A pergunta de Edmund não surpreendeu Fernando em nada. Afinal um novo recruta usar magia do nada era surpreendente. Tirando o prodígio reconhecido pelo Salão, Josh Norton, mais ninguém entre os recrutas tinha mostrado qualquer sinal de que aprendera algo sobre magia. Na realidade mesmo que tivesse o talento nem todo mundo teria meios de por as mãos em tal conhecimento. No caso de Josh Norton um instrutor especial foi dedicado a ensina-lo pelo Salão da Recepção.
Vendo que Fernando estava sem reação Edmund coçou a cabeça sem jeito.
“Fernando, não entendo seus motivos. Por que você esconderia que pode usar magia? Com seu talento o Salão certamente iria investir em você. É um desperdicio manter um perfil baixo.” Edmund questionou com curiosidade.
Os outros apesar de estarem tratando seus ferimentos também prestaram atenção levemente na conversa. Afinal eles também se surpreenderam com o fato de Fernando ter dominado magia. Na realidade Emily, Karol e Ronald pareciam até estar um pouco chateados pelo fato de terem de descobrir isso durante uma batalha.
Sentindo a intensidade dos olhares Fernando suspirou para si mesmo e resolveu que era melhor dar uma explicação de uma vez.
“É simples senhor Edmund, mesmo que eu tenha aprendido magia, minha compatibilidade é nível 5. O Salão jamais investiria em mim. Revelar isso só me trará mais problemas do que benefícios.” Fernando respondeu uma meia verdade.
Depois de entender as diferenças gritantes entre os níveis de compatibilidade ele entendeu que não importa quanto talento ele demonstre. O Salão com aqueles velhotes mesquinhos não investiriam nele. O outro motivo para Fernando não revelar isso foi o fato de Galia e Raul terem o advertido a manter silêncio sobre sua Magia e Habilidades, como alguém que preza pelas suas promessas Fernando fez o possível para manter isso em mente. Porém infelizmente a situação acabou saindo do controle o obrigando a usá-las para não morrer.
“O que?? Compatibilidade nível 5? Impossível! Moleque você acha que eu sou retardado? Eu posso não ser um mago e posso ser apenas um soldado de baixo nível. Mas eu sei que uma magia como aquelas flechas não pode ser dominada por um novato qualquer!” Edmund disse um pouco nervoso ao ser tratado como idiota.
Fernando estava sem palavras, ele apenas disse a verdade, mas o homem ficou nervoso?
Vendo Fernando em uma saia justa Karol entrou na conversa.
“É verdade senhor Edmund, Fernando tem um atributo de magia alto, mas uma baixa compatibilidade. Ele foi testado no dia que chegamos. O próprio General Kalfas o testou.” Karol disse em defesa de Fernando.
“Não só isso, ele foi até ridicularizado por aqueles tais anciões. Aqueles ossos secos!” Não aguentando mais Emily acabou entrando na conversa.
Ouvindo as palavras das duas garotas Edmund teve que acreditar.
“Espere, se me lembro bem ouve alguns boatos sobre uma pedra de compatibilidade desperidiçada em um recruta, poderia ser..” Edmund enfim ligou os pontos e percebeu que o recruta dos boatos era realmente Fernando.
Finalmente Edmund entendeu a situação, com tão baixa compatibilidade realmente era improvável que o Salão investisse em Fernando. Afinal para subir o nível de magia dele seria necessário toneladas de recursos.
Mas se com uma compatibilidade tão baixa ele já aprendeu magia até esse ponto de forma auto-didata o que seria desse garoto se ele tivesse uma compatibilidade maior? Ao pensar nesse ponto Edmund sentiu uma certa melancolia e pena de Fernando, ele poderia ser uma pessoa poderosa no futuro, mas infelizmente seu talento era insuficiente.
Vendo que Edmund não insistiu mais em fazer perguntas Fernando se sentiu aliviado. Se ele insistisse para que mostrasse os seus Status para provar o que ele dizia ele estaria numa enrascada. Afinal seu status tinham muitas informações reveladoras. Não só o fato de ser um Mago Aprendiz como ser um Noviço seriam informações explosivas, mas até seu crescimento anormal de atributos chamaria muito atenção.
