Fernando, que tinha algemas pesadas em seu pulso, mantinha um rosto calmo. Sentindo o toque frio do ferro das algemas, sabia que eram feitas de um material especial. Algemas de Evral, também conhecidas como aço anão.
Evral era um material extremamente procurado em toda Avalon. Suas propriedades estranhas permitiam-lhe não só ser extremamente resistentes, como inibir e dispersar o mana.
Pessoas presas com esse tipo de material não conseguiriam usar magia facilmente.
Fernando obviamente já havia ouvido falar desse material. Depois de se tornar Tenente, ele vinha aprendendo sobre uma série de coisas das quais nunca havia ouvido falar.
“Olha para ele. Pensar que mal foi nomeado Tenente e já está acabado.” Um dos soldados disse, numa mistura de pena e remorso.
“Tanto faz, isso foi escolha dele. Aqueles que vão contra a legião devem ser punidos. Não é nosso trabalho nos importar com lixo de quinta.” Outro respondeu, com desagrado.
O primeiro guarda franziu a testa ao ouvir isso.
“Você sabe que só está respirando agora por causa desse “lixo de quinta”, certo?”
Ouvindo isso, o outro homem teve uma leve mudança de expressão, mas não respondeu. Ambos sabiam desse fato. Não só eles, toda Belai sabia das contribuições de Fernando e de outras figuras importantes para a salvação da cidade.
Apesar disso, também sabiam que as leis do Salão e da Legião eram supremas, salvo em algumas raras ocasiões, ninguém poderia infringi-las e sair impune. Ser o responsável pela morte de várias pessoas dentro das muralhas era algo terrível, mas destruir uma guilda inteira era algo que ia muito além dos limites toleráveis. Ainda mais em tempos de guerra, onde a atuação das guildas era extremamente vital para as cidades do fronte.
Contar apenas com as tropas da legião para a defesa, era um sonho tolo que nenhum General do fronte ousava ter. Por isso, guildas eram um recurso tão importante.
Usando as guildas que estavam em busca de reconhecimento e dinheiro, as cidades do fronte conseguiam reunir mão de obra capaz e qualificada. Algo que seria impossível apenas abrindo recrutamento.
Com a destruição da Guilda Fúria pelas mãos do Batalhão Zero, uma situação complicada havia acontecido. Se o batalhão não fosse punido, a credibilidade de Belai e dos próprios Leões Dourados iriam cair muito, o que poderia levar a muitas guildas abandonando as cidades.
Por outro lado, Fernando e os membros do Batalhão Zero haviam sido uma força importante na defesa de Belai. Se eles fossem jogados ao ostracismo, a moral das tropas e a reputação do Salão de Belai para com o povo poderia ser arruinada.
Não muito tempo depois, Veros, chegou em um dos edifícios do Salão de Belai, acompanhado de alguns guardas que levavam o prisioneiro, Fernando, em custódia.
Parando ao lado do jovem Tenente, Veros tinha um rosto complicado. Ao mesmo tempo que detestava as atitudes indisciplinadas do jovem, também via um grande potencial nele. Por isso, o que estava prestes a acontecer era algo que não o agradava.
“As suas ações de hoje causaram ondas em toda a cidade. Devido a isso, um Tribunal Militar foi criado com emergência para julgar suas ações.”
Fernando levantou uma sobrancelha, olhando para o homem, mas sua expressão se mantinha indiferente.
Suspira
Vendo as atitudes do jovem, o Major desistiu de tentar falar algo para assustá-lo e deixá-lo cauteloso. Pessoas como ele, que eram inconsequentes e sem medo, eram as mais difíceis de lidar. A melhor maneira dessas pessoas aprenderem era depois de sofrer.
“Entre.” disse, empurrando-o em direção aos guardas na entrada do Salão.
Com o rosto erguido, Fernando adentrou no grande salão com o Major Veros logo atrás. Assim que o fez, foi contemplado pela visão de dezenas de pessoas, incluindo o General Dimitri, General Telles e muitas outras figuras importantes.
O local todo era oval e as cadeiras organizadas em assentos que iam do lado direito ao esquerdo, de forma que o ‘julgado’ estava sendo observado de todos os lados.
Levantando-se, Telles olhou para o jovem, com uma expressão escura.
“Agora, daremos início ao julgamento do Tenente Fernando, bem como do Batalhão Zero!”
—
Nos escombros da Guilda Fúria, as tropas do Batalhão Zero viram-se acuadas pelas tropas do Salão de Belai.
“Libertem os sobreviventes. A rixa que vocês tiveram está resolvida, vamos encerrar isso por aqui.” Um capitão, responsável pelas tropas após a saída de Veros, disse.
Noah tinha um rosto franzido. Não só Fernando havia sido preso, como as tropas de Belai estavam os ameaçando para liberar as tropas da Guilda Fúria.
“É melhor fazermos isso, tentar resistir só vai piorar tudo.” disse, depois de alguma contemplação.
Gabriel e os outros membros, de alto escalão, ficaram em silêncio. O melhor era ceder ao Salão e encerrar de uma vez por todas o conflito.
“Isso vai acabar assim? Não vamos fazer nada? Se libertarmos essas pessoas, quem garante que não virão atrás de nós em busca de vingança? Além disso, foram eles que buscaram problemas conosco, por que estamos sendo tratados como os errados aqui?” Leo disse, cheio de raiva.
