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『 Tradutor: Vento Leste // Revisor: Otakinho 』

“Meus joelhos doem…” Uma dentre os prisioneiros mais jovens e pequenos tirando Ikaris começou a chorar compulsivamente pela enésima vez naquela tarde.

Na Terra, seu rosto inocente de bebê, seus grandes olhos redondos vermelhos de tanto chorar e sua cintura fina provavelmente lhe renderiam vários olhares lascivos. O fato de ela estar nua só dobraria os números de olhares. Mas aqui, ela só conseguiu indiferença.

Um dia nunca pareceu tão prolongado para eles. Forçados a ficarem ajoelhados na lama sob o sol quente, sem comida ou água, era o suficiente para colocar pressão no mais resistente dos soldados. Sem falar naqueles que já haviam doado o equivalente a um litro de sangue para encher uma maldita tigela anteriormente, voluntariamente ou não.

Para provocá-los, a grande tigela cheia de sangue até a borda foi deixada no mesmo lugar alguns metros à frente deles. Começou a coagular sob o sol e um cheiro horrível de ferro invadiu suas narinas.

“Mas que porra está acontecendo?” Isso era o que podia ser visto em todos os seus rostos.

Ao ver a jovem chorando, que mal havia atingido a maioridade, os dois homens corpulentos, Thomas e Anton, lançaram-lhe um olhar irritado. Não era sua primeira vez chorando.

“Você pode calar a boca, por favor?!” Thomas gritou duramente para a bebê chorona enquanto fazia uma carranca de ódio.

Por causa da atenção especial que recebeu da jovem beldade que liderava esses indígenas, ele recuperou um pouco seu espírito. Mesmo depois de ter perdido tanto sangue, conseguiu mostrar alguma serenidade.

Thomas tinha visto o físico magro e murcho desses aldeões desnutridos e tinha certeza de que um líder com algum cérebro entenderia seu valor e o trataria bem.

Antes de vir para cá, o jovem de 28 anos era um motorista de caminhão apaixonado por fisiculturismo e seu uso contínuo de esteróides lhe rendeu uma musculatura impressionante. Com quase 2 metros de altura, tinha certeza de que esses bárbaros primitivos e desnutridos nunca haviam visto alguém tão forte e imponente como ele. Logicamente, só poderiam ficar maravilhados e admirados diante da sua presença.

Gradualmente, um sorriso grotesco junto com um toque de luxúria em seus olhos se revelou sobre seu rosto barbudo, e por alguns minutos fantasiou em seduzir a jovem líder, ou pelo menos dormir com ela. Sua desilusão e esperança renovada o fizeram ignorar o fato de que até agora a maneira como foram tratados por esses indígenas não era um bom presságio.

Thomas não foi o único homem a abrigar tal otimismo. Anton e outros quatro homens musculosos estavam com sede e fome, mas esperavam que sua situação melhorasse assim que o “trote” terminasse.

Os três homens restantes eram velhos, mas eram altos e vigorosos. O chefe da aldeia não os escolheu para doação de sangue, mas também não os desrespeitou. Eles eram maduros e lúcidos o suficiente para não esperar muito, mas também queriam acreditar que suas vidas não seriam sacrificadas de forma tão inútil.

As duas prisioneiras, incluindo aquela que passava o tempo chorando e soluçando, eram obviamente muito menos otimistas. Enquanto estavam confiantes em suas chances de sobrevivência, elas estavam apavoradas com o que aconteceria a seguir. Os olhares lascivos de alguns desses indígenas lhes causaram calafrios…

Fuuuu.

O suspiro inaudível veio de ninguém menos que Ikaris. O insignificante, que era de longe o pior, não vacilou uma vez, mantendo a mesma expressão inexpressiva desde sua chegada a este mundo. Seus olhos alertas dispararam ao redor, como se estivesse tentando gravar cada detalhe desta aldeia em sua memória.

