Passado
Azrael estava se preparando para sua jornada quando foi convocado por Belial. A seu lado, Samael, sua nova mestra, acompanhava-o com um semblante ponderado. Seus olhos, sempre frios e calculistas, revelaram uma leve surpresa diante do chamado inesperado.
“Me pergunto o que Belial deseja,” murmurou Samael, mais para si mesma do que para Azrael.
“Quem sabe? Ele age conforme lhe convém,” respondeu Azrael, um toque de desdém ecoando em sua voz, ainda que respeitoso.
Os dois caminharam pelos corredores vastos do palácio, o som de seus passos ecoando nas paredes de pedra escura, até pararem diante dos aposentos de Belial. Azrael bateu suavemente à porta de Ébano. A voz firme de seu pai respondeu quase de imediato, concedendo-lhe permissão para entrar. Sem hesitar, Azrael empurrou a porta e adentrou.
Belial e Lilith estavam em meio a uma conversa, suas palavras foram interrompidas ao notarem a presença de Azrael. O pai foi o primeiro a falar, seus olhos cintilando com um misto de orgulho e expectativa.
“Oh, Azrael. Ouvi dizer que partirá em breve,” Belial comentou, um sorriso enigmático curvando seus lábios.
Lilith se aproximou, o brilho suave de suas asas ocultas com magia reluzindo por um instante. “Eu e seu pai preparamos algo para sua viagem,” disse ela, sua voz carregada de carinho. “Espero que não o estejamos atrasando,” completou, suas palavras transbordando uma leve preocupação maternal.
Azrael inclinou levemente a cabeça em sinal de respeito. “Nunca, mãe. Fico grato pelo que prepararam.”
Belial gesticulou para que Azrael os seguisse. Os quatro caminharam até uma sala adornada com tapeçarias antigas e brasões da família. Ao centro, uma vasta mesa reluzia com pilhas de ouro, joias e artefatos raros.
“Esses são presentes para sua jornada,” explicou Belial, sua voz soando tanto como um gesto de generosidade quanto de sabedoria. “Vender esses tesouros lhe permitirá focar no que realmente importa: seu treinamento.”
Azrael observou a riqueza diante dele com uma expressão neutra, embora apreciasse o gesto. “Agradeço,” ele disse calmamente, sem ostentação, como era seu costume.
Samael, que permanecera em silêncio até então, finalmente falou. “Será um recurso valioso em nossa jornada,” disse ela, sua voz suave e afiada ao mesmo tempo. “Mas o verdadeiro poder não vem de riquezas.”
Belial assentiu, compartilhando um olhar cúmplice com a mestra de seu filho. “Exato. Lembre-se, Azrael, o ouro é efêmero. Mas o poder, o conhecimento, esses são eternos.”
Azrael cruzou o olhar com Samael, que o observava com uma leve inclinação de cabeça, como se reconhecesse as palavras de Belial. Ele absorveu a lição em silêncio, ciente de que aquele presente era mais um símbolo do que uma necessidade.
Pouco tempo depois, com o presente recebido e as despedidas feitas, Azrael e Samael desapareceram num piscar de olhos, transportados pelo teleporte de Samael. O familiar frio do vácuo os envolveu por um breve instante até que seus pés tocaram o chão de um novo mundo.
Eles haviam chegado ao planeta dos demônios, onde Belzebu governava. A atmosfera ali era pesada, como se o próprio ar fosse impregnado de malícia e poder. Nuvens escuras rodopiavam no céu, e vastas montanhas pontilhavam o horizonte, como sentinelas silenciosas de um reino antigo e perigoso.
“Onde começaremos?” Azrael perguntou, seus olhos percorrendo a vastidão à sua frente.
Samael sorriu, uma expressão que não lhe era comum, mas que trazia um toque de satisfação sombria. “Aqui, onde o caos reina. Belzebu é um mestre cruel, mas seus domínios serão o campo de testes perfeito para o seu verdadeiro crescimento.”
Azrael permaneceu em silêncio.
Samael conduziu Azrael pelo terreno hostil, onde o vento uivava como uma voz de antigas almas aprisionadas, até avistarem um vasto campo, cercado por estandartes e tendas negras. Este era o campo de treinamento do Exército Demoníaco, onde demônios de todas as castas eram forjados para o combate. No horizonte, centenas de recrutas já se alinhavam, movendo-se em uníssono sob o olhar vigilante de comandantes e instrutores cruéis.
