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Azrael emergiu da caverna onde Nix havia sido aprisionada, deixando para trás a escuridão úmida e fria que parecia engolir até mesmo a menor centelha de luz. O ar lá fora era diferente, carregado com uma energia vibrante e mística que se misturava com a aura naturalmente imponente de Azrael. Ele se afastou da entrada da caverna, sentindo o peso das trevas dissipar de seus ombros, e começou a traçar no ar símbolos arcanos com movimentos precisos de suas mãos. Cada gesto seu desenhava uma runa luminosa, enquanto ele sussurrava palavras antigas e poderosas, sussurros que faziam o próprio ar ao seu redor vibrar. Um brilho etéreo começou a se formar diante dele, crescendo rapidamente até se transformar em um portal pulsante, uma abertura vibrante para o mundo demoníaco.

Azrael lançou um olhar rápido para Nix, que ainda demonstrava sinais de estar abalada pelo que acabara de vivenciar, seus olhos refletindo um misto de alívio e confusão. Em contraste, Eriel permanecia serena, sua expressão revelando uma calma inabalável, embora Azrael pudesse sentir a tensão subjacente por trás de seus olhos atentos. “Vamos voltar”, disse Azrael, sua voz firme e decidida, mas com um toque de suavidade que apenas Eriel parecia capaz de perceber. Ela o conhecia bem o suficiente para captar as nuances escondidas em suas palavras. Sem mais hesitação, os três atravessaram o portal.

No momento em que seus pés tocaram o solo do outro lado, uma sensação estranha envolveu Azrael, como se o próprio ar tivesse mudado. Ele piscou, tentando entender o que estava errado, e de repente o mundo ao seu redor transformou-se. Em vez das paisagens familiares do mundo demoníaco que esperava ver, encontrou-se em um vasto campo verde, pontilhado de flores de todas as cores que dançavam suavemente ao vento. O perfume das flores era doce, quase enebriante, e o som suave do vento soprando através do campo era calmante. Azrael reconheceu imediatamente aquele lugar: era uma réplica quase exata do mundo interno de Eriel, um lugar que ele já havia visitado antes. No entanto, algo estava diferente – a majestosa árvore que costumava dominar o centro daquele mundo estava ausente, deixando um vazio estranho e inquietante.

A testa de Azrael se franziu, suas sobrancelhas formando uma linha de preocupação e curiosidade. “Não pode ser…”, murmurou para si mesmo, enquanto seus olhos examinavam cada detalhe ao redor, buscando alguma pista sobre o que havia mudado. Ao seu lado, Nix e Eriel também pareciam perplexas, suas expressões refletindo a confusão e incerteza da situação.

“Azrael, onde estamos?” perguntou Nix, sua voz quebrando o silêncio com uma nota de incredulidade. Seus olhos estavam arregalados, absorvendo a beleza do lugar, embora a estranheza da situação fosse inegável.

Azrael estreitou os olhos, como se tentasse ver além do visível. “Acho que… fomos puxados para o mundo interno,” ele respondeu lentamente, sua voz carregada de surpresa. “Eriel, isso lhe parece familiar?”

Eriel abriu a boca para responder, mas foi interrompida por um som profundo e reverberante que ecoou pelo ar, fazendo o chão tremer levemente sob seus pés. Um rugido baixo, quase como um trovão distante. Instintivamente, eles se viraram em uníssono para a fonte do som. À frente deles, repousava um gigantesco dragão vermelho, suas escamas cintilando como fogo vivo sob um sol invisível. O dragão abriu seus olhos, dois orbes flamejantes que pareciam capazes de penetrar na alma de quem ousasse encará-los.

Azrael deu um passo à frente, sua mão repousando na empunhadura de sua espada. Seus olhos, agora intensos e calculistas, estudavam cada detalhe do dragão imenso. No entanto, ele não desembainhou sua arma; em vez disso, inclinou levemente a cabeça em um gesto de respeito, reconhecendo o poder absoluto da criatura à sua frente.

“Geherik,” saudou Azrael, sua voz ressoando com firmeza e respeito. “Rei Dragão do Fogo. É uma surpresa reencontrá-lo. Não esperava encontrar você aqui.”

