Dentro do grande salão oval, o julgamento militar de Fernando estava ocorrendo.
“O Tenente Fernando Nobrega, líder do Batalhão Zero, é acusado de incitação a desordem, quebra de hierarquia, revolta, levante de armas, derramamento de sangue dentro das muralhas e assassinato. Sendo a principal vítima a Guilda Fúria, quase todo o alto escalão foi morto e boa parte dos membros comuns também cairam no confronto que ocorreu nesta manhã.” Um Capitão, responsável pela acusação, disse.
“Deem suas opiniões, senhores.” O General Telles falou. Como maior autoridade da cidade de Belai, suas palavras eram lei, abaixo apenas das ordens diretas da Legião dos Leões Dourados.
“Ele deve ser punido, mande-o para as celas, deixe-o apodrecer lá. A mancha na reputação da cidade, que nos foi inflingida hoje, não pode ser apagada com punições brandas.” Um Major mais velho disse, seu rosto enrugado mostrava que havia servido por muitos anos.
“Se o punirmos dessa forma, o povo se revoltará. Não esqueçam que o jovem ajudou a proteger Belai, sua fama na cidade é muito grande.” Major Veros falou, com uma voz calma.
Fernando, que viu isso, ficou levemente surpreso. Pela forma que o sujeito havia o tratado anteriormente, pensou que o mesmo dificultaria sua vida, mas pelo contrário, estava falando a seu favor.
“Se não o punirmos, quais guildas ousarão se estabelecer em Belai no futuro? Que tipo de mensagem isso passa a eles? Que qualquer membro dos Leões Dourados pode dizimar guildas e não haverá consequências! Isso é absurdo. O fato de eu não sugerir que o réu seja morto imediatamente é em consideração a suas contribuições, se fosse qualquer outro, a morte seria a única escolha!” O Major mais velho esbravejou, cheio de raiva.
Veros, ficou em silêncio, em resposta à acusação do outro Major. Assim como o primeiro disse, tanto Belai, como outras cidades do fronte, dependiam das guildas, perder seu apoio seria o mesmo que caminhar para sua própria destruição.
Dimitri, que estava sentado ao lado de Telles, tinha uma expressão calma e desinteressada.
“General Dimitri, o que você pensa a respeito? O Tenente vem de Vento Amarelo e está sob sua hierarquia, antes de qualquer punição, é adequado consultá-lo.” Telles perguntou ao homem, ao ver que o mesmo não pretendia se envolver na discussão.
Dimitri levantou a cabeça, olhou para Telles e, então, para Fernando, que estava no centro do salão, preso a algemas. Depois de um breve silêncio, começou a falar.
“Mesmo que esteja sob meu comando, os crimes cometidos são em suas terras. Você tem total autoridade para punir o patife como achar melhor, General Telles. Mesmo que você o sentencie a morte, não vou intervir.” disse, sem qualquer indicação que defenderia Fernando.
Esse posicionamento de Dimitri chocou muitas pessoas no local.
Fernando, em específico, não esperava qualquer palavra de graça vindo de Dimitri, mas ver que o sujeito havia aberto mão de levantar qualquer defesa a seu favor ainda o deixou decepcionado. Apesar disso, sua expressão mantinha-se cheia de indiferença.
Ouvindo isso, Telles assentiu, então, olhou para o jovem.
“Tenente Fernando, caso queira se defender, agora é a hora.”
O jovem Tenente levantou o rosto, olhando para todos naquele lugar.
“Vocês dizem que precisam me punir pelos meus atos para que eu sirva de exemplo e satisfaça as outras guildas.” disse, num tom elevado, com uma expressão fria. “A Guilda Fúria estava agindo de forma indiscriminada sob seu território, ao ponto que ousaram sequestrar membros dos Leões Dourados em suas próprias terras! Então me digam, quem será punido pelos atos da Guilda Fúria?”
As palavras de Fernando fez todos no tribunal ficarem em silêncio, mesmo o velho Major não ousou abrir a boca.
A verdade é que atos excessivos não vinham acontecendo apenas por parte da Guilda Fúria. Nesse momento, havia um turbilhão de poderes presentes em Belai e muitos agiam de forma arrogante, tornando o controle da situação difícil.
O Salão de Belai, obviamente, estava ciente de muitos desses atos, mas por receio de afastar as guildas ou ofender os poderes, acabou por fingir não saber de nada.
“Já basta. Irei agora anunciar minha decisão.” Telles falou, com um ar arrogante. “Fernando Nobrega, você está sentenciado a…”
Bang!
No momento em que Telles estava prestes a dizer a sentença, o par de grandes portões foi aberto à força.
“Quem ousa!” O Major mais velho gritou, enfurecido.
Nesse momento, um homem alto, com cabelos brancos, armadura prateada e uma altura superior à maior parte dos homens, adentrou no local, sua aura era imponente e digna. No entanto, suas costas levemente curvadas mostravam que os sinais de idade haviam chegado a ele.
