Dois litros de Sangue de Delgnor? Onde esse garoto conseguiu isso?! Wedsnagauer perguntou-se, completamente chocado.
Normalmente, para cada 10 ml de sangue seria possível fabricar cerca de 1 grama de Cristal de Delgnor, o que significava que desses dois litros seriam extraídos 200g de Cristal. Levando-se em conta que o valor do grama era de 10 moedas de prata, o que Fernando estava segurando equivalia a 2 moedas de ouro.
Tanto para o Mestre de Runas, quanto para o seu Assistente, esse não era um valor surpreendente, entretanto, valores comerciais e valores reais eram coisas totalmente diferentes.
Mesmo que pudessem facilmente pagar por isso, não significava que conseguiriam. Cristais de Delgnor eram itens muito requisitados e disputados em toda Avalon, achar um vendedor era complicado e exigia muita negociação e contatos. Sendo assim, de que modo um simples Tenente teria conseguido pôr as mãos em algo ainda mais raro, como um material bruto como o sangue? Nenhum dos dois homens conseguia entender esse fato.
Ao lado, Emily também estava surpresa, pelo que seu professor e Alfie haviam dito isso deveria ser algo raro e caro. Mesmo não entendendo quão raro era, sabia que, no mínimo, não era simples de conseguir, visto que até mesmo um Mestre de Runas estava um pouco aturdido.
Apressando-se em direção ao jovem pálido, Wedsnagauer deixou de lado todo o ar orgulhoso, enquanto apanhava a garrafa da sua mão, como se fosse alguém que estava em pleno deserto árido, prestes a morrer de sede, tendo encontrado um oásis.
Fernando, que tinha um leve sorriso em seu rosto, não resistiu, permitindo que seu professor tomasse o sangue para si.
“C-como?” O velho Mestre de Runas perguntou-se, ao abrir a tampa e colocar seu nariz próximo, para sentir a fragrância doce e metálica. Inicialmente achou que estava alucinando, mas agora tinha certeza que era a coisa real!
“O ‘como’ não é importante, professor. Quero saber se isso vai te ajudar.” Fernando falou, de forma calma e com um rosto impassível.
Ao olhar novamente para seu aluno, não soube nem o que dizer. Inicialmente, quando o jovem disse que lhe daria algo para o ajudar em sua situação atual, o velho homem acreditou que o rapaz estaria lhe oferecendo dinheiro, o que a seu ver era um insulto, já que ele era um professor, sendo aquele que devia prover a seus pupilos. No entanto, ao ver algo tão valioso como isso, ele simplesmente não tinha como recusar!
Ele só tinha menos de 100g quando encontrou Fernando em Belai e havia usado cerca de 20g para incrustar uma Matriz Irregular na Pedra de Mana e isolar essa base, se as coisas continuassem assim ele logo ficaria sem o material para trabalhar.
“Ahem, já que você está insistindo tanto, acho que eu não tenho escolha a não ser aceitar. Uhum, como professor, não me resta outra opção…” falou, enquanto coçava sua barba meio desgrenhada, envergonhado.
Alfie, que estava ao lado, ficou boquiaberto, ao ver o Doutor, que nunca se curvava, dobrando-se tão facilmente.
Apesar disso, ele entendeu o porquê, afinal na situação atual, em pleno fronte de guerra, numa cidade cheia de Generais Legionários, conseguir um Cristal de Sangue de Delgnor ou outro raro material que o substituísse sem chamar atenção, seria uma tarefa extremamente difícil. Ele estava até mesmo cogitando usar materiais de quarta ou quinta categoria que os comerciantes possuíam, como o Cristal de Sangue de Víbora Negra, que era uma criatura com alguma pureza de mana em seu sangue, mas que poderia ser encontrada com certa facilidade, contudo, a inferioridade da matéria-prima utilizada como elemento-base na produção das Runas faria com que as Matrizes fossem de uma qualidade muito abaixo dos padrões que estavam acostumados.
“Se precisarem de mais, basta apenas me dizer.” O jovem Tenente falou, com um rosto calmo.
“Garoto, você…” Wedsnagauer e Alfie sentiram-se tensos, enquanto olhavam para o rapaz, questionando-se de onde ele tinha tirado isso e se tinha ainda mais.
De repente, o sujeito de óculos e cabelos compridos lembrou-se de algo. Fernando mencionou na aula anterior que havia provado carne de Delgnor quando estava com Ferman.
Então é isso. Alfie pensou, entendendo tudo.
Quando se encontraram com Fernando pela primeira vez em Belai, o rapaz estava acompanhado do Cavaleiro Branco, Ferman.
