Ao anoitecer, uma grande cerimônia foi criada no salão central de Belai. Inicialmente, por se tratar de algo relacionado aos Leões Dourados, seria um evento fechado entre as maiores patentes presentes na cidade, mas devido ao grande número de poderes que chegaram a Belai, pessoas importantes foram convidadas a participar, tornando a cerimônia maior do que o previsto.
Sentado em uma cadeira, dentro de um grande auditório, Fernando estava franzindo a testa, ainda irritado sobre a questão da venda dos cristais de Orcs Dobats.
Essa era uma questão complicada de se lidar, afinal, com os canais de venda dos Leões Dourados fechados, sua única opção era lidar com os comerciantes avarentos, que pretendiam pagar apenas 50% do valor de compra dos saques.
Fernando havia perguntado a Raul se havia alguma forma de lidar com isso, mas mesmo o Tenente suspirou, dizendo que era uma questão que estava além dele.
Sentado ao lado, Ilgner deu um tapa em seu ombro.
“Que tal sorrir um pouco, líder? Você é bem conhecido agora em Belai, muitas pessoas estão falando de você. Seria ruim se tivessem uma má impressão por causa da sua expressão estranha.”
Olhando para o sujeito loiro, que parecia um selvagem, Fernando ficou irritado.
Você deveria se olhar no espelho antes de falar de mim… pensou.
Nos assentos próximos, Tom, Theodora, Noah e Gabriel estavam sentados. Tom e Gabriel estavam incomodados, pois havia uma grande quantidade de olhares em direção ao grupo.
“Aqueles são os membros do tal Pelotão Zero que tanto se falam? Tirando o loiro estranho, o restante parece um bando de crianças que mal saíram das fraldas.” Um homem velho disse, fumando um uma espécie de charuto.
Outros homens começaram a rir em seguida.
Fernando, que não estava muito longe, lançou um olhar gelado em direção aos velhos. Que apenas devolveram olhares brincalhões em resposta.
“Líder, você quer que eu cuide deles?” Theodora disse, num tom alto o suficiente para que os homens escutassem, em suas mãos uma pequena adaga movia-se com agilidade, como se estivesse viva.
“Esse não é o lugar para isso.” respondeu.
Ouvindo isso os homens ficaram perplexos. Pensaram que o jovem iria engolir sua raiva e repreender sua subordinada, mas ele apenas disse que ‘ali não era o lugar para isso.’ O que significava que se não estivessem num salão de cerimônia…
Os homens imediatamente ficaram pálidos, mesmo sendo comerciantes com algum sucesso, com guardas pessoais, ser ameaçado dessa forma ainda deixava um gosto amargo na boca, além de um medo inato.
Quando o homem com o charuto estava prestes a levantar e fazer uma reclamação a guarda do salão, uma comitiva de pessoas entrou no auditório.
“Peço perdão a todos por fazê-los esperar.” Um homem velho, mas com um rosto e roupa dignos disse, destacando-se da comitiva.
Abaixo, havia mais de mil pessoas, entre Cabos, Oficiais, Tenentes, Subtenentes e afins. Além é claro, de comerciantes, representantes de guildas, de legiões e muitos outros poderes.
“Antes de mais nada, gostaria de agradecer a presença de todos aqui. Eu sou Wayne, General dos Leões Dourados.”
Quando o público ouviu isso, um pequeno alvoroço, cheio de discussões, explodiu.
General Wayne era um dos grandes generais da Legião dos Leões Dourados, era dito que ele foi cotado para ser o General Supremo na campanha contra os Orcs. Entretanto, muitas pessoas dentro do Conselho da Cidade Dourado foram contra, indicando Dimas Ortega para a posição.
Essa foi uma decisão que gerou grande polêmica dentro dos Leões Dourados, muitos Generais, assim como cidades vassalas apresentaram contestações, afinal, as conquistas de Wayne eram grandes e numerosas, em comparação, Dimas nunca apresentou um desempenho bom no campo de batalha, sempre envolvido em políticas internas.
Mesmo com as vozes dissonantes, a Cidade Dourada foi firme em sua decisão, mantendo assim a indicação de Dimas Ortega.
Aguardando as pessoas se acalmarem, Wayne continuou.
“Hoje eu venho aqui, em nome da Cidade Dourada, felicitar e parabenizar as conquistas que obtivemos em Belai. As tropas da cidade conseguiram defendê-la por dias mesmo sob o cerco pesado, resistindo e aguardando. E é claro, seus esforços foram recompensados. O primeiro exército de apoio, consistindo nas tropas lideradas pelo Major Dimitri, chegaram e lutaram bravamente. Derrotando milhares de Orcs e até mesmo um Orc Lord sucumbiu perante as mãos do Major.”
Cochichos e conversas paralelas começaram quando o General fez essa declaração. Muito se era falado a respeito da queda do Orc Lord, mas muitos atribuíram isso à sorte, ou até mesmo uma invenção por parte dos Leões Dourados, para trazer fama à legião.