“Senhores Edmund e Simon eu gostaria que essa questão se mantivesse em segredo se possível, é muito importante para mim.” Fernando pediu.
Edmund acenou com a mão sem se importar.
“Tudo bem, tudo bem já entendi. Não é como se eu fosse obrigado a revelar isso para o Salão. Afinal não diz respeito a missão.” Depois de Edmund, Simon também concordou em não falar nada.
Vendo que os dois guias deram suas palavras Fernando se sentiu mais relaxado. Obviamente não era cem por cento garantido que eles manteriam sua promessa, mas era melhor do que nada.
Bem quando Fernando pensou que estava tudo resolvido ele ouviu uma voz perto de seu ouvido.
“Ei Fernando, nós somos amigos, certo?” Era Karol, ela estava falando quase como se cochichasse.
“Se sim, então porque você precisa manter segredos de nós? Era por isso que você sempre sumia no final do treino? Para aprender magia? Eu não entendo. Para você nós somos realmente amigos, ou apenas estranhos forçados a comparitlhar um curto período juntos?” Conforme falava a voz de Karol ficava mais melodiosa e notava-se o tom de tristeza.
Ao ouvir isso Fernando sentiu um certo aperto no peito. O que ele pensava dos outros? Geralmente ele sempre se isolava, treinava sozinho e escondia coisas deles. Ele poderia realmente ser considerado um bom amigo? Ele não sabia a resposta. Ou melhor ele fingia não saber, mas a pergunta de Karol lhe fez ficar contra a parede e enfrentar a verdade.
“Eu.. eu considero vocês meus amigos.”
“Então, por que?” Karol questionou Fernando novamente olhando diretamente em seus olhos.
Fernando instintivamente sentiu um desejo de desviar o olhar, mas se manteve firme.
“Eu apenas não posso falar agora, mas prometo que falarei a respeito em breve.” Fernando se decidiu, quando eles terminassem essa missão ele falaria a verdade, mesmo que isso irritasse Raul.
Ouvindo a promessa de Fernando e vendo que ele parecia sério Karol sorriu e não falou mais a respeito.
Pela próxima meia hora todos trataram seus ferimentos e descansaram. A pior situação era a de Kelly, Noah e Fernando.
Kelly teve os espinhos removidos de sua perna, mas foi extremamente doloroso e ela acabou chorando bastante durante o processo. Os outros a consolaram e a acalmaram durante o procedimento. Felizmente ao tomar a poção de cura a dor foi anestesiada e ela finalmente pôde relaxar.
O caso de Noah foi o mais grave, já que a lança atingiu uma área perigosa, mas graças ao fato dele ter tomado a poção rapidamente ele não perdeu muito sangue. A ferida em suas costelas já estavam praticamente fechadas.
E por último Fernando. Ele sofreu um corte feio acima da sombrancelha. Porém o pior eram os hematomas roxos e verdes espalhados por todo seu corpo. Na hora ele não sentiu muito devido ao reforço de atributos e a adrenalina, mas depois da batalha ter acabado e ele ter relaxado as dores o atingiram ferozmente. Se não fosse pelo fato dele ter um corpo resistente devido a ser um Noviço esses ferimentos certamente não seriam tão superficiais.
No fim os 4 tomaram Poções de Cura Basica. Além deles Karol e Lance que sofreram vários arranhões também usaram a poção. Os outros estavam relativamente bem e evitaram tomar. Afinal o número de poções era limitado, mesmo juntando as duas equipes eles tinham apenas pouco mais de 40 poções. Sendo mais de ⅔ delas de Fernando. Afinal nem todo mundo tinha tanto dinheiro como ele, talvez as outras equipes não tivesse nem 1/10 disso.
Depois de tomar a poção todos descansaram. Já estava começando a anoitecer, então eles resolveram montar acampamento na antiga base dos goblins, estava bem suja então as meninas aproveitaram o pouco de luz que ainda restava para limpar o local, apesar de não estar muito limpo eles só tinham que se preocupar com ataques de um lado e era melhor do que acampar na mata. Os outros que já estavam recuperados se encarregaram de recolher os cristais dos goblins e queimar os corpos. Afinal manter tantos corpos ali poderia atrair animais e bestas.