“Hoho, perdoem minha intrusão, mas tenho assuntos a resolver aqui.”
Todos olharam perplexos para a cena. A pessoa que adentrou no local não era outra senão o Cavaleiro Branco, Sir Ferman.
Mesmo o Major mais velho, que estava prestes a gritar insultos, engoliu suas palavras com força.
Fernando ficou surpreso ao ver o velho, que caminhou até o centro do salão. Ao passar por ele, o velho piscou o olho esquerdo, enquanto tinha um sorriso gentil no rosto.
Nesse momento, Telles, Dimitri, Veros e todos no local levantaram-se de seus assentos, em sinal de respeito.
Mesmo que Ferman fosse da Legião Condor, o status de Cavaleiro era um símbolo que simplesmente carregava muita grandeza. Além disso, o próprio homem era o maior responsável pela sobrevivência de Belai.
“Sir Ferman, qual o motivo de sua visita?” Telles perguntou, de forma educada.
Se qualquer General de outra legião ousasse invadir o Salão de Belai daquela forma, seria considerado uma afronta. Mas contra um Cavaleiro, ainda mais um ao qual Telles devia tanto, jamais ousaria levantar sua voz contra.
“Hm, bem… Soube do ocorrido envolvendo o jovem Tenente Fernando, então, o motivo da minha visita é simples, libertem o rapaz.” disse, com um sorriso.
As palavras de Ferman soaram como um trovão no local.
“S-sir Ferman, mesmo que seja o senhor… Você não pode intervir, esse assunto… Diz respeito aos Leões Dourados e a Belai.” O Major mais velho falou, quase gaguejando.
Os olhos do Cavaleiro Branco voltaram-se para o Major. Mesmo que fosse de conhecimento comum que as forças do homem haviam se exaurido após a última batalha, o Major ainda sentiu como se tivesse caído num mundo de gelo.
“O rapaz é jovem e talentoso, tenho certeza que a eliminação de uma guilda corrupta não é motivo suficiente para uma punição pesada.”
As pessoas no local ficaram estarrecidas. Ferman havia dito com todas as palavras ‘guilda corrupta’, o que era o mesmo que dar um tapa na cara do Salão de Belai. Afinal, se existia uma guilda corrupta, isso era culpa deles, assim como a responsabilidade do atrito entre ela e o Batalhão Zero.
Vendo que o ambiente estava a seu favor, Ferman continuou.
“Que tal isso, o jovem e seu batalhão podem ser considerados culpados por agirem de forma precipitada, mas como houve justificativa por seus atos, ele deve ser punido de forma que não restrinja sua liberdade pessoal ou integridade física.”
Telles e todos no local não sabiam como responder. O pedido de Ferman era de que Fernando e seus homens não fossem presos ou mortos, contanto que isso não acontecesse, qualquer outra punição seria aceitável.
Olhando para todos no local, que não ousavam contrariar o Cavaleiro Branco, o salvador de Belai, Telles suspirou consigo mesmo.
“Então, por decisão unânime do tribunal, Fernando Nobrega e seu Batalhão Zero são considerados culpados!” disse, com uma leve pausa. “Devido ao pedido de Sir Ferman, somado a suas contribuições, sua punição será abrandada.”
Ouvindo isso, Ferman assentiu, com um sorriso satisfeito.
Fernando, que viu tudo isso acontecer, ficou estupefato. Ele e o velho não tinham qualquer grande ligação, então era estranho que o mesmo fosse tão longe para ajudá-lo.
“Tenente Fernando Nobrega, por seus atos indisciplinados, você e seu Batalhão Zero estão banidos por tempo indeterminado de Belai. Não só isso, caso o General Dimitri concorde, sugiro que como uma extensão de sua punição, seu batalhão seja designado como parte das tropas avançadas de exploradores na próxima incursão.”
Dimitri, que estava ao lado, assentiu.
“Eu concordo.”
Ouvindo a confirmação do homem, Telles continuou
“Com isso, o julgamento está encerrado.”
Clapt! Clapt!
“Hm, hm, ótimo, ótimo.” O Cavaleiro Branco disse, aplaudindo.
Após isso, Ferman aproximou-se de Fernando, apertou as algemas em seus pulsos, estilhaçando-as como se fossem feitas de isopor. Então, pegou o jovem pela armadura na região atrás do pescoço, levantando-o no ar como uma criança.
A grande altura de Ferman realmente fazia com que Fernando parecesse uma criança em suas mãos.
“Se me dão licença, tenho assuntos a resolver com o rapaz.” Após dizer isso, saiu do salão carregando o jovem Tenente.
Todos viram aquela cena estupefatos. O próprio Fernando sentia-se como uma criança que havia aprontado, então foi mandado para a diretoria e seus pais chegaram para buscá-lo.