“Também gostaria de, em nome dos Leões Dourados, agradecer ao Cavaleiro Branco, Sir Ferman, da Legião Condor. Mesmo com sua idade avançada, ele lutou bravamente e proporcionou tempo para a chegada do Major. Infelizmente o Sir, devido a suas condições físicas não pôde comparecer, mas agradeço a comitiva da Legião Condor em seu nome.” Wayne disse, levantando uma taça em direção a um grupo sentado na frente.
Um dos homens sentados levantou, erguendo sua própria taça em resposta.
“A Legião Condor obviamente sempre irá ajudar aqueles que precisam, esperamos que os Leões Dourados lembrem-se desse favor.” O homem disse, com uma voz aguda.
Wayne sorriu em resposta, mas muitos atrás em sua comitiva franziram a testa. O homem abaixo era Berton Tenari, a ‘escolta’ que a Legião Condor enviou para Sir Ferman. Em suas palavras estava claro o significado subentendido. A Legião dos Leões Dourados devia um favor à Legião Condor e a segunda iria cobrá-lo num momento futuro.
Até mesmo o General Telles, ao lado do palco, franziu a testa com a ousadia de Berton. Mesmo que fossem uma das Dez Grandes Legiões, as mesmas não poderiam impor ordens diretas às outras legiões a menos que as mesmas se tornassem vassalas. Mas o sujeito havia sido experto, alegando que a presença de Sir Ferman em Belai era algo premeditado em comum acordo entre as duas legiões.
Caso Wayne negasse o fato, iria parecer que estava fugindo da responsabilidade e se negando a devolver o favor, o que iria levar a honra da Legião dos Leões Dourados a ruína.
Apesar desse mundo parecer ser movido pela força e pelo poder, a opinião pública não poderia ser ignorada. A força das legiões dependiam em grande parte da sua capacidade de recrutar novas pessoas e atrair talentos. Uma legião com uma péssima reputação, evidentemente teria dificuldades nesses dois pontos, levando seu poder a ser corroído aos poucos.
“Mas é claro, em tempos de crise nós humanos, devemos sempre ajudar uns aos outros. O importante é claro é vencer os Orcs. Tenho certeza que nenhum poder irá levar em conta suas questões pessoais acima do bem maior e nem tentará colher benefícios na tragédia de outros. Como parte dos Leões Dourados, eu posso afirmar que iremos cumprir nossos compromissos levando isso em consideração.” Wayne respondeu, sorrindo.
A resposta polida do homem fez a expressão de Berton escurecer. Wayne havia alegado que a ajuda da Legião Condor era parte da união coletiva entre humanos e que era a obrigação moral de todos. Não só isso, mas que os Leões Dourados iriam cumprir seu papel, contanto que não houvesse tentativas de ganhos em prol de benefícios próprios. Dessa forma, os Leões Dourados haviam firmado um compromisso, mas ao mesmo tempo poderiam fazer alegações futuras para contorná-lo.
Fernando, que estava sentado em meio ao público, mesmo sendo um jovem inexperiente em muitas questões, tinha um raciocínio rápido e pôde entender facilmente a disputa política entre os dois. Isso o deixou extremamente enojado.
Tantas pessoas morreram em Belai, morreram para salvar vidas inocentes e esses inúteis tentam colher ganhos sob seus cadáveres!! Esse mundo é tão… podre! Fernando pensou, rangendo os dentes e apertando os punhos com força.
Ilgner que estava ao lado direito, bem como Theodora, que estava ao lado esquerdo, perceberam o comportamento incomum de Fernando. Mesmo que seu jovem líder fosse difícil de ler na maior parte do tempo, certas vezes seus pensamentos seriam tão claros quanto água cristalina.
Apesar de entenderem o desagrado do jovem, não disseram nada. Eles, como pessoas que já viveram por anos nesse mundo corroído pelos interesses e pelas vontades dos poderosos, sejam eles humanos, ou não, já estavam acostumados a tudo isso. Mas ao verem a falta de vontade, a ira e a resiliência de Fernando em aceitar isso, sentiram-se cheios de energia.
Esse era um dos motivos que fizeram ambos seguir esse jovem líder. Nele poderiam ver algo diferente, algo que as pessoas comuns não carregavam. Uma mágoa em direção ao mundo, em direção a suas podridões e uma vontade inerente de mudá-lo. Talvez alguns considerassem isso inocência, outros tolice, mas sentiam que independente disso, haviam feito suas escolhas há muito tempo.
“Bem, prosseguindo.” Wayne disse, depois de trocar palavras com o enviado da Legião Condor. “Acredito que todos aqui pensam o mesmo, mas a vitória que obtivemos em Belai é significativa e muito impressionante. E claro, o principal responsável por ela, Major Dimitri, deve receber uma recompensa a altura de suas conquistas. Major, por favor, a frente.”
Com isso, Dimitri, que estava sentado, levantou-se. Uma expressão cheia de desagrado em seu rosto.