Fernando, Raul, Arslan, Nina e os outros Oficiais retornaram ao exército. Ao saber que mais da metade dos Oficiais enviados à Cidade das Mil Flores foram mortos, o major Dimitri ficou furioso. Se não fosse pelo fato de estarem indo apoiar a Legião dos Leões Dourados ele teria sitiado a cidade e começado uma batalha de vida ou morte.
Até esse ponto as tropas da Cidade das Mil Flores já tinham se organizado e se estabeleceram fortemente sob as muralhas, prontos para se defenderem caso fossem atacados.
Apesar de furioso, Dimitri não era um tolo. Não só a Cidade das Mil Flores tinham mais tropas, cerca de 15 mil homens, número muito superior aos 9 mil vindos de Vento Amarelo, como sabia que toda cidade tinha pelo menos um general a protegendo.
Por hora a Cidade das Mil Flores mantinha-se quieta, mas se uma batalha estourasse, eles estariam em séria desvantagem. Além disso, todos sabiam que ao sitiar uma cidade inimiga, deve-se ter pelo menos o dobro das tropas defensoras para garantir uma conquista.
Mesmo não iniciando um ataque, Dimitri ordenou que as tropas varressem todas as plantações e colheitas no entorno da cidade. Os pobres agricultores e poucas tropas no exterior da cidade não resistiram, deixando que os soldados levassem tudo.
Quando a General das Mil Flores percebeu a intenção do inimigo, ficou estarrecida, mas manteve-se na cidade evitando um confronto. Nesse momento eles estavam pagando um pesado preço por suas ações.
Dimitri sabia que não agiriam, já que foram os únicos a atacar primeiro. Se um conflito total estourasse, a Legião Pantera sofreria pesadas sanções do Conselho Superior por causarem conflitos internos no continente humano em tempos de guerra com outras raças.
…
Numa enorme tenda, um homem estava sentado, com as pernas sob uma mesa cheia de mapas. Em torno dele havia cinco pessoas, Nina Baumer, Marlon, Argos, Fernando e o Sargento Túlio. Todos exceto Fernando tinham rostos nervosos, pois estavam na presença do Urso Tirânico.
Com a chegada de Raul, as rédeas do Décimo Terceiro Batalhão foram imediatamente para suas mãos, o que de certa forma agradou Dimitri. Atualmente, além de Raul, havia apenas dois outros Tenentes das Guarnições em meio a esse exército, e eram na Primeira e Segunda Guarnições, que para manterem seu status não hesitaram em enviar pessoas fortes.
“Heh, pensar que o capitão realmente promoveria vocês a Oficiais.” Raul disse, olhando para os rostos dos quatro. Os outrora Cabos dos únicos esquadrões nomeados da Décima Terceira haviam se tornado Oficiais, isso era algo que ele não havia sido informado de antemão.
Olhando para Fernando, que mantinha-se em silêncio, ele sorriu.
“Com certeza isso foi ideia daquela Bruxa.”
Todos olharam para Fernando, que era alvo do olhar do Urso Tirânico, mas mantinham-se em silêncio. Atualmente todos sabiam do que houve na Cidade das Mil Flores e sobre como ele havia liderado os outros Oficiais para uma fuga desesperada.
Depois do ocorrido, mesmo Nina não conseguia evitar de mostrar respeito para o jovem, não ousando olhá-lo nos olhos algumas vezes.
Boatos a respeito do Oficial do Pelotão Zero do Décimo Terceiro Batalhão espalharam-se entre os vários batalhões. Inicialmente muitos não acreditaram, mas quando o próprio Arslan Strauss do Primeiro Batalhão saiu em sua defesa, alegando que só sobreviveu graças a ele, os boatos se tornaram mais sólidos.
“Senhor, o Capitão e a professora disseram que você estava numa missão e que nos encontraríamos no fronte. Por que você nos encontrou aqui?” Fernando perguntou, num tom casual.
Todos não puderam deixar de olhar para o jovem com olhares temerosos, ninguém ousava fazer perguntas ao Urso Tirânico, nem mesmo Marlon que estava sob ele tinha tal ousadia. Quando Raul saia numa missão, ele geralmente sumia e aparecia como um fantasma.
“Oh, quanto a isso… Eu só tinha que matar alguém, como acabei antes do previsto, achei que seria melhor encontrá-los aqui.” Raul respondeu, num tom calmo e brincalhão.
Com a resposta inusitada, ninguém ousou falar nada.
“Entendo.” Fernando assentiu em compreensão.
Todos olharam para ele como se dissessem ‘entende o que?’
Nesse momento a Pulseira de Armazenamento de Raul brilhou levemente, sua expressão mudou um pouco.
“Parece que o Major quer me ver, vocês podem sair. Vamos partir ao amanhecer, descansem por hoje.”
Com o comando, todos rapidamente se dispersaram. Fernando retornou ao seu Pelotão, assim que o fez foi recebido por Karol que não teve a chance de falar com ele devido a movimentação do exército desde sua volta.
“Fernando!” disse, enquanto se jogava em seus braços e o apertava fortemente.