No total eles recolheram 39 cristais, ao contar o número de cristais eles perceberam a quantidade absurda de goblins que eles haviam matado nessa unica batalha. Apenas olhando para o campo de batalha era impossível saber a quantia exata já que muitos dos corpos estavam aos pedaços. Esse era um número muito alto, principalmente levando em conta que durante o dia inteiro eles haviam conseguido apenas 23 cristais depois de muito sofrimento e ao fazer diversas emboscadas a grupos de goblins, mas numa única luta eles conseguiram quase o dobro!
Agora eles possuíam um total de 62 cristais de goblins e 1 cristal de javali.
Logo os rapazes amontoaram os corpos, Simon se aproximou e jogou alguma substância nos corpos e depois com uma espécie de pederneira ele jogou faíscas sobre a subtancia que se incendiou imediatamente.
O fogo era alto e queimava rapidamente. Todos se preocuparam que as chamas atrairiam mais coisas da floresta, felizmente ainda não havia anoitecido então havia tempo para que as chamas queimassem.
Fernando não sabia exatamente que substância Simon usou, mas foi extremamente eficaz e queimou os corpos com uma eficiência terrível. Em cerca de 1 hora restava apenas alguns ossos e as brasas do outrora monte de corpos. Nesse ponto já havia anoitecido e eles enterram as brasas e cinzas fumegantes para que não chamasse muita atenção na escuridão da noite.
Todos se amontoaram em alguns panos grossos sobre o chão. Estava um frio terrível, mas infelizmente eles não poderiam se dar ao luxo de acender uma fogueira depois que escureceu.
“Iremos nos revezar para fazer a sentinela durante a noite, serão duas pessoas por vez e devem trocar o turno a cada duas horas até o amanhecer. Assim todos terão tempo de descansar pelo menos 6 horas seguidas. Alguém quer ir primeiro?” Fernando perguntou.
“Eu vou primeiro!” Ronald disse, ele parecia preocupado com os que estavam feridos então se adiantou.
“Eu também.” Emily disse ao lado.
Na verdade tudo que ela queria era deitar e dormir. Seus dedos estavam calejados e seu ombro doía dos movimentos repetidos e da força de puxar a forte corda tensionada. Isso sem contar nas bolhas nos pés. Mas mesmo assim ela preferiu ir primeiro. Afinal em comparação com os outros que tinham que lutar de perto ela estava numa situação bem melhor.
No final Fernando decidiu o cronograma de quem iria em cada horário e os outros se amontoaram sobre os panos grossos forrando o chão e se cobriram com cobertores. Geralmente ao dormir na mata campistas e aventureiros optam por sacos de dormir ou barracas, mas isso era simplesmente impossível num lugar onde você poderia ser atacado a qualquer momento.
“Ughhh está tão frio.” Emily reclamou enquanto esfregava as mãos rapidamente. Mesmo após colocar o casaco que ela comprou na cidade o frio apenas diminuiu um pouco.
“Frio demais..” Ronald respondeu. Na verdade estava tão frio que ele nem tinha vontade de falar nada. Mas temendo que ele pudesse acabar apagando de cansaço ele ocasionalmente conversava com Emily.
Depois de algum tempo em silêncio Emily voltou a falar.
“Ronald, o que você acha? Esse mundo. Tudo isso, por que estamos aqui? Estou tão cansada de tudo isso.”
Ronald olhou para Emily que parecia apática.
“Eu não faço idéia. Talvez ninguém saiba. Nem mesmo os manda-chuvas dessas tais Legiões. Também estou cansado, mas essa é a nossa realidade, talvez agente morra agora ou depois, mas temos que continuar em frente.” Ronald respondeu secamente.
“Ei, você não é muito bom em encorajar Ronald! De repente me sinto mais depressiva ainda – Atchim! Ugh espero que eu não fique gripada.”