“É aqui que você começará,” disse Samael, sua voz firme, mas neutra. “Conversei com o comandante anteriormente e expliquei sua situação. Você será tratado como qualquer outro recruta… exceto por um detalhe.”
Azrael arqueou uma sobrancelha, olhando para sua mestra em busca de mais explicações.
“O comandante recebeu ordens de intensificar seu treinamento. Ele aumentará o nível de dificuldade, e você será testado de forma mais rigorosa do que os outros. Seu corpo e mente serão levados ao limite. Esse treinamento durará um ano completo,” continuou ela, seus olhos frios como o aço enquanto examinava o campo à frente. “Sua resistência, suas técnicas de combate… tudo será forjado na disciplina militar.”
Azrael permaneceu em silêncio por um momento, absorvendo as palavras de Samael. Ele sempre soubera que a jornada não seria fácil, mas a perspectiva de ser tratado como um mero recruta era, de certo modo, humilhante. Mesmo assim, não demonstrou qualquer hesitação.
“Entendo,” respondeu ele finalmente, a voz baixa, porém firme.
Samael o encarou por um longo instante, avaliando a determinação do jovem. “Durante este ano, eu o observarei, mas minha interação com você será mínima. Esse é seu desafio, não o meu. Dormirá junto aos recrutas, comerá com eles e viverá entre eles. Não terá permissão para sair do campo, e deve trabalhar duro se deseja alcançar o posto de mercenário.”
Azrael assentiu, aceitando o destino que lhe fora imposto. As regras eram claras. Ele estava preparado para enfrentar o que fosse necessário, mesmo que significasse rebaixar-se à vida de um soldado comum.
Eles caminharam em direção ao centro do campo, onde o comandante do treinamento, um demônio imponente de pele escura e olhos afiados, já os aguardava. Sua presença irradiava autoridade, e os recrutas à sua volta rapidamente se enfileiraram, paralisados pelo medo e respeito.
“Ora, ora, parece que temos um novato especial,” disse o comandante com um sorriso predatório ao avistar Azrael. “Samael me informou sobre você. Não espere nenhum tratamento especial, jovem príncipe. Aqui, você é apenas mais um. Mas suas provas serão mais árduas. A partir de hoje, sua vida pertencerá ao campo de treinamento. Se sobreviver, poderá sair como mercenário do exército. Do contrário… bem, o cemitério é logo ali.”
Azrael manteve-se impassível diante da provocação. Ele sabia que o comandante estava testando sua força de vontade e não lhe daria o prazer de uma reação.
Samael, por sua vez, se afastou silenciosamente, permitindo que o comandante tomasse o controle da situação. “Lembre-se, Azrael,” disse ela antes de desaparecer entre as sombras do acampamento, “a única forma de sair daqui será se tornar um mercenário. E para isso, você terá que merecer.”
Belial já havia lhe explicado o processo. Os mercenários do exército demoníaco eram uma elite que recebia missões perigosas em terras longínquas. Apenas aqueles que sobrevivessem ao rigoroso treinamento e demonstrassem verdadeiro talento no campo de batalha poderiam almejar tal título. Para Azrael, essa seria sua única saída — a única forma de deixar o campo e continuar sua jornada. O peso da responsabilidade já se fazia sentir sobre seus ombros, mas ele estava pronto.
“O que está esperando, novato?” o comandante rosnou. “Alinhe-se com os outros.”
Azrael avançou, posicionando-se junto aos recrutas, ignorando os olhares curiosos e desdenhosos de seus novos companheiros. Ali, ele era apenas mais um soldado. E assim começava o primeiro dia do ano mais desafiador de sua vida.
O campo de treinamento era um cenário de puro tormento, um lugar onde a vontade de qualquer um poderia ser destruída em questão de dias. Desde o amanhecer, os recrutas eram empurrados ao limite, forçados a correr quilômetros carregando blocos de pedra pesando tanto quanto eles mesmos. O ar quente e pesado parecia conspirar contra eles, fazendo cada respiração se tornar uma batalha. O suor e o sangue manchavam o chão, e os gritos dos instrutores ecoavam como chicotes invisíveis, lembrando-os de que não havia espaço para fraqueza.
O treinamento de combate era ainda mais cruel. Os recrutas eram colocados em pares e, sob o olhar impiedoso dos superiores, recebiam ordens claras: ferir o oponente o máximo possível. Não havia espaço para piedade, e hesitar significava ser estraçalhado. Armas pesadas e primitivas eram distribuídas, e os sons de lâminas encontrando carne e ossos se misturavam aos gritos de dor.