Como ele poderia não adivinhar o que esses prisioneiros estavam pensando? Não eram de conversar entre si, mas ler a linguagem corporal desses homens e mulheres mentalmente frágeis era uma segunda natureza para ele. Desde a infância, sempre foi anormalmente observador e essa foi apenas uma das características que causou sua queda. Desta vez, ele tinha toda a intenção de esconder do que era capaz.

‘Essas duas mulheres são mais espertas que aquele Thomas e os outros caras musculosos.’ Ikaris observou calmamente. ‘Elas sabem que destino as espera. Quanto a nós, homens, basta olharmos para os aldeões deste lugar para percebermos a vida miserável que nos aguarda.’

Thomas, Anton e alguns dos outros prisioneiros concluíram prematuramente que esses bárbaros estavam esqueléticos por causa da desnutrição, mas e se também fossem obrigados a contribuir com sangue regularmente? Se fosse uma vez a cada dois ou três meses, ainda seria razoável, mas e se fosse toda semana ou a cada três dias?

Ikaris preferiu não pensar nisso, mas teve que assumir o pior.

Enquanto os outros prisioneiros esperavam ou se desesperam com seu futuro incerto, sua mente estava fixada em outra coisa.

Essa Centelha.

‘Quando fecho meus olhos eu vejo, quando abro meus olhos eu vejo também. Mesmo quando tento ignorá-la, minha atenção sempre volta para ela como um ímã.’

A princípio era apenas curiosidade, mas ao fechar os olhos, Ikaris tentou relaxar respirando profundamente como sempre costumava fazer quando estava nervoso ou precisava refletir e sem perceber passou a tarde inteira olhando para aquele ponto de luz antes de sair de seu transe.

Durante esse tempo, seu único pensamento e desejo recorrentes foram silenciar a dor terrível infligida a ele por seus ferimentos não tratados. Ele sentiu uma urgência inexplicável, como se, se não se curasse logo, seria tarde demais.

A explosão de lágrimas da prisioneira com cara de bebê o tirou de seu transe intenso, mas o adolescente ficou bastante surpreso quando percebeu que o sol alaranjado prestes a se pôr atrás do horizonte.

Foi também o momento em que seu corpo escolheu traí-lo. Ikaris sentiu uma fraqueza indescritível o atingir, bem como uma fome voraz, como se não comesse há vários dias. Sua visão ficou turva, então escureceu por um momento antes de acordar com falta de ar, surpreso por ainda estar vivo.

Inicialmente, entrou em pânico, percebendo que se as coisas dessem errado esta noite, ele não poderia andar muito menos correr. Mas quando percebeu que a dor de seus ferimentos havia sumido, sentiu uma onda de alegria que quase lhe trouxe lágrimas aos olhos.

Lembrando o que aconteceu quando desmaiou antes de sua captura, um lampejo de realização surgiu em seu rosto. Depois de se acalmar, respirou fundo e silenciosamente repetiu para si mesmo:

‘Essa Centelha, tenho que ter cuidado quando olho para ela. Não há problema em dar uma espiada de vez em quando, mas as consequências podem rapidamente se tornar imprevisíveis se eu não tomar cuidado.’

Para não desmaiar novamente, impôs-se a observar assiduamente os arredores como vinha fazendo desde que acordou, e depois de alguns minutos a terrível sensação de fraqueza diminuiu um pouco, substituída por uma dor de cabeça latejante.

‘Hum? Os aldeões estão voltando para suas tendas?’

Ikaris não foi o único a notar a mudança. Após o ritual, a velha xamã e a deslumbrante líder se retiraram para sua cabana pelo resto do dia, mas os outros continuaram cuidando de seus negócios, ignorando totalmente sua existência, exceto pelos poucos guerreiros designados para vigiá-los. Tuari, um dos bárbaros que os capturou, estava entre os guardas.

Agora que eles podiam se entender, vários dos prisioneiros tentaram puxar conversa, mas os bárbaros permaneceram frios e calados, observando-os com a mesma apatia com que um fazendeiro observa suas galinhas no galinheiro.