O dragão, Geherik, soltou um som gutural que reverberou pelo ar, um som que poderia ser interpretado como um riso baixo e ameaçador. Suas escamas brilhavam intensamente, como brasas vivas, e seus olhos flamejantes refletiam o calor de mil vulcões. “Azrael,” respondeu Geherik, sua voz tão grave que parecia fazer o solo tremer. “Sempre tão formal. Precisa relaxar, demônio. Está em meu território agora.” As palavras do dragão soavam quase como uma advertência, mas havia um tom de familiaridade nelas, como se de algum modo respeitasse Azrael. Geherik fez uma pausa, seus olhos brilhando com intensidade. “Não esqueci do erro que cometeu, mas isso já é passado. Considere isso uma pequena trégua.”

Azrael permitiu-se um leve sorriso, um gesto raro de descontração em seu rosto normalmente impassível. Para uma criatura como Geherik, palavras de paz eram quase um convite à camaradagem.

Então, o olhar penetrante de Geherik desviou-se para Eriel, que permanecia ao lado de Azrael, observando a cena com seus olhos afiados e inquisitivos. O dragão inclinou levemente a cabeça, como se examinasse a essência dela com seu olhar ardente. “Bem-vinda ao meu mundo interno, irmã,” disse Geherik, sua voz agora soando menos ameaçadora, mas ainda carregada de um poder inegável. Suas palavras estavam carregadas de uma curiosidade profunda, um respeito velado e algo que soava quase como afeto distante. O rosto de Eriel se encheu de surpresa, seus olhos arregalados enquanto tentava processar o significado da palavra que acabara de ouvir.

“Irmã?” Eriel repetiu, sua voz carregada de confusão. Ela olhou para Azrael, buscando uma explicação, que ele prontamente forneceu.

“Ele é Geherik, o Rei Dragão de Fogo, irmão de Zoe,” explicou Azrael, sua voz calma, mas tingida de uma leve advertência. “Há uma conexão entre você e ele através de Zoe, algo que parece transcender os laços tradicionais. Em um sentido, isso faz dele seu irmão também.”

Eriel franziu a testa, assimilando as palavras de Azrael. Ela voltou seu olhar para o imponente dragão à sua frente, enquanto sua mente lutava para ajustar-se à revelação inesperada. “Então, Zoe e Legion eram assim?” perguntou ela, sua curiosidade agora evidente. Ela se perguntou sobre as formas verdadeiras de seus amigos dragões, aqueles que ela sempre conhecera em formas mais humanoides. Havia tanto sobre eles que ela ainda precisava entender, e agora, diante do imenso poder de Geherik, ela sentiu uma nova porta se abrir para segredos ainda mais profundos.

Desta vez, não foi Azrael nem Geherik quem respondeu. Uma voz suave e feminina soou ao lado de Eriel, como uma melodia delicada que parecia acalmar o próprio ar ao seu redor. “Todos os dragões têm uma forma humana,” disse a voz, com uma ternura que envolveu Eriel em uma sensação de paz que ela não experimentava há muito tempo.

Eriel virou-se para ver Aion, uma jovem de cabelos e olhos brancos como a neve, observando o imponente dragão vermelho com uma expressão de profundo carinho e uma nostalgia que parecia atravessar eras inteiras. Aion caminhou com passos graciosos e silenciosos até o enorme dragão e, com uma naturalidade que indicava uma intimidade forjada em séculos, repousou sua mão delicadamente sobre o imenso focinho escamoso de Geherik, acariciando-o com gentileza.

“Estou tão feliz de te ver, Geherik,” disse Aion, sua voz carregada de uma emoção pura e sincera. Ela parecia minúscula ao lado do gigantesco dragão, mas a ternura entre os dois era palpável, formando um contraste impressionante com o ambientel do mundo interno onde estavam. 

Geherik inclinou ligeiramente sua colossal cabeça, fechando os olhos por um breve momento, como se saboreasse o toque reconfortante da irmã. “Aion, minha irmã… também estou muito feliz em te ver,” respondeu Geherik, sua voz profunda agora suavizada por um tom de genuína afeição. O brilho de suas escamas refletia as chamas ao redor, criando uma dança de luz que parecia ecoar o reencontro entre eles.

Eriel observava a interação, ainda processando a nova informação que acabara de descobrir. “Então, ele é realmente seu irmão, Zoe?” perguntou Eriel, o olhar saltando de Aion para Geherik. A confusão e o fascínio brilhavam em seus olhos enquanto tentava reconciliar a ideia de Zoe ser parte de uma linhagem tão poderosa e antiga.