A brutalidade era necessária, diziam os comandantes. Aqueles que não conseguiam suportar eram fracos e não mereciam se juntar às fileiras dos demônios. Azrael, ao lado dos outros, era forçado a levantar-se repetidamente após cada queda. Ele estava longe de ser poupado. O comandante fizera questão de dobrar suas cargas, multiplicar suas provas, e testá-lo em cada aspecto de sua resistência física e mental.
Os dias se arrastavam como um ciclo interminável de sofrimento. Correr com pesos até os músculos arderem, depois lutar até o corpo quebrar, seguido de mais exercícios extenuantes que pareciam não ter fim. Dormiam em camas de pedra, alimentavam-se com rações mínimas e passavam as noites em um sono leve e agitado, sabendo que o próximo dia seria ainda pior que o anterior.
Azrael, embora determinado, sentia o peso da carga. Cada músculo de seu corpo parecia gritar por alívio, mas ele se recusava a ceder. O olhar atento de Samael, sempre observando de longe, pairava sobre ele como um lembrete constante de sua missão. Ela o vigiava, mas nunca intervinha. Ele estava sozinho nessa provação.
Com o passar das semanas, o número de recrutas começou a diminuir drasticamente. No início, havia centenas de soldados no campo. Porém, em pouco mais de três meses, a maioria dos recrutas já havia desistido, suas mentes e corpos esmagados pelo peso do treinamento infernal. Aqueles que caíam, incapazes de continuar, eram simplesmente deixados para trás. Não havia misericórdia para os fracos.
Os poucos que permaneciam eram os mais obstinados, aqueles cuja força de vontade havia sido forjada na dor. Entre eles, Azrael se destacava. Ele não era o mais forte fisicamente, mas sua resiliência e determinação faziam dele uma presença temida entre os recrutas. A cada combate, ele aprendia. A cada queda, ele se levantava mais forte.
Ainda assim, o campo não mostrava sinais de alívio. O comandante mantinha a pressão, intensificando os desafios. A resistência era testada ao limite, e qualquer erro, qualquer fraqueza, resultava em punições severas. As ordens de Samael eram claras: Azrael precisava ser endurecido, transformado em uma arma viva, um líder capaz de suportar o peso sobre seus ombros.
O tempo passava, e Azrael começava a se adaptar. Suas mãos, antes feridas pelas lâminas, agora eram calosas e firmes. Seus movimentos no combate tornaram-se mais calculados, precisos, como os de um predador à espreita. Ele começava a entender a verdadeira natureza do treinamento: não se tratava apenas de força bruta, mas de perseverança e inteligência.
Certa manhã, enquanto se preparavam para mais um dia excruciante, um dos recrutas mais novos, com o rosto pálido e os olhos inchados de exaustão, se aproximou de Azrael.
“Como você aguenta?” perguntou ele, a voz tremendo, como se sua última força estivesse se esvaindo.
Azrael olhou para ele com frieza. “Eu não penso em como aguentar,” respondeu. “Apenas continuo.”
No quarto mês, o treinamento tomou um rumo diferente. Além das rotinas exaustivas de força e combate, os recrutas agora eram forçados a treinar o controle de mana. Todos os dias, eram obrigados a esgotar suas reservas até o limite, drenando cada gota de energia mágica de seus corpos até o esgotamento completo. Era um processo agonizante. Alguns desmaiavam, outros gritavam em dor, e muitos simplesmente desistiam.
Azrael, no entanto, enfrentava um desafio maior. Embora seu talento natural fosse inegável, ele possuía uma reserva de mana surpreendentemente pequena. Sentia-se frustrado com isso, como se estivesse correndo com correntes nos tornozelos. Seus colegas, mesmo aqueles menos habilidosos, tinham mais facilidade para suportar o treinamento mágico. Ele, por outro lado, lutava para manter o controle.
“Concentre-se na sua respiração, Azrael,” disse um dos instrutores enquanto ele tentava esvaziar sua mana no campo de treino. O corpo de Azrael tremia e ele sentia como se seus músculos estivessem sendo rasgados por dentro. Seu olhar turvou-se e, por um momento, ele quase desabou. As sombras à sua volta pareciam se distorcer, dançando na sua visão periférica enquanto sua mente vacilava. Era como se algo dentro dele estivesse sendo arrancado à força, deixando apenas um vazio gelado.
