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Capítulo 2: Teste


Diferente dos outros, que estão sentados, permaneço de pé. Com as mãos nos bolsos do moletom, observo a reação de todos.

Eliene faz uma expressão de surpresa, mas logo sua face se suaviza.

A outra garota, Coraline, aparenta estar mais assustada. Noto suas mãos trêmulas, porém ela junta-as e entrelaça os dedos.

Os outros dois garotos estão cochichando entre si.

Percebo um deles — o de cabelo cacheado — olhando de canto de olho para mim. Entretanto, ao encontrar meu olhar, disfarça e volta a falar com o outro.

Provável que todos estejam com medo, no entanto fingem não estar: pois acham que demonstrá-lo significa ser fraco.

Claro, isso não passa de orgulho.

É normal sentir medo — é humano —, mas a soberba sempre fala mais alto. Fingem que tudo está bem quando nada está.

— Haa… então… c-como assim um de nós vai morrer hoje? — indaga o garoto de cabelo cacheado.

Dona não demora para responder:

— Bem, após o teste pontual da Ceifa que fizeram, os quatro mais promissores de cada estado são escolhidos para ir à Escola de Elite da Ceifa. Assim totalizando 104 pessoas. — Ela suspira antes de continuar: — Porém este ano tivemos uma… particularidade.

Seu olhar vai até mim e os outros quatro o seguem. Não me intimido e permaneço com a postura ereta.

Uma pequena curvatura surge em seu lábio quando a encaro, entretanto rapidamente volta ao normal e, após os outros quatro tirarem os olhos de mim, prossegue:

— No estado de São Paulo, contrariando todos os pontos passados, foram escolhidas cinco pessoas, mas não podemos enviar mais que quatro. Então faremos um segundo teste. — Ela espera até processarem as informações. — Achei que devia notificá-los pessoalmente, alguma pergunta?

O garoto de cabelo cacheado levanta a mão.

— Sim, Maven, diga.

Ele limpa a garganta antes de perguntar:

— Onde vai ser esse teste? — Tenta disfarçar a voz trêmula, entretanto falha miseravelmente.

— Irei enviar uma mensagem a todos mais tarde… Alguma outra pergunta?

— Eu! — Dessa vez quem fala é a garota loira ao lado de Eliene, Coraline. — Meus pais nunca irão concordar com essa blasfêmia! Tenho que fazer um teste imbecil só por causa desse moleque?! — Aponta para mim. — Me recuso! — Finaliza cruzando os braços.

“Moleque?”

Minha mestra, como se já esperasse por isso, responde calmamente:

— Coraline, você já é maior de idade. Todavia, para garantir, falamos com seu pai e ele concordou. “Um testezinho bobo não é nada para minha filhota”, foi o que disse. Se não acredita, pode contatá-los depois… ou será que está com medo?

O rosto da garota cora quase que no mesmo instante.

— C-claro que não! Acha que eu, Coraline Ospol, ficaria com medo de um testezinho imbecil?! Não mesmo!

— Então fazer o “testezinho imbecil” não será um problema, certo?

— Isso aí!

“Essa desgraça não sabe falar baixo?”

— Ótimo, alguém tem mais alguma pergunta? — Ninguém responde. — Bom, se as dúvidas acabaram… — Dona faz um movimento circular usando dois dedos e um portal surge no meio da sala. — Lhes vejo em breve.

Os quatro se levantam e começam a entrar no portal. Permaneço parado, esperando todos irem.

Quando a última pessoa estava prestes a entrar, ela para e se vira para mim. Seus olhos castanha claro se encontram com os meus azuis, mas não desvio o olhar. Ao invés disso mantenho contato enquanto…

“Ah, entendi.”

Aceno com a cabeça. Eliene então me dá as costas e se vai.

O portal desaparece em seguida.

— Qual a desse sorrisinho bobo? — indaga Dona de maneira amigável.

Noto uma expressão atípica em meu rosto. Rapidamente volto para minha cara de “peixe morto” — pelo menos é assim que minha mentora chama.

— Sei lá… Devo tá doente.

— Ahhh, que sono! — exclama enquanto estica os braços e pernas. — Hadi, quem foi o idiota que marcou essa reunião logo de manhã?

— Você — digo.

— Ah, é mesmo. — Começa a coçar sua cabeça enquanto sorri. — Bom, não importa. — Ela então levanta e um portal surge no meio da sala. — Agora vamos.

— Aonde?