Zoe, que outrora fora conhecida como Aion, esboçou um leve sorriso, um misto de tristeza e compreensão que refletia o peso de memórias longamente guardadas. “Sim, Geherik é meu irmão,” ela disse, sua voz soando como o murmúrio de uma brisa em uma manhã tranquila, enquanto mantinha sua mão no focinho do dragão. “Compartilhamos mais do que sangue; nossas almas foram forjadas no mesmo fogo primordial da criação. E você, Eriel, também faz parte dessa família, quer perceba ou não.”

Azrael observava silenciosamente, seus olhos analíticos viajando de Eriel para Zoe, depois para Geherik. Ele sabia que aquele encontro não era apenas uma reunião de família, mas um momento carregado de significados e promessas veladas. Algo profundo e antigo estava se desenrolando, algo que poderia mudar o curso de suas ações futuras e o destino de todos ali. No entanto, ele optou por permanecer à margem, permitindo que Eriel e Zoe absorvessem a magnitude daquele reencontro.

Conforme os pensamentos de Azrael se aprofundavam, Geherik começou a se transformar. Sua forma massiva e escamosa começou a brilhar com uma luz intensa, um espetáculo quase cegante enquanto suas escamas vermelhas se fundiam em um brilho ofuscante. O dragão começou a encolher, sua silhueta colossal se dissolvendo em uma forma humanóide mais compacta. Quando a luz finalmente diminuiu, um homem alto e imponente, com longos cabelos vermelhos como fogo e olhos que cintilavam como brasas incandescentes, estava em pé onde o dragão havia estado.

“Bem,” disse Geherik em sua nova forma, sua voz ainda reverberando com o poder dracônico, mas agora tingida de uma qualidade mais humana, “acho que é hora de discutirmos por que vocês realmente vieram aqui.” Ele lançou um olhar firme diretamente para Azrael, um brilho de desafio cruzando seus olhos como uma faísca prestes a incendiar. “Há mais em jogo do que apenas velhos laços de sangue.”

Geherik então voltou seu olhar para alguém que estava ao lado de Azrael. Azrael seguiu o olhar de Geherik e percebeu Legion, um homem de cabelos e olhos negros como o ébano, que se mantinha silencioso, observando a cena com uma expressão indecifrável.

“Legion… Pensei que você não iria aparecer…”, disse Geherik com uma tristeza inesperada na voz. “Você não veio ao nosso último encontro.”

Geherik continuou a encarar Legion, como se procurasse respostas nas profundezas dos olhos sombrios do homem.

“Me desculpe… Eu senti que não poderia encará-lo depois do que aconteceu,” disse Legion, sua voz pesada como se carregasse o peso de séculos de arrependimentos.

“Não foi sua culpa!”, bradou Geherik, a dor clara em seu tom. “Azrael foi o verdadeiro culpado. Ele não conseguiu proteger minha irmã. Você não poderia ter feito nada para ajudar.”

“Geherik!”, gritou Aion, um tom de reprimenda familiar em sua voz.

“Está tudo bem, Aion,” disse Legion, com um sorriso triste. “Geherik, eu sou Azrael, e ele sou eu. O erro não foi apenas dele.”

Mas antes que a tensão pudesse crescer, Aion interveio com a autoridade de uma irmã mais velha, atingindo ambos com um leve tapa na cabeça. “Já chega, vocês dois!” Sua voz estava irritada, mas carregada de uma afeição que só alguém que viu muito poderia ter. “Em primeiro lugar, o que aconteceu foi escolha minha. Azrael não teve culpa. Não culpe o garoto por algo que ele não poderia controlar,” disse Aion, olhando firme para Geherik. “E você, Legion, pare de se culpar também. Sinceramente, vocês nunca mudam. Faz séculos—trezentos anos, para ser exata! E ainda agem como crianças.”

Por um momento, o ar ao redor ficou suspenso, como se até o próprio mundo estivesse esperando para ver o que aconteceria a seguir. As palavras de Aion ecoaram, carregadas de um peso que atravessava não apenas o tempo, mas os corações daqueles presentes. E por um instante, parecia que o fogo da criação que ligava suas almas brilhava mais intensamente, lembrando-os de que, mesmo através da dor, traição e perda, o laço que compartilhavam era eterno.