“Eu… estou tentando…” murmurou Azrael entre dentes cerrados. Ele podia sentir sua energia restante se esvair como uma areia fina passando por seus dedos.
“Continue!” gritou o instrutor, com um brilho impiedoso nos olhos. “Você não para até estar vazio!”
E assim, dia após dia, o treinamento prosseguia. Azrael lutava com todas as suas forças para esgotar sua mana, sentindo-se cada vez mais próximo do colapso, mas também mais resistente. Cada vez que sua mente vacilava, ele reunia forças do fundo de seu ser e continuava, recusando-se a ser derrotado. O tempo no campo de treinamento o forçava a ultrapassar limites que ele jamais havia conhecido.
Depois de pouco mais de oito meses de esforço contínuo, finalmente Azrael foi convocado ao centro do campo de treinamento. O comandante, com sua expressão severa de sempre, entregou-lhe o emblema prateado que simbolizava sua aceitação como mercenário do exército.
“Azrael, a partir de hoje, você é um mercenário oficial,” disse o comandante, sua voz grave. “Sua jornada como recruta terminou, mas o verdadeiro desafio está apenas começando. Você será designado a missões perigosas que exigem não apenas força, mas inteligência e estratégia. Não decepcione.”
Azrael pegou o emblema e o prendeu em seu uniforme, assentindo solenemente. O peso de tudo o que havia passado até aquele momento parecia começar finalmente a aliviar-se. Ele havia sobrevivido, e agora começaria uma nova fase de sua vida.
Sua primeira missão como mercenário era simples, mas não menos perigosa. Ele foi designado a um pequeno grupo de três outros mercenários, todos experientes, para caçar um animal predador que vinha causando caos nas aldeias locais. O trabalho foi direto: rastrear, emboscar e eliminar a ameaça. O animal, uma criatura massiva com presas afiadas e olhos brilhantes, era perigoso, mas o grupo de Azrael conseguiu derrubá-lo sem grandes problemas. Mesmo com a pequena quantidade de mana que possuía, Azrael se destacou pela sua precisão e destreza no combate.
Após a missão, seu grupo decidiu relaxar. No fim da tarde, eles entraram em uma taverna, onde a música alta e o som de risadas enchiam o ar. Pela primeira vez em meses, Azrael pôde sentir algo próximo da liberdade. Sentado à mesa com seus companheiros de missão, ele tomou um gole de uma bebida forte, sentindo o calor descer por sua garganta.
“O que achou da sua primeira missão, garoto?” perguntou um dos mercenários, um homem robusto de pele cinzenta e cicatrizes visíveis pelo corpo. Ele sorriu para Azrael, apreciando sua presença tranquila.
“Foi mais fácil do que o treinamento,” respondeu Azrael, sua voz fria e direta como sempre.
Os mercenários riram, o som ecoando pelo bar abarrotado. “É porque o treinamento é feito para quebrar a alma,” comentou um deles com um sorriso cínico. “Mas você se saiu bem. Mostrou que sabe aguentar pressão.”
Azrael assentiu em silêncio. O treinamento implacável havia deixado sua marca nele, esculpindo uma armadura invisível ao redor de seu espírito. Missões futuras, no entanto, poderiam se mostrar ainda mais cruéis. Mesmo assim, pela primeira vez em meses, ele sentiu o peso de suas batalhas diminuir um pouco, permitindo-se relaxar, mesmo que brevemente.
“Agora chegamos à melhor parte da noite,” disse outro mercenário, jogando uma bolsa pesada de moedas sobre a mesa. “Estamos cercados de belas mulheres.” Seu sorriso era malicioso enquanto fazia um gesto para a bolsa.
Azrael olhou para o dinheiro com curiosidade. Antes que pudesse perguntar, o líder do grupo falou, um sorriso travesso surgindo em seus lábios. “Essa é sua parte. Vá, aproveite um pouco. Eu vou encontrar algumas companhias, e parece que os outros farão o mesmo.”
“Não se preocupe, garoto,” continuou o mercenário, levantando-se da cadeira. “Nós vamos enviar alguém para você. Lembre-se, trate-a bem.”
Azrael, franzindo o cenho em confusão, perguntou: “Tratá-la bem? Tenho que… conversar com ela?”
