A mão de Fernando, terminando de usar a Magia de Cura para tratar o Lance, parou de brilhar.
O homem se levantou e pisou fortemente no chão, percebendo que seu tornozelo estava completamente curado.
“Vão em frente, logo os alcanço.” O jovem Tenente disse.
O pequeno grupo de cinco se entreolhou, mas não questionou a ordem, saindo rapidamente em direção onde Noah e os outros estavam.
Após ficar sozinho, a expressão calma e impassível de Fernando mudou, tornando-se fria como o gelo. Erguendo sua mão direita, um portal negro surgiu.
“Tenho uma tarefa para você.”
…
“Hah!” Karol rugiu, quando sua lança prateada, banhada em sangue, foi puxada para o alto. Abaixo dela, tendo leves espasmos, estava o corpo do menor Ciclope do grupo, que logo ficou completamente imóvel.
Pouco atrás, também em cima da gigantesca criatura, na região das costas, Noah puxou sua espada cravada.
“Foi um belo golpe.” elogiou, em direção à garota.
Karol sorriu fracamente, mas não respondeu.
Apesar de odiar isso, há muito tempo ela havia aceitado que precisava matar para viver. Ironicamente, com o treinamento de Anane, seu domínio e manuseio com a lança estavam melhorando a passos largos. Isso, somado a seus atributos altos, faziam-na cada vez melhor no que odiava.
Gabriel, Ronald, Emily, Lina e alguns outros estavam em torno do Ciclope. Foi graças ao trabalho em conjunto do grupo que eles haviam dado a oportunidade de Noah e Karol matar a criatura.
Os pedaços de carne e sangue espalhados por todo o lado, bem como as feridas não curadas por todo o corpo da coisa, mostravam quão brutal havia sido a batalha.
Girando sua lança com a ponta dos dedos, Karol saltou da cabeça. Ao pousar no chão, arrumou alguns fios soltos, de seu cabelo preso, com a mão esquerda, colocando-os atrás da orelha direita.
Gabriel não pôde deixar de olhar admirado para essa cena. Os longos cabelos castanhos escuros da mulher, somado ao seu corpo escultural, devido ao treinamento extenuante como lanceira, pouco a pouco fizeram-na passar uma sensação completamente diferente de antes, cheia de ímpeto.
“Ahem!” Kain limpou a garganta, cutucando Gabriel com o cotovelo. “Pode olhar, mas não vai babar…”
“É só admiração.” O Oficial coçou a cabeça, envergonhado.
“Se o Tenente te pegar ‘admirando’ a mulher dele, não vai acabar bem.” O homem avisou, com alguma malícia. “Imagina só, aquele olhar de peixe morto te vendo babando desse jeito.”
Ao imaginar os olhos frios de Fernando, o observando com seu rosto pálido e uma expressão vazia, sentiu um arrepio frio se espalhando em sua espinha.
Essa característica do jovem Tenente era comumente comentada entre os membros do Batalhão.
“Não brinca com isso.” Gabriel respondeu, desviando o olhar para o mais longe possível de Karol.
Bam!
Pousando no chão com sua armadura e escudo pesados, Noah levantou sua espada, apoiando-a no ombro.
“Vamos para o próximo.”
“Parece que não precisamos.” Emily falou, olhando na direção do grupo de Trayan.
Do outro lado, um grande Ciclope estava caindo no chão, enquanto Trayan, Leny e Leo subiam no corpo da criatura. Archie, Ugo, Louise e alguns outros atacavam a criatura de todos os lados.
Mesmo que os Ciclopes tivessem um fator de cura absurdamente assustador, era necessário o consumo de mana constante para mantê-lo ativo. É por isso que normalmente se caçava essas criaturas em grandes grupos. Com ataques contínuos de todos os lados, uma hora o mana começaria a se esgotar.
Com Trayan sendo um experiente ex-Vice-Líder da Guilda Valorosos, sabia as melhores maneiras de caçar esse tipo de monstro.
No entanto, Emily e os outros, que achavam que estava tudo acabado, tiveram uma surpresa, quando o Ciclope enfraquecido e a beira da morte, entrou num frenesi ao ver um dos Cabos em sua linha de visão.
“Cuidado!!” Karol gritou de longe, com seu rosto assustado.
“Wagh!”
O outro grupo, que estava longe, não conseguiu ouvir, apenas perceberam que havia algo de errado quando a criatura gritou. Então, com suas últimas forças, a coisa usou seu braço esquerdo.
Bam!
O pobre Cabo, que achou que a luta havia acabado, mal conseguiu entender o que estava acontecendo, quando um grande punho o atingiu em cheio, jogando-o para longe.
“Pietro!!” Leny gritou, com uma voz rouca, ao ver o seu companheiro e ex-membro da Guilda Valorosos sendo atingido.
A expressão de Trayan ficou rígida, mas seus olhos firmaram-se em seu objetivo. Erguendo sua espada, embebida em um mana alaranjado, nebuloso e disforme, atacou.
Sha!