Nem ele e nem o doutor entendiam o porquê, mas por algum motivo, mesmo sendo de outra Legião e tendo o conhecido há pouco tempo, o Cavaleiro tinha um grande apreço pelo rapaz, ao ponto de os ameaçar caso tentassem prejudicá-lo. Sendo assim, não seria estranho que o sujeito tivesse o presenteado com alguns itens raros como este.
Se ele está tão confiante assim, deve ter ao menos mais dois ou três litros guardados. Não, eu não me surpreenderia se tivesse até mesmo uns cinco. Alfie calculou mentalmente.
Fernando, que estava completamente inconsciente dos pensamentos do sujeito, ficaria envergonhado se soubesse o que o mesmo estava imaginando. Ainda mais ele, que tinha praticamente um corpo inteiro de Delgnor em sua pulseira.
“É surpreendente que você tenha isso em primeiro lugar, mas nesse estado vai ser difícil de usar. Normalmente seria necessário um Alquimista para o processo de cristalização, mas levar isso para um nesse lugar não é viável, então terei que improvisar, mesmo que percamos alguma eficiência…” O Doutor disse, achando uma pena.
Fernando não entendia nada sobre o processo de converter o sangue em cristais, mas entendeu as implicações sobre o que seu professor havia dito. Se eles levassem Sangue de Delgnor a algum Alquimista que estava atualmente em Garância, as chances de isso vazar eram simplesmente muito grandes.
De repente, o velho homem começou a mover sua mão em alta velocidade, era tão rápido que ele mal conseguia acompanhar a velocidade.
Bam! Bam! Bam!
Antes que Fernando e Emily sequer conseguissem raciocinar direito, múltiplas ondas de luz ocorreram, uma após a outra.
Ele está desenhando Runas? perguntou-se, ao mal enxergar os traços com seu Disparo Neural.
Diferente de quando seu professor havia desenhado as Runas e feito as Ligações de Mana para formar as Matrizes para a Pedra de Mana, onde ele fez tudo bem devagar e com calma, agora tudo parecia apenas um monte de borrões.
Nesse ponto o jovem Tenente entendeu que naquele dia o Mestre de Runas estava se contendo, para ensiná-los! Ele era como um adulto ensinando a pequenos bebês que não sabiam de nada.
Bam! Bam! Bam!
“Está acabado.” Wedsnagauer disse, contente, pegando a garrafa de sangue e colocando sobre o balcão.
Fernando e Emily, que estavam meio que cobrindo seus olhos para as luzes incessantes, finalmente puderam olhar corretamente e ao observarem, ficaram surpresos. Em frente a eles estava uma Matriz completa. A mesma estava sobre a mesa, dividindo-a em dois. De um lado estava a garrafa com sangue, que parecia estar sendo, pouco a pouco, evaporado e absorvido em direção a Matriz.
Ao mesmo tempo, do outro lado, sobre o balcão, a fumaça carmesim, que atravessava a Matriz, parecia estar condensando-se e logo, um pequeno grão começou a se formar. Em menos de um minuto, todo o líquido foi consumido e um enorme Cristal de Sangue foi formado, com quase o dobro que Wedsnagauer havia mostrado anteriormente.
Suspira!
“É uma pena, parece ter cerca de 195g, parece que muita da energia foi perdida. Se o processo fosse feito de forma menos artificial, por meio da Alquimia, com certeza seria extraído muito mais.” O Doutor lamentou.
“Senhor, por favor, não seja tão humilde, se fosse qualquer pessoa comum tentando converter Sangue de Delgnor apenas com uma Matriz, teria sorte de conseguir ao menos metade disso.” Alfie afirmou.
“Bem, que seja. De qualquer forma, agora temos um material base de alta qualidade, tudo graças ao jovem Fernando.” disse, com um sorriso jubiloso.
Para um especialista, não havia nada pior do que trabalhar com materiais de péssima qualidade, só o fato de possuir esse Cristal de Sangue resolveria a maior parte de seus problemas.
O rapaz pálido, que estava observando todo o processo em silêncio, apenas assentiu, satisfeito ao ver que seu professor estava contente.
Inicialmente o mesmo estava receoso em entregar isso a Wedsnagauer, principalmente porque ele não confiava totalmente neles, ainda mais depois do ‘aviso’ que Alfie lhe deu. Mas depois do velho homem usar seus próprios recursos para ajudá-lo a ativar aquela pequena Pedra de Mana, somado a sua ajuda na batalha, sentiu que ele já havia dado alguns atos de boa-fé e ele deveria fazer o mesmo.
“Bem, deixemos esses assuntos de lado e vamos começar. Com esses materiais não precisamos mais economizar recursos!” Wedsnagauer disse, movendo a mão e desmanchando a Matriz. “Lembram que pedi para que estudassem as cinco primeiras Runas do livro?”
