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Jiten pareceu se lembrar de alguma coisa. 

Por um momento, se deu conta de todas as coisas que forçou sua mente a esquecer. Ele podara muito bem os galhos. Diante do trauma, seu esquecimento foi uma lâmina afiada para usar contra sua dor. 

Ele havia deixado que sua mente suplantasse suas memórias com o apego ao cotidiano. Ressignificou os símbolos, deu à rotina um novo significado, ao trabalho um sentido muito mais brando. Renunciou a tarefa imposta a ele pelo destino, porque sabia que não era digno.

Era injusto. Não era ele capaz de seguir o legado de sua família e decerto que o mundo aprenderia a conviver com essa verdade. 

Contudo, não parecia que o mundo ao seu redor estava muito interessado em suas limitações e fraquezas. Sabiam o que ele era, logo, queriam dele aquilo que o destino o prometeu. 

Ele tinha que encontrar e defender o dito Unmeiko, seria ele quem carregaria sua espada enquanto ele rasgasse o mundo com sua vontade inabalável. Deveria pavimentar o caminho para alguém melhor do que ele. 

O jovem se lançou no chão e rapidamente removeu uma das tábuas que escondia os segredos de seu mestre. Ele tateou a poeira e a terra no escuro até achar os livros e as espadas. Removeu cada um dos objetos e os depositou sobre o chão. 

Deixou a espada antiga de seu mestre ao lado e se focou no segundo embrulho. Uma arma envolta em um pano de linho, amarrada com cordões de cânhamo já muito envelhecidos. Ela parecia fechada e protegida por muitos anos. Assim, como ele mesmo o foi. 

— Você não se lembra?— Renji indagou, o velho se projetou um pouco para frente, tentando enxergar melhor o rosto de seu pupilo. 

O jovem permaneceu aturdido, quase em um torpor, enquanto removia a proteção do embrulho. O tecido era áspero em seu toque, estava enrijecido e não se comportava muito diferente de uma tira de couro. Os cordões ainda estavam resistentes, mesmo que ressecados, ele conseguiu vencer os nós com facilidade.

Camada após camada do embrulho caiu e quando a última chegou no chão, ele lembrou de verdade. 

Aquela espada não era a que o viajante havia trazido em uma noite quando ele tinha seis anos. Esta arma lhe foi entregue quando ele já tinha oito anos e por algum motivo, quis muito esquecer do momento. 

Não foi um dia traumático, na verdade, mesmo que tivesse tudo para ser. Não foi também um dia com grandes eventos para se recordar. Lembrava apenas que era um dia ensolarado quando lhe deram a notícia. 

A espada de Hinokuma Ryusuke, seu pai, entregue a Jiten quando lhe confirmaram que ele não voltaria nunca mais. 

Ele sabia que era mesmo a arma dele, pois todo kumokai entalha seu símbolo na lâmina de sua arma pessoal. O símbolo de seu pai estava lá. Marcado fundo no metal, como um eterno lembrete. 

Era metal e não cristal azulado. A lâmina não tinha o corte perfeito, pelo contrário, tinha ainda pequenos amassados em seu fio, resultado de vários combates. Sua empunhadura era comum, madeira e couro cru de cavalo e não a pele de um espírito ancestral feita em entalhe delicado pelo melhor dos artesãos de seu tempo. Era uma espada comum de um guerreiro derrotado. 

A brincadeira que sua memória fazia com ele foi um misto de culpa e de esperança. Ao imaginar que aquela era a espada cristalina do viajante, sua mente ficava longe do fato de que seu pai nunca voltaria. 

Escondia num segredo do passado, uma verdade sempre presente.

Nunca pudera se despedir dele de verdade. Em seu coração ainda pairava uma espécie de expectativa, como uma nuvem que bloqueia o sol, servindo para manter um sentimento descansando na penumbra. O sentimento de que seu pai um dia voltaria.

A espada ali lhe dizia o contrário. Era um testemunho em aço das coisas que se perderam para sempre. Que aqueles que mais amou no mundo se perderam para sempre. 

Os olhos de Jiten uma vez mais se encheram de lágrimas. 

— Sua mãe nunca me disse onde escondeu a arma. Talvez nunca tenha dito a ninguém. — supôs Renji, como se quisesse atrair a mente de seu jovem aprendiz para lembranças diferentes.

— Ela também nunca me disse. — respondeu o rapaz, enquanto limpava a lâmina da arma empoeirada com os dedos. 

— Você tem certeza? — Renji indagou, mantendo seus olhos fixos no rapaz. 

A pergunta era recheada de incredulidade. Talvez, o velho marinheiro se recusasse a aceitar que Mitsuki, sabendo ser a guardiã da espada do unmeiko teria decidido levar o segredo para o túmulo. Quem sabe, ele tivesse o medo de que a arma já estivesse na posse de outros, mas isso seria difícil. Qualquer um que a tivesse, anunciaria sem demora a conquista do artefato. 

— Tenho. — respondeu tão direto quanto podia ser. 

— Quem sabe seja melhor desse jeito. — A afirmação final do idoso foi um tanto quanto triste, ele direcionou seus olhos de volta para a porta. — No fim, não há muito o que possamos fazer com uma arma. Não importa se ela é de metal ou feita de algum material mágico. — O velho deixou uma espécie de meio sorriso se formar em seu rosto. Era um deboche da própria situação.

Jiten observou a preocupação em seu mestre. Entendeu que agora o homem pensava em alguma coisa importante e ele já esperava pelo que viria. Uma vez que o lorde sabia o que ele era, não havia muito mais volta. 

O rapaz deixou o idoso em silêncio por alguns momentos. Estando diante daquela situação crítica, ele nem mesmo sabia para que lado enviar seus pensamentos. A lembrança da morte de seu pai, os anos no vilarejo, os abusos sucessivos do lorde e a perspectiva de um futuro sombrio. 

Tudo aquilo era uma tempestade e sem saber lidar com ela, ele apenas a deixava passar por sua mente.  Se ficasse quieto, quem sabe toda aquela situação desapareceria na manhã ou nos dias seguintes e ele poderia viver em paz. 

Não era tão simples assim para Renji.

— Você tem que partir. — o idoso disse com a voz embargada. 

Quando Jiten direcionou seus olhos para ele, notou que seu mestre chorava. 

Olá, eu sou o ODA!

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