Aurora corria pela cidade em ruínas, os pulmões queimando com o esforço e o coração disparado no peito. As pernas se moviam quase que automaticamente, desviando dos destroços e dos buracos que surgiam na superfície rachada das ruas. Ela precisava chegar ao Jeep, e precisava chegar rápido.
Tremores violentos reverberam pelo chão, fazendo os escombros tremerem e ameaçando desmoronar o que ainda restava de pé naquela cidade moribunda. Cada passo era uma corrida contra o tempo, uma luta para escapar do colapso iminente. Renier estava certo: a cidade estava desmoronando sobre si mesma, afundando em seu próprio caos.
Um rugido rasgou o ar, reverberando pelas ruas devastadas. Aurora se virou instintivamente, o sangue gelou nas veias. No alto, entre as nuvens escuras e carregadas de poeira, a imponente silhueta da Sombra o Dragão Negro pairava ameaçadoramente. Suas asas gigantescas cortavam o céu, criando correntes de vento que sopravam fragmentos de entulho pelo caminho. Aurora assistiu, impotente, quando o dragão mudou de direção, voando para longe dela, rumo ao lado oposto da cidade. “Renier…” Ela murmurou, o coração acelerando em um misto de medo e preocupação.
A pausa momentânea custou caro. Um estalo alto e profundo ecoou à frente de Aurora, e ela viu um prédio inteiro afundar no solo com um estrondo ensurdecedor, levantando uma nuvem densa de poeira e destroços. Ela recuou, tossindo e protegendo o rosto com o braço, enquanto a nuvem de poeira engole a rua.
O coração de Aurora estava disparado, cada batida pesada ecoando em seus ouvidos. “Droga… Renier atraiu a Sombra para longe de mim…” pensou ela, sentindo o peso da culpa e da impotência. Ela sabia que ele estava tentando protegê-la, mas isso também significava que ele estava sozinho, enfrentando uma ameaça incomparável.
Ela olhou em volta, tentando encontrar uma rota alternativa. O caminho à frente estava bloqueado pelos destroços do prédio que acabara de desmoronar, mas ela não podia se permitir parar. “Eu preciso confiar nele,” ela pensou, mas a ideia de Renier enfrentar o Dragão Negro sozinho fazia seu estômago se revirar. Mesmo sabendo de sua força, algo dentro dela gritava para não deixá-lo lutar sozinho.
Aurora começou a correr novamente, agora mais rápida, com uma nova determinação queimando em seu peito. O som da batalha entre Renier e o Dragão Sombra ecoava à distância rugidos poderosos, o estalo de magia e o colapso de estruturas frágeis sendo destruídas. Cada som parecia perfurar seu coração, uma lembrança cruel de que seu guardião estava lá fora, arriscando tudo.
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Ao alcançar o Jeep, Aurora se deparou com um cenário tenso. Sua Imperatriz Katherine estava ao lado das duas filhas, Tio e Luna, com rostos que misturavam preocupação e confusão. Ao redor delas, Anny, Nora, Chris e a garota de cabelos rosa que Renier havia resgatado, Rose, já aguardavam impacientes. O nervosismo era palpável, como um fio de eletricidade que pulsava no ar, enquanto o chão sob os pés de todos continuava a tremer.
Katherine foi a primeira a quebrar o silêncio. — Aurora, o que está acontecendo? Onde está Renier? — Sua voz carregava uma autoridade calma, mas os olhos traem o temor pelo bem-estar de todos.
Antes que Aurora pudesse responder, Anny deu um passo à frente, o olhar ansioso e a respiração rápida. — Onde está o meu pai? Ele não estava com você? — Sua voz tinha um misto de preocupação e uma pitada de medo que ela tentava esconder.
Aurora respirou fundo, tentando manter a compostura. — Renier está atraindo o Dragão para longe de nós, — disse ela, com a voz firme, mas o olhar sério. — Ele sabia que essa cidade iria afundar, e que precisávamos sair o mais rápido possível. Por isso, ele foi enfrentar a Sombra sozinho.
A declaração de Aurora fez o ar parecer ainda mais denso ao redor delas. Nora, com os olhos sempre atentos aos arredores, assentiu. — Eu percebi os tremores ficando mais fortes… Este lugar está colapsando, — disse ela, olhando para o Jeep. — Precisamos sair daqui agora. O veículo está em um terreno estável, mas não vai ficar assim por muito tempo.
Anny balançou a cabeça, a teimosia queimando em seus olhos. — Não podemos deixá-lo para trás! Ele não pode enfrentar aquele dragão sozinho! — Ela deu um passo na direção oposta ao Jeep, mas Aurora a segurou firmemente pelo braço.
— Anny, eu entendo o que você está sentindo, — Aurora falou, olhando diretamente nos olhos da jovem. — Mas seu pai prometeu que ele vai nos encontrar na Cidadela. Ele quer que estejamos seguras. Se ficarmos aqui, só vamos dificultar ainda mais para ele.
Havia uma hesitação momentânea entre todas elas. A relutância era quase palpável, mas, no fundo, cada uma sabia que Aurora estava certa. Se permanecessem ali, não apenas seriam um fardo para Renier, mas também estariam colocando suas próprias vidas em risco.
Com um suspiro pesado e cheio de resistência, Katherine acenou para as outras. — Vamos, todas para o Jeep. Agora. — A urgência na voz da Imperatriz não deixava espaço para discussão.