Fernando e Emily assentiram com a cabeça, em confirmação.
“E então, quantas delas vocês conseguiram gravar em suas mentes?” perguntou.
Emily, envergonhada, levantou a mão, com dois dedos, indicando que das cinco Runas, ela só havia conseguido decorar duas e ainda, sim, não estava muito confiante em reproduzi-las sem olhar para o livro.
“Tentei desenhar elas num papel sem olhar, mas isso foi o máximo que consegui sem esquecer após um tempo. Mas se eu estiver olhando, acho que consigo fazer as cinco.” falou, timidamente. Ela detestava admitir suas falhas, mas sentiu que dessa vez seria melhor ser sincera, afinal o processo era muito mais desafiador do que ela havia imaginado.
Ouvindo isso e vendo a reação decepcionada da garota, Wedsnagauer riu.
“Não se preocupe, eu pedi que decorassem as cinco primeiras Runas, mas sabia que isso seria impossível dado o tempo que lhes dei, visto que os dois tem seus afazeres, era para ser apenas um exercício para que vocês se familiarizassem. Contando que tenham aprendido ao menos uma, já é suficiente para seu primeiro contato. Na verdade, duas é um resultado realmente digno de nota!”
Emily, que estava cabisbaixa, rapidamente se animou com essa informação.
“Hah, então era isso! Haha, imaginei que seria assim!” falou, com arrogância.
Vendo essa mentira descarada, o jovem pálido revirou os olhos para a cara de pau da pequena ruiva.
“E você Fernando, quantas conseguiu? Não precisa se envergonhar, apenas diga.”
Ouvindo a pergunta, o jovem Tenente hesitou, ficando pensativo.
Ao notar isso, Emily sorriu.
“O que foi, não me diga que não conseguiu decorar nenhuma?! Hahaha, você precisa melhorar muito para chegar até meus pés, jovem gafanhoto!”
Wedsnagauer e Alfie ficaram surpresos ao verem isso, ainda mais depois da monstruosa qualidade de mana que o rapaz tinha mostrado anteriormente. Contanto que ele tivesse um talento minimamente bom para memorizar as Runas, com certeza se tornaria um gênio nesse campo no futuro, mas se ele sequer conseguisse decorar uma única, tudo não seria um desperdício?
“Err, bem, isso é realmente verdade? Não precisa se envergonhar rapaz, tenho certeza que você vai conseguir com algum esforço.”
Balançando a cabeça, Fernando negou a pergunta.
“Não senhor, não é que eu não tenha decorado nenhuma, é que, na verdade… eu decorei todas.”
Ao ouvir isso, tanto Wedsnagauer, quanto Alfie, tiveram um brilho em seus olhares.
“Hahaha, você não me decepcionou garoto! Você realmente conseguiu decorar as cinco Runas? Isso é realmente impressionante, mesmo eu, quando comecei a estudar, só consegui quatro!” disse, gargalhando de felicidade.
Ao lado, Alfie concordou com a cabeça. Inicialmente o sujeito achava injustificado o tratamento que Fernando estava recebendo pelo Doutor, mas ao ver esse nível de talento, ele não tinha escolha senão aceitar.
Tenente Fernando… Com todo esse talento, se fosse recrutado por uma Guilda de Matrizes, com certeza se tornaria um Aprendiz de Núcleo! pensou, impressionado.
“Droga, logo agora que achei que tinha ganhado!” Emily resmungou.
Apesar disso, até ela ficou abalada, afinal ela havia dado seu melhor nisso, ao ponto de faltar ao treino do seu Esquadrão dias consecutivos, e mesmo assim só havia conseguido decorar duas Runas, mas Fernando, que estava ocupado com as questões do Batalhão e ainda tendo tido que resolver as questões internas anteriormente, ainda, sim, conseguiu cinco! Ela não conseguia entender como esse cara era tão monstruoso, não importa o que fizesse.
“Vocês entenderam um pouco errado…” Fernando falou, com uma expressão complicada.
“O quê?” Wedsnagauer e Alfie exclamaram ao mesmo tempo, surpresos.
“Pode ser que você não aprendeu cinco?” O Doutor perguntou, em dúvidas.
“Não, eu definitivamente aprendi as cinco.” O jovem respondeu, calmamente.
“Então o que exatamente nós entendemos errado, Tenente Fernando?” Alfie perguntou, intrigado.
Fernando tinha uma expressão hesitante, mas que só durou por um instante.
“Quando eu disse que aprendi todas elas, não me referi as cinco primeiras Runas, eu estava falando… das Runas de todo o livro.”