O líder soltou um suspiro exasperado, lançando-lhe um olhar resignado. “Escute, garoto…” Ele então explicou o que Azrael deveria fazer, detalhando com clareza o que esperavam de sua interação.
Os mercenários se levantaram para seus encontros, deixando Azrael sentado à mesa, aguardando, como instruído. “Esperar, é?” murmurou ele, aproveitando para observar o movimento ao seu redor, ainda assimilando o ambiente animado do bar.
Não demorou muito para que uma mulher se aproximasse. Ela tinha olhos azuis penetrantes e cabelos vermelhos que brilhavam como brasas sob a luz tênue. Era jovem e bonita, atraindo, imediatamente, olhares de todos no local. Quando ela se sentou à mesa, Azrael notou que os outros clientes rapidamente desviaram o olhar, como se estivessem com medo dela.
“Então, você é o famoso Azrael?”, disse ela com um tom divertido, os lábios curvando-se em um sorriso brincalhão. “Ouvi falar de você. Parece que você é mais interessante do que imaginei, especialmente por suportar aquele treinamento.”
Ela tomou o copo de Azrael sem cerimônia, bebendo um gole enquanto o observava com curiosidade. “Hmm… Isso é bom. Então, onde ela está? Não chegou ainda?”, perguntou, sua voz um pouco distraída.
Azrael piscou, confuso sobre quem ela poderia estar se referindo, mas antes que pudesse responder, ela simplesmente deu de ombros. “Bom, tanto faz. Pode me chamar de Bel. É assim que ela me chama.”
Azrael ouvia a mulher tagarelar enquanto bebia. De repente, as instruções dos mercenários passaram por sua mente, e ele se preparou para seguir o que havia aprendido.
“Entã—” Ele começou a falar, mas foi interrompido por outra voz.
“Você é Azrael? Estou aqui para—” Uma mulher de cabelos negros se aproximou, mas foi cortada rapidamente por Bel.
“Cai fora,” disse Bel, a voz cortante.
A mulher de cabelos negros hesitou, surpresa ao ver Bel ali. Seu rosto empalideceu, e parecia não saber como reagir. “Maje—”
“Eu disse, cai fora!”, repetiu Bel, impaciente. A recém-chegada não precisou de mais incentivo, girando nos calcanhares e fugindo rapidamente em direção à saída.
Bel, então, virou-se novamente para Azrael, o sorriso voltando aos seus lábios. “Agora podemos continuar. Não tem nada para me dizer?”
Ela parecia esperar uma reação, talvez algo sobre como ele estava lidando com o treinamento, mas Azrael, em vez disso, pensou nas palavras de seus companheiros de mercenário.
“Você tem razão,” disse ele, relembrando o que deveria fazer.
Sem mais delongas, Azrael se levantou, pegou a mão de Bel e a conduziu até o balcão. Ele entregou uma moeda para a atendente, que, sem questionar, lhe deu a chave de um dos quartos.
“Oh? Então é isso que você quer, privacidade?” Bel parecia divertida, seguindo-o de perto. Ela pensou que ele fosse realmente reservado e entendeu que ele queria evitar conversas mais íntimas em público. Em sua mente, agradecia a Azrael por perceber o clima e preferir um ambiente mais discreto.
“Espero que ela chegue logo,” murmurou Bel, satisfeita, enquanto seguiam pelo corredor em direção ao quarto.
Ao entrar, Bel observou o espaço, os olhos vagando brevemente pela mobília simples, antes de se sentar na cama.
“Agora podemos conversar tranquilamente,” comentou ela, mas logo notou que Azrael estava tirando a camisa. “Eh?”
Mesmo confusa, ela apenas observava, intrigada com os movimentos dele. Azrael caminhou até a cama, parando diante dela. Então, com uma suavidade inesperada, ele a deitou sobre os lençóis.
“Isso está errado…” murmurou Bel, começando a perceber o que estava prestes a acontecer. Ela não ofereceu resistência, mas a perplexidade continuava em seus olhos enquanto Azrael se inclinava para mais perto.
As palavras dos mercenários ecoavam na mente de Azrael: “Está tudo bem. Deixe-me guiar. Estamos apenas nós dois. Não precisa se segurar.”
Algum tempo havia se passado, e o quarto estava imerso em um silêncio preguiçoso, quebrado apenas pela respiração suave de Bel e Azrael. Ela estava deitada ao lado dele, sem roupas, um sorriso de satisfação brincando em seus lábios, enquanto o jovem demônio parecia mais confuso do que relaxado.