E, no entanto, assim que o sol deu lugar à lua, ou melhor, às duas luas, esses guardas arrogantes os abandonaram sem olhar para trás, voltando para suas próprias tendas sujas como os outros. Esse detalhe em si já era surpreendente, mas o mais surreal ainda é que realmente removeram as cordas que os prendiam.

“Fiquem aqui ou vão embora. A escolha é de vocês.” O bárbaro Tuari declarou ameaçadoramente antes de também correr para sua própria tenda.

“Que porra está acontecendo aqui?” Os olhos de Ikaris se estreitaram com suspeita ao testemunhar essa cena curiosa.

Assim que a praça da vila ficou deserta e silenciosa, um dos homens olhou em volta cautelosamente e, sem uma palavra de aviso, correu para os arredores da selva que cercavam a vila. Logo depois, dois dos homens mais velhos e a outra mulher correram atrás dele.

Contra todas as probabilidades, os outros prisioneiros permaneceram imóveis, incluindo a jovem bebezona que só chorava e soluçava até agora. De alguma forma, sentiu que havia algo errado com tudo isso. Por que amarrá-los o dia todo se era só para desamarrá-los depois? Isso não fazia nenhum sentido.

Então a noite caiu.

Huff… Huff… Huff…

Ikaris e os outros prisioneiros mergulharam na escuridão, ouvindo apenas a respiração de seus colegas e as batidas descontroladas de seus próprios corações. Não havia som nas tendas.

As duas luas estavam na fase crescente, assim não iluminando muito a escuridão circundante. Os prisioneiros mal conseguiam distinguir as figuras de seus colegas, muito menos as barracas e cabanas de palha a vários metros de distância.

“E-eu estou com medo!” A única prisioneira restante gaguejou em um sussurro suave.

“Me dê sua mão.” Thomas se ofereceu galantemente como um cavalheiro digno. 

Não completamente ingênua, a jovem hesitou por um instante, lembrando-se de sua aparência de gorila, mas seu medo superou sua relutância.

“Alguém tem vontade de falar sobre algo para passar o tempo?” Thomas soltou uma gargalhada para aliviar o clima. “O que faziam para viver antes de ficarem presos aqui?”

Anton foi o primeiro a responder.

“Eu era policial em Nova York. Estava trabalhando no trânsito quando fui atingido por algum tipo de… Raio?”

“Eu também!” exclamou a jovem. “Eu estava no banheiro da faculdade no intervalo quando, de repente, houve uma queda de energia. A próxima coisa que eu soube foi que estava aqui. Ah, a propósito, sou de Estocolmo.” 1

Isso explicava sua pele clara e cabelos loiros.

Juntando-se à diversão, os outros contaram de onde eram e o que estavam fazendo antes de serem trazidos para cá.

“Canberra, eu estava fumando um cigarro lá.” O velho restante respondeu sucintamente. Ele parecia querer acrescentar algo, mas finalmente se conteve.

No final, foi o corajoso Thomas quem ousou dizer em voz alta o que o velho se recusou a admitir,

“Fui atacado por alguma coisa. Estava terminando minha entrega em Budapeste quando fui cegado por um arco-íris. Quando abri meus olhos novamente, meu caminhão havia batido em uma árvore na beira da estrada. Tentei sair do meu veículo para pedir ajuda, mas ouvi pessoas gritando do lado de fora. Então eu vi… não sei, digamos que foi a coisa mais assustadora que já vi. Essa coisa me viu e começou a rastejar em minha direção. Com medo, fechei os olhos por um momento e quando os abri novamente estava nessa porra de selva…” 2

O grupo caiu em um silêncio atordoado.

Enquanto isso, Ikaris, que prestava muita atenção à conversa, lutava para encontrar uma arma para se defender. A história do monstro também o havia abalado, mas não era a maior preocupação deles no momento.

De alguma forma, ele caminhou até o altar e sem qualquer escrúpulo sobre este lugar “sagrado”, pegou uma das pedras no topo da pilha. Quando estava prestes a voltar sua atenção para a estela de madeira, a bebê chorona de repente fez uma pergunta que fez seu sangue gelar.