Sem sequer chegar ao seu objetivo, uma linha de vapor quente e tão denso que era palpável, partiu de sua lâmina, perfurando com ferocidade contra a nuca da criatura.
O olho do grande Ciclope, que ainda estava focado no humano que atingiu, revirou para trás, quando sua cabeça caiu para frente. A parte de trás de seu crânio estava exposta, enquanto um vapor efervescente fumegava, como se seu cérebro tivesse sido cozido internamente.
Karol, Noah, Emily e os outros chegaram correndo, se aproximando de Leny, que já estava ao lado do homem chamado Pietro, colocando-o em seus braços.
“Ele est-” A pequena arqueira ruiva, que chegou primeiro, estava prestes a perguntar a situação do sujeito, quando viu o estado de seu rosto, completamente deformado, assim como a armadura de seu peito, afundada para dentro.
Louise, Archie e alguns outros se aproximaram logo após se certificarem que o Ciclope estava realmente morto, mas ficaram em silêncio ao verem o estado do homem.
Trayan, que foi o último a chegar, tinha uma expressão complexa. Havia uma clara tristeza em seu semblante, mas, ao mesmo tempo, um indício de aceitação.
“Ele foi descuidado… Preparem-se, não temos tempo a perder, temos que ir ajudar o Sargento Thomas em seguida, assim como o Tenente e os Subtenentes.” falou, com uma voz calma.
Para alguns, principalmente os membros mais antigos do Batalhão Zero, que vieram a Avalon a pouco mais de um ano, seu jeito de falar e modo soavam muito frios. Entretanto, para aqueles que viviam naquele mundo há mais tempo, isso era apenas normal.
Archie tinha um rosto pálido, enquanto olhava fixamente para o corpo morto do homem que estava lutando ao seu lado minutos antes. Suas mãos ficaram trêmulas, seu coração palpitante e aos poucos sua respiração começou a acelerar, então tocou seu ombro direito, lembrando-se do que aconteceu dias antes.
A sensação sufocante só diminuiu quando sentiu um toque suave em sua mão. Olhando para o lado, viu os olhos cristalinos de Louise, que pareciam dizer-lhe para acalmar-se. Só ao ver o rosto angelical da garota loira é que sua respiração lentamente diminuiu.
Ugo, que não estava longe, viu tudo isso com um olhar triste, então suspirou.
“Ei, o que tá rolando? A festa acabou? Baita cara de velório a de vocês.” Uma voz alta e marcante soou, era o Lance, acompanhado de Kelly e os demais.
Trayan e Leny olharam com alguma raiva para o sujeito, mas suas expressões mudaram ao ver o homem totalmente sujo de lama e com sua prótese destruída.
Os membros mais antigos do Batalhão, aqueles que originalmente eram das Equipes 2 e 4 de recrutas, tinham rostos estupefatos ao ver o estado da prótese e do próprio Lance. Recordando-se de como o homem havia a conseguido em seu primeiro encontro com Orcs nesse mundo.
Apesar disso, Emily franziu a testa.
“Aprende a ler a situação, tapado.” falou, com raiva.
Só então Lance percebeu o corpo no chão. Pelo estado do rosto era impossível de saber quem era, mas pelas roupas e pelo fato de estar sendo segurado por Leny, rapidamente lembrou-se do Cabo Pietro.
“Droga… Me desculpem, eu não sabia.” falou, baixinho, olhando para aqueles que eram ex-membros da Guilda Valorosos.
Leny e Trayan apenas ignoraram, levando em conta a situação do mesmo.
Balançando a cabeça, Noah aproximou-se.
“Parece que você tomou um sacode.”
“É porque você não viu como deixei a fuça do outro cara.” Lance respondeu, com um leve sorriso. “Ele ficou até caolho.”
Ambos os homens se entreolharam e um leve sorriso surgiu em seus rostos.
“Você só dá trabalho para a Kelly.” Ronald falou, aproximando-se, também sorrindo, então bateu em seu braço metálico, com um leve olhar de reminiscência. “Que bom que você continua vivo.”
Os três homens ficaram num estranho silêncio, mas que logo foi cortado por Lance, que olhou para o sujeito moreno.
“Você tá me querendo, né? A ruiva baixinha não tá dando conta?”
“Seu merdinha.” Ronald respondeu, quase batendo no homem.
No fim, após dar algum tempo para Leny e os outros, o grupo seguiu apressadamente em direção onde Tom havia corrido.
Mesmo que o homem, proficiente em magias de fogo, tivesse uma força considerável, tudo poderia acontecer em uma batalha, principalmente quando se está lutando sozinho contra algo que não está acostumado. Além disso, ele havia ido em direção à mata menos aberta, se encontrasse outra ameaça enquanto atraia o último para longe, poderia acabar em perigo.
Com os rastros de árvores quebradas por todo lado e pegadas gigantes, assim como a mata chamuscada de fogo das magias do Sargento, o grupo facilmente seguiu a trilha deixada e em pouco tempo, ouviram sons de batalha.
Todos rapidamente se prepararam para entrar em combate, entretanto, quando chegaram ao local e viram a cena que se desenrolava, ficaram sem palavras.