.
— Ah, caraca… Sério mesmo os Red Scarves tem um monstrão de metal pra tretar? — a felina disse, guiando sua moto com mais cautela.
— Carol, leve a sério! Nós vamos ter que lutar contra essa coisa!
— To sabendo, Lilac… Mas e o camião boladão?
— Deixe-o ir!
— O que? Tá louca, garota? Os ninjita tão tramando algo, falei? Tem mamona nesse celeiro!
— Carol, se essa coisa começar a atirar, poderá causar um baita problema na cidade. Depois a gente se preocupa com o caminhão — Lilac disse, acelerando mais e indo a frente. — Eu não vou conseguir vencer essa coisa sozinha!
— Serião?! Tu tá convocando a kid aqui pra fazer parte da luta contra o chefão?
— Por tudo que é mais sagrado em Avalice, Carol! Leve a sério e para com essas suas maluquices! Há vidas em risco!
Pela primeira vez desde o início da missão, Carol mostrou um olhar mais sério. A gata selvagem entendeu a seriedade do momento e logo tratou de mudar de postura.
Os olhos verdes da felina pareciam penetrantes, conforme acelerava ainda mais sua moto.
— Se tu me deu essa moral, então a parada é séria. Tá… vamo batê lata!
Uma grande batalha, anunciada por um tipo de rugido metalizado da nave libélula, beirava o exagero, mas era real.
Lilac e Carol tinham pela frente um confronto terrível.
Enquanto Milla e Viktor seguiram no caminhão jamanta, suas amigas ficaram para lutar.
A batalha dessa vez seria a toda velocidade pelas ruas da cidade.
Sem parar e nem descansar, Lilac e Carol irão precisar de toda astúcia e agilidade para defender os habitantes de Shuigang.