Uma a uma, elas entraram no veículo. Nora assumiu o volante, os olhos determinados enquanto ligava o motor. O Jeep acelerou pela estrada desgastada, desviando de escombros e crateras enquanto o chão tremia violentamente. Prédios desmoronaram ao redor delas como castelos de cartas sendo derrubados, e o asfalto parecia desmoronar logo atrás das rodas. O rugido do motor do Jeep competia com os rugidos da cidade em colapso.
Anny, sentada ao lado de Aurora, olhou para trás, o coração apertado de medo e incerteza. Pela janela, ela viu o Dragão Negro pairando no céu, sua enorme boca aberta exalando uma energia roxa e pulsante. Um raio de destruição cortou o ar, colidindo com algo lá embaixo sem dúvidas, era Renier.
— Pai… — ela sussurrou, os olhos fixos na batalha distante. Suas mãos tremiam no colo, e uma lágrima solitária desceu por seu rosto. Mas ela sabia que não havia outra escolha. Precisavam confiar em Renier, mesmo que isso significasse deixá-lo para trás.
Aurora, percebendo o olhar perdido de Anny, colocou a mão em seu ombro. — Ele vai voltar para nós, — disse ela, uma firmeza quase feroz em sua voz. — Nós temos que acreditar nisso. Ele é Renier. Ele sempre volta.
O Jeep continuou seu caminho, afastando-se da cidade em ruínas. Tudo o que elas podiam fazer era seguir em frente e esperar. Esperar que o homem que arriscou tudo para protegê-las pudesse cumprir sua promessa uma vez mais.
Dentro do Jeep, o ambiente estava carregado de uma tensão quase insuportável. O som do motor era a única coisa que preenchia o silêncio, enquanto o veículo sacudia e balançava pelo terreno irregular. Todos no interior pareciam imersos em seus próprios pensamentos sombrios, o olhar de cada um perdido nas paisagens desoladas que passavam por suas janelas.
Aurora, sentada ao lado de Rose, observou a jovem de cabelos rosa com um olhar pesado. Depois de alguns segundos, ela quebrou o silêncio hesitante.
— Aurora… vocês encontraram a Noelle? — A pergunta saiu com uma dor palpável, quase sem esperança. Rose sabia a resposta, mas algo dentro dela precisava ouvir as palavras, precisava de algum tipo de fechamento.
Aurora mordeu o lábio inferior, o rosto virando levemente para esconder a expressão que traía seu sofrimento. Ela abaixou a cabeça, os cabelos caindo sobre os olhos enquanto falava em voz baixa.
— Renier… ele queria encontrá-la. Mesmo que fosse apenas o corpo, para que pudesse ao menos confirmar sua morte… ou, quem sabe, tê-la viva, mesmo que fosse improvável. — A voz dela tremeu ligeiramente, e ela fez uma pausa, tentando recuperar o controle. — Mas… quando a Sombra Verdadeira apareceu… tudo desmoronou. A cidade caiu, e provavelmente nem mesmo o corpo dela conseguimos encontrar.
Essas palavras pesaram no ar como uma pedra lançada em águas calmas. A atmosfera no Jeep tornou-se ainda mais sombria. Rose, apesar de sua tentativa de se manter firme, sentiu seu interior desmoronar. O peso da perda de Noelle, alguém que ela considerava uma amiga próxima, misturado ao caos dos últimos dias, era demais para suportar.
Todos ali sabiam o que era perder alguém querido; era uma dor familiar que cada um carregava como uma cicatriz. O silêncio mortal que se seguiu tornou-se opressivo, cada respiração pesada de tristeza e resignação. Aurora sentiu o peso das palavras de Rose e das memórias dolorosas que traziam à tona. Parecia que todos haviam perdido muito em um tempo tão curto.
Desde a queda dos Quatro Impérios, tudo se torna um borrão de sangue, perda e fuga incessante. O marido de Katherine, um dos mais fortes defensores, havia caído da mesma forma, engolido pela devastação e pelo caos das Sombras. Tantas vidas se perderam… Era difícil processar tudo, difícil até encontrar o tempo para sentir cada morte, cada adeus. Cada minuto, cada dia que passava desde a queda, parecia levar mais vidas com ele.
Os Quatro Impérios, das Imperatrizes Vitra, Dagon, Jade, e o de Katherine tinham sido reduzidos a quase nada. Apenas metade de suas populações havia conseguido escapar com vida, restando menos de quinhentas pessoas em cada um. A única esperança que restava agora era a Cidadela.
As Imperatrizes que restavam, Vitra, Dagon, Jade, estavam fazendo o possível para proteger os sobreviventes com uma barreira de energia que segurava os avanços implacáveis do Dragão e suas sombras. E, agora, esperavam ansiosamente pela chegada de Katherine e seu grupo, o último lampejo de esperança em um mundo que parecia condenado à destruição.
Aurora lançou um olhar para Katherine. A Imperatriz estava sentada, de costas retas e olhar firme, mas era possível ver o cansaço em seus olhos. Apesar de tudo, ela sabia que não havia tempo para se lamentar, não havia espaço para fraqueza. O último porto seguro estava à frente, e eles precisavam alcançar a Cidadela.
Ela sabia que Renier estava enfrentando algo que nenhum ser deveria enfrentar sozinho. Mas, por ora, a única coisa que podiam fazer era acreditar. Acreditar que Renier cumpriria sua promessa de voltar.
O Jeep seguia em frente, rompendo o caos enquanto a cidade desaparecia no retrovisor, levando consigo as esperanças que não puderam ser concretizadas.
Continua…