“Uh, Thomas, você está chorando?”

“Hmm, não, por quê?” O caminhoneiro respondeu com uma voz aborrecida.

“Então o que é esse líquido quente que sinto escorrendo pelo meu ombro?”

” … “

Naquele exato momento, Ikaris inadvertidamente pulou dentro da tigela sob o altar, mas nem seus pés nem suas pernas foram banhadas em sangue. Pensando rapidamente em algo, ele mergulhou o dedo na tigela, mas foi pego de surpresa quando tocou apenas o fundo sólido da tigela.

‘A tigela está vazia!’

“AAAAAARRRGGH!” O grito enlouquecido do velho australiano ressoou logo em seguida. O grito durou um curto segundo, então o som de um pescoço sendo quebrado seguiu junto de um líquido jorrando, pondo fim à sua indecisão.

ROOOARRR!

“Puta merda!”

O som de passos correndo em todas as direções foi ouvido imediatamente, provando que diante da morte a amizade nascente desses prisioneiros não valia muito. Até Thomas soltou a mão da garota sem remorso.

“Thomas! Onde você está?” Ela começou a soluçar com uma voz trêmula no escuro.

Ninguém respondeu a ela.

“P-Por favor… Não me deixe sozinha…”

Não sobrou ninguém.

“AARRRGH! Mas que porra é essa coisa!? Ela comeu meu braço!” O grito de Thomas perfurou o silêncio dos arredores da selva.

A jovem congelou, cagando de medo. Mesmo que alguém a pagasse agora para falar, ela permaneceria silenciosa como um túmulo!

Ikaris havia testemunhado, ou melhor, ouvido toda a cena, de seu esconderijo. Agachado sob o altar, ele estava imóvel, sua pedra na mão, pronto para atacar qualquer um ou qualquer coisa que ousasse se aproximar dele.

‘Se ao menos eu pudesse ver um pouco melhor…’

Quando o pensamento lhe ocorreu, seu olhar desviou-se involuntariamente para a Centelha, mas lembrando-se do que havia acontecido nas duas vezes anteriores, mordeu a língua com força e resistiu ao impulso.

CLACK!

ROOOOAR!

Centelhas brilharam na escuridão, seguidas pelo choque de lâminas e garras. Ele pensou ter ouvido um gemido abafado, bem como uma tenda em colapso. Então o silêncio voltou.

De repente, Ikaris sentiu algo se movendo em sua direção. Os passos foram abafados, mas não o suficiente para enganá-lo. Lentamente, ele levantou o braço segurando a pedra, pronto para esmagar o inimigo com ela, mesmo que fosse a última coisa que fizesse antes de morrer.

Quando estava prestes a atacar preventivamente com toda a força restante de seu corpo exausto, seu pulso foi agarrado por uma mão fria e suave, e dois familiares olhos laranja brilharam fugazmente na escuridão, antes que seu brilho se tornasse um vermelho escuro.

A figura feminina com aqueles olhos brilhantes se aproximou lentamente dele, até que conseguiu adivinhar sua identidade.

“Malia.”

Uma chama vermelha surgiu do nada na frente dele, ofuscando-o momentaneamente e iluminando o altar e seus arredores. Uma cena inesquecível de carnificina foi revelada diante dele.

Todos os prisioneiros que passaram o dia ajoelhados com ele estavam mortos, seus cadáveres separados em vários pedaços, mas nunca inteiros. Ele também viu muitas poças de sangue azul, mas nunca o cadáver da criatura a que pertencia.

Finalmente, ele notou a estranha beldade à sua frente, coberta de sangue da cabeça aos pés. Com o braço livre, carregou sem esforço o corpo adormecido da jovem chorona, está simplesmente desmaiou de medo. Com um brilho de surpresa nos olhos, a bela indigena declarou com voz cansada,

“Parabéns por ter sobrevivido. Você é um de nós agora.”

  1. Capital da Suécia[]
  2. Budapeste é a capital da Hungria[]
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Olá, eu sou Vento_Leste!

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