Suas palavras assertivas fizeram com que todos ficassem incomodados.
“E quem disse que não vamos fazer nada?” Argos disse, com um leve sorriso confiante.
Todos olharam para o homem, que tinha um ar de confiança ao seu redor.
Devido aos antecedentes de Argos, muitos dos membros centrais do Batalhão Zero, que sabiam do que houve, tinham alguma desconfiança em sua direção. No entanto, como Fernando dava-lhe tanta confiança, só restava a eles que aceitassem isso, mas as sementes de dúvidas nunca haviam sumido completamente.
Apesar disso tudo, Fernando havia delegado o comando a Theodora com Argos como seu assistente. Esse fato, somado às estratégias do sujeito, fizeram alguns terem alguma expectativa.
“O que você propõe?” Ronald disse, com um rosto calmo.
Ao contrário do que todos esperavam, sua resposta não agradou.
“Vamos libertá-los.” disse, com um sorriso gracioso e calmo.
Vendo os rostos irritados de todos ao seu redor, Argos continuou, sem se preocupar.
“Mas antes disso, vamos confiscar 90% de tudo que carregam. Assim, se quiserem tentar algo contra nós no futuro, terão muito mais dificuldades. As tropas de Belai também não irão se opor, e caso o façam, podemos alegar que essa é a restituição devido as nossas perdas.”
Todos olharam para o sujeito com espanto.
“Você é mais cruel do que eu imaginava…”
Lenny comentou, surpreso.
Retirar as economias e recursos dos sobreviventes da Guilda Fúria era o mesmo que jogá-los no fundo do poço. Para aqueles mais fracos, até sobreviver seria difícil depois disso, muito menos buscar vingança.
Argos abriu um leve sorriso em resposta ao comentário.
“É apenas meu dever.”
Desde que Fernando havia dado-lhe uma segunda chance recrutando-o, Argos havia tomado uma decisão, não mais ele viveria uma vida medíocre.
Se eu vou servir a alguém, então vou tornar essa pessoa grande, tão grande que os gigantes se esconderão sob sua sombra. Toda Avalon saberá seu nome um dia!
Ao contrário de suas aspirações mais profundas, Argos mantinha uma fachada calma e sorridente.
“Façam isso.” Theodora disse, com os braços cruzados, enquanto olhava para o sujeito.
Ambos já haviam tido rixas pesadas um com o outro, mas em determinado ponto, começaram a se entender de uma forma que ia muito além de palavras.
De certa forma, Theodora e Argos carregavam passados similares. Enquanto a própria Medusa havia se infiltrado nas terras dos homens a mando dos Elfos Negros, Argos também havia sido um espião dos Lobos de Batalha, e no fim, ambos traíram seus mestres para servir a uma única pessoa, Fernando.
Como pessoas que compartilhavam experiências e vivências semelhantes, era fácil para um entender as intenções do outro.
Ela não mais desconfiava de Argos, sabia que o sujeito estava verdadeiramente trabalhando pelo bem do Batalhão Zero. Sendo assim, autorizou suas demandas.
“O quê? Vocês já saquearam nossa guilda, mataram tantos de nós e ainda confiscam nossos pertences?!” Um soldado rendido gritou, em pânico.
“Malditos covardes!” Outro rugiu de fúria.
Os ânimos se acenderam nas tropas rendidas, enquanto os soldados de Belai acompanhavam a liberação dos rendidos.
Aqueles que tiveram 90% de seus bens apreendidos tentaram recorrer às tropas de Belai, mas tudo que receberam foi um tratamento frio.
“Agradeçam por estarem vivos, não sejam gananciosos.” O Capitão encarregado das tropas de Belai disse, num tom irritado.
A verdade, é que apesar de condenarem as ações precipitadas do jovem Tenente, muitas pessoas do exército de Belai também apoiavam sua atitude.
Um Tenente que inicia uma guerra com uma guilda inteira apenas por causa de um Cabo de baixo escalão. Para muitos, isso poderia ser considerado tolice, mas para aqueles no meio militar, isso era lealdade e irmandade, algo que era cada vez mais raro nesses tempos sombrios de guerra e matança.
Com o fim da liberação das tropas rendidas, as tropas de Belai permitiram a passagem do Batalhão Zero de volta a sua Residência de Guilda.
Apenas algumas horas após o fim dos acontecimentos, toda a cidade sabia sobre a disputa que houve entre o Batalhão Zero e a Guilda Fúria.
Tanto a população, quanto os poderes locais e externos, que estavam de passagem, acompanharam de perto qual seria a decisão do Salão de Belai. As Guildas de Informações, em especial, estavam em chamas, esperando para vender esse ‘furo’ para as pessoas.
Guildas de Informações não só coletavam e vendiam informações aos grandes poderes, mas também a população em geral por meio de folhetos contendo os últimos grandes acontecimentos.
Mesmo que o cidadão médio não pudesse pagar para saber das coisas secretas que ocorriam nos bastidores, folhetos de notícias com informações relevantes eram outra história, pois custavam apenas poucas moedas de cobre e eram um meio mais confiável de se informar do que boatos.
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Dentro do grande Salão de Belai:
O General Telles tinha um rosto sério e imponente, junto a Dimitri, que estava ao seu lado.
“Então, por decisão unânime do tribunal, Fernando Nobrega e seu Batalhão Zero são considerados culpados!”