— Despertar sua volunge.


A passagem dimensional que Dona criou me leva até um corredor estreito. Algumas lamparinas nas paredes de tijolos dissipam a escuridão.

— Que lugar é esse? — indago ao vê-la saindo do portal.

— Logo saberá — minha mentora responde com seriedade.

Começa a caminhar e a sigo.

— Por que você nos trouxe até aqui ao invés de levar a gente pra onde estamos indo?

— Existem certos lugares que usuários de volunges dimensionais não podem ir… Mas já te ensinei isso, não lembra?

Forço a memória e logo a resposta vem à mente.

— Lugares selados — murmuro, mais para mim que pra ela.

— Exatamente. — Minha mestra então para de andar.

Olho e vejo uma porta de madeira à nossa frente. Ela retira de seu bolso uma chave e a destranca.

Entro junto dela e — após fechar a porta — não vejo nada além de escuridão. Reforço meus olhos com mana e então enxergo algumas estacas de madeira nas paredes.

— Você poderia fazer a gentileza? — diz ao estender a mão para o nada.

Aceno com a cabeça e então conjuro chamas nas mãos. Fito todas as estacas e disparo pequenas faíscas para acendê-las.

Agora que está claro, fito melhor o ambiente em volta: o lugar é simples, sem decorações. Um círculo formado por símbolos estranhos reside no chão de pedra e um pedestal com um livro está de frente a ele.

Dona se coloca à frente do pedestal e na mesma hora entendo o que devo fazer.

Quando me centralizo no círculo, ela abre o livro e começa a recitar algumas palavras enquanto os símbolos no chão começam a brilhar em tom escarlate.

Sinto uma sensação estranha. Uma sonolência repentina toma conta. Caio no chão e minha visão escurece.


Acordo de pé em um lugar que — por um motivo desconhecido — é familiar.

Observo a fina camada de água sobre o chão e então olho adiante, mas não vejo nada além de escuridão.

— Onde eu tô? — Minha voz ecoa, porém ninguém responde.

De repente, uma luz começa a brilhar em meio às sombras. Sinto que devo caminhar até ela, mas hesito.

— Por que não vai? — Ouço uma voz familiar vindo por trás.

Me viro e encontro eu alguns anos mais novo.

O cabelo preto ainda curto, os olhos azuis ainda claros, o corpo e mente sem cicatrizes…

— Sabe que não posso — respondo com pesar.

— Tá vendo? Esse é o seu problema.

— Hã? Como assim?

Ele não demora para responder:

— Acha que nossa mãe ficaria feliz se te visse dessa forma? Olha pra você! Quando revelou aquilo… Ela não queria que se tornasse isso, porém não teve escolha a não ser confiar em você.

— Estou fazendo o que é necessário — murmuro.

— Não, você está fazendo o que acha que é necessário!

Tento permanecer com a expressão neutra, porém não consigo.

Encaro o chão e finco as unhas na palma da mão. A dor me traz uma sensação agradável — até reconfortante. Sinto a viscosidade do sangue escorrendo entre os dedos.

— Está errado…

— Não, não estou. E sabe disso… porque eu sou você.

Um silêncio recai sobre o ambiente que agora sei que é minha mente.

— Essa conversa acabou.

Passo por mim mesmo e começo a caminhar para o lado oposto da luz.

— Você acha que o papai e o maninho ficarão felizes quando verem o que você se tornou?

A última gota de sanidade que tenho vai embora quando menciona aqueles que me deixaram.

Viro-me e, em um instante, estou de frente a mim mesmo. Pego-lhe pelo pescoço e o levanto. Em resposta, começa a se contorcer.

— Eles me deixaram quando ela morreu! Nem sequer me permitiram falar! Simplesmente colocaram a culpa em mim e me abandonaram. — Lágrimas brotam em meus olhos. — No fim, fizeram questão de dizer a todo o mundo que a morte dela foi minha culpa…

Por um instante, fecho os olhos e guardo todos os sentimentos no fundo da alma. Por fim, friamente digo:

— Então me diga… acha mesmo que ligo para o que pensarão sobre mim? — Não lhe permito responder, ao invés disso, forço meu aperto e quebro seu pescoço.

Entretanto, tudo de repente muda: o ambiente ao redor se contorce e o chão começa a estremecer.

Quatro paredes surgem à minha volta. Quando olho para frente, ao invés de segurar o cadáver do antigo eu, estou segurando… Dona?!


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