Azrael suspirou, percebendo como Aion havia mudado completamente o clima ao redor. A tensão de antes foi substituída por uma calma incomum, algo que não se via naquele lugar havia séculos. “Então, Geherik,” começou Azrael, sua voz carregada de uma curiosidade genuína, “o que exatamente você deseja? Sei que você ouviu o meu pedido, mas poderia ter trazido apenas Eriel, certo? Qual o motivo de me trazer junto?”

Azrael estava intrigado. Conhecia o poder de Geherik o suficiente para saber que, com suas habilidades, convocar Eriel sozinha não seria um desafio. Havia algo mais por trás daquele encontro, e Azrael estava determinado a descobrir o que era.

Geherik, agora em sua forma humanoide, observou Azrael por um momento antes de lançar um pequeno frasco em sua direção. “Tome,” disse Geherik com simplicidade.

Azrael apanhou o frasco no ar e o estudou atentamente. O líquido vermelho vibrante parecia pulsar com uma energia própria, quase viva. Azrael ergueu uma sobrancelha, surpreso. “Isso é…”

“O meu sangue,” explicou Geherik, a voz carregada de uma autoridade tranquila. “Beba-o, e você conseguirá atingir ‘aquela’ forma sem preocupações.”

Azrael encarou o líquido em sua mão, o brilho vermelho refletindo em seus olhos. A aparência do frasco era modesta, mas o conteúdo era incomensuravelmente precioso. Ele sabia que rejeitar uma dádiva como aquela seria uma tolice.

“No mundo real, beba metade e guarde a outra metade. Vai precisar mais tarde,” Geherik instruiu com um tom que deixava claro o peso de suas palavras. Ele então se voltou para Nix, a Deusa da Noite, que havia sido trazida junto aos demais. “Deusa da Noite, me perdoe por tê-la convocado junto com os outros. Você foi arrastada para cá contra sua vontade.”

Nix suspirou, sua presença envolta em uma escuridão suave que parecia suavizar o ambiente ao redor. “Sei da raiva que alguns de sua espécie ainda guardam contra a minha raça, então peço desculpas por estar em um espaço criado exclusivamente para os dragões,” disse Nix, sua voz ecoando como um sussurro de estrelas em um céu sem lua.

Legion, que até então se mantinha um passo atrás, decidiu intervir. “Não entenda mal, Nix,” ele começou, com uma seriedade inesperada. “Nenhum dos dragões guarda rancor dos deuses de forma indiscriminada, e isso inclui o último de nós. Em especial, você e meu amigo Nêmesis são deuses cuja companhia apreciamos. Não se sinta responsável pelos erros do passado.”

Era de conhecimento comum que Nix havia recusado sua participação na antiga guerra contra os dragões. Sua decisão de se manter à margem a tornava uma exceção entre os deuses, e os dragões, especialmente os mais antigos como Geherik, reconheciam isso.

“Lutei com seu filho no passado,” continuou Legion, sua voz refletindo uma mistura de respeito e nostalgia. “Ele foi um oponente digno de glória, e morrer em uma batalha ao lado dele foi uma honra. Esse simples fato já é suficiente para eu me sentir satisfeito. Além disso, estamos todos aqui por causa do acordo que fiz com seu filho.”

Azrael, que observava a conversa, teve um estalo em sua mente, como se uma peça finalmente tivesse se encaixado no lugar. “Oh? Geherik, se você não tem mais assuntos comigo, eu gostaria que me levasse até meu mundo interno enquanto você conversa com sua irmã,” pediu Azrael, agora com um leve sorriso. “Nêmesis adoraria ver Nix pessoalmente, e não apenas através dos meus olhos. Seria melhor que os dois se encontrassem de fato.”

Geherik ponderou por um momento antes de acenar com a cabeça em concordância. Com um simples gesto de sua mão, ele envolveu Azrael e Nix em uma energia translúcida e os enviou para o mundo interno de Azrael. Enquanto a névoa mágica os envolvia, Azrael lançou um último olhar para Geherik e Aion, um silencioso agradecimento pela compreensão e pela oportunidade.

No silêncio que se seguiu, Geherik voltou sua atenção para Aion, sua irmã que ele não via há tanto tempo. Havia ainda muito para ser dito entre eles, e os sussurros do passado pairavam como espectros ao redor, aguardando para serem finalmente confrontados.

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