Inicialmente Fernando ficou meio consternado, pois todos os soldados olharam a cena espantados, já que não era do seu feitio ou de Karol demonstrar afeto publicamente, para manter uma certa ‘etiqueta’. Porém, ao ver o corpo trêmulo da mulher que amava, não pôde deixar de se importar menos com isso.
Rapidamente a abraçou com força, enquanto se aproximava de seus ouvidos.
“Está tudo bem, eu estou aqui agora.” disse, num tom de sussurro.
Ouvindo a voz suave de Fernando, Karol virou o rosto e o olhou nos olhos. Ela queria dizer algo, mas vendo os diversos olhares ao redor seu rosto ficou vermelho de vergonha. Ela havia agido por impulso naquele momento.
Fernando achou engraçado vê-la envergonhada e riu internamente, então sem se importar com os olhares a puxou para sua barraca pessoal.
Theodora, Tom, Noah e os outros estavam ansiosos para falar com seu líder, mas quando o viram entrar em sua tenda souberam que ele queria descansar junto a sua amada.
“Quando vimos as chamas e os sons de explosões, todos ficamos em pânico. Theodora queria liderar o Pelotão Zero em direção a cidade, mas o Sargento Túlio a barrou. Quase tivemos um conflito com ele e os outros Oficiais.” Karol disse, de forma ansiosa.
Fernando ficou surpreso ao ouvir isso, já que o Sargento Túlio não havia mencionado tal fato ou tentado repreendê-lo. Normalmente desacatos como esse seriam fortemente punidos.
Somente ao se lembrar do fato de que Raul havia se juntado ao Batalhão que ele entendeu, Fernando era conhecido por ser aluno de Gallia, somente algumas poucas pessoas sabiam que Raul também era seu mentor, uma dessas pessoas deveria ser Túlio.
“Está tudo bem, eu resolvo isso depois.” disse, sem preocupação. Se Raul não estivesse ali, ele estaria realmente aflito, mas com a presença do mesmo, sabia que não haveria repercussões.
“Fernando, o que exatamente aconteceu lá?” Apesar de já ter dado seu relatório a Raul, que repassou a Dimitri, ele não havia tido a chance de falar com seu pessoal diretamente, já que estiveram se movimentando em torno das Mil Flores saqueando suas plantações, sem fazer uma única pausa sequer.
“Isso…” Fernando hesitou por um segundo, mas ao ver o olhar brilhante e curioso de Karol, sabia que não precisava se conter. Ela era a mulher que ele amava, compartilhar suas experiências era o mínimo que poderia fazer.
Logo começou a contar sobre o que aconteceu na cidade, como foram emboscados, como ele derrotou uma Subtenente cortando sua mão e a capturando, mas então Fernando delicadamente omitiu como conseguiu as informações sobre a Legião dos Lobos de Batalha, tudo sobre Brakas era uma vergonha para ele.
Então continuou a falar sobre como planejou a fuga e sobre como causou incêndios na cidade, Karol manteve-se atenta, ouvindo palavra por palavra. Quando começou a falar sobre a Subtenente com Habilidades, sua voz parou por um momento.
Karol que estava com sua cabeça apoiada em seu peito, ouviu os batimentos cardíacos de Fernando acelerar, sua respiração parecia mais pesada também, como se tivesse lembrado de algo traumático.
Lembrando do rosto pacifico e calmo daquela mulher no momento final de sua vida, Fernando sentiu-se mal. Foi a primeira vez que matou alguém e sentiu-se arrependido por isso, mesmo sabendo que ambos eram inimigos e que não havia outra solução.
“Está tudo bem, você não precisa falar.” Karol disse, abraçando-o mais forte.
Ambos ficaram em silêncio, até que Karol adormeceu em seus braços. Pensando em como ele amava vê-la silenciosamente ao dormir, sabia que tinha sorte de estar vivo.
Se eu não tivesse matado, eu não estaria aqui, eu não poderia vê-la novamente… pensou consigo mesmo, tocando suavemente o rosto de sua amada adormecida.
Fernando sempre pensou que tinha conseguido fortalecer sua mentalidade e se adaptar a esse mundo, mas naquele dia entendeu que no fundo ainda era aquele jovem e fraco que fora no passado.
Ele odiava como esse mundo funcionava, se a legião mandasse, ele teria que matar, se a legião ordenasse ele teria que morrer. Sabia que aquela mulher que matou estava na mesma situação, todos estavam envolvidos numa roda sistemática e inescapável.
Rangendo os dentes, Fernando sentiu raiva, sentiu-se revoltado, mas no fim sentiu-se impotente. Se ele não tivesse poder, se não tivesse força, de que adiantaria ter raiva?
O mundo era governado pelos poderosos, se ele quisesse mudar algo deveria ficar mais forte, tão forte que ninguém ousaria enfrentá-lo. Com essa mentalidade em mente, decidiu-se que sobreviveria, não importa o que tivesse que fazer, contanto que pudesse proteger as pessoas que eram importantes a ele, nada mais importava.