De repente, o som de passos rápidos ecoou no corredor, até que a porta do quarto foi aberta com força. Samael entrou no cômodo, parando abruptamente ao ver a cena diante dela. Seus olhos se arregalaram por um instante, sua expressão de surpresa lutando para não se transformar em puro espanto. Ela cruzou os braços, olhando para os dois com uma mistura de descrença e irritação.
“Eu… deveria perguntar o que diabos aconteceu aqui, mas acho que é bastante óbvio,” disse Samael, com uma sobrancelha levantada.
Bel, ainda deitada languidamente, virou a cabeça e sorriu para Samael. “Ah, Samael, você sempre com esse timing impecável. Como eu queria que fosse tão pontual nos encontros, mas parece que o Azrael foi mais rápido.” Ela deu uma piscadela atrevida, claramente se divertindo com a situação.
Azrael, sentando-se na cama, disse: “Os mercenários disseram que iriam enviar uma mulher para passar a noite comigo,” começou ele, olhando para Samael com sinceridade. “Eu pensei que… bem, achei que ela fosse essa mulher.”
Samael suspirou, massageando as têmporas. “Você pensou que ela era uma das prostitutas que os mercenários mandaram?” Sua voz estava cheia de ceticismo, mas também de uma leve resignação.
“Sim,” respondeu Azrael, completamente alheio ao desconforto da situação. “Eles me ensinaram o que fazer, e eu… segui as instruções.”
Bel riu suavemente, os olhos brilhando de diversão. “E que bom aluno ele é! Realmente se dedicou à lição.” Ela se virou para Samael, mal contendo o riso. “Eu diria que ele passou no teste com louvor.”
Samael bufou, olhando para Bel com uma expressão endurecida. “Isso não é uma piada, Bel.”
“Ah, Samael, você sabe que tudo pode ser uma piada, se for contada da forma certa,” respondeu Bel, sentando-se na cama, sem fazer nenhum esforço para cobrir seu corpo. “Mas, para ser justa, foi um mal-entendido genuíno… pelo menos, da parte dele.” Ela lançou um olhar provocativo para Azrael, que desviou o olhar, claramente ainda confuso.
Samael lançou outro olhar cansado para Azrael. “Azrael, você sabe com quem acabou de ‘ficar íntimo’?” Ela perguntou, a exasperação crescendo em sua voz.
Azrael balançou a cabeça lentamente. “Eu… pensei que ela fosse só… Bel.”
“Bom, ela é ‘Bel’. Belzebu, a rainha dos demônios.” Samael deixou a revelação no ar, esperando que Azrael compreendesse o peso do que acabara de acontecer.
Azrael piscou, finalmente processando a informação. “Bel… é Belzebu?” Ele olhou para Bel, seus olhos se arregalando em reconhecimento.
Bel, sorrindo de orelha a orelha, inclinou-se para ele, a voz cheia de brincadeira. “Sim, querido, sou eu. Mas prefiro quando me chamam só de Bel… especialmente em situações como essa.” Ela piscou para ele, um toque malicioso em seu tom.
Samael balançou a cabeça, exasperada. “Isso deveria ser uma reunião séria. Você estava aqui para encontrar o Azrael por um motivo importante, Bel. Mas agora… bem, o estrago já está feito.”
Bel deu de ombros, ainda sorrindo. “Estrago? Eu diria que foi uma introdução bastante… íntima. Quem diria que o grande futuro rei seria tão carinhoso logo de primeira?” Ela soltou uma gargalhada, obviamente se divertindo com o desconforto de Samael.
Azrael, por sua vez, parecia tentar processar tudo. Ele se vestiu lentamente, tentando evitar o olhar de Bel, que o observava com um olhar provocante.
Samael suspirou profundamente, virando-se para os dois enquanto eles terminavam de se vestir. “Bem, agora que todos estão… cobertos, vamos falar do que realmente importa. Azrael, como foi o treinamento?”
Azrael, colocou a camisa e olhou para sua mestra. “Foi… desafiador. Eu aprendi muito, mas ainda sinto que há muito que preciso dominar.”
Samael cruzou os braços, observando-o cuidadosamente. “Eu posso ver que algo mudou em você. Você parece… diferente.”
“Claro que ele está diferente,” interrompeu Bel, sorrindo com malícia. “Ele teve a honra de passar um tempo na minha companhia. Isso amadurece qualquer um, não acha, Samael?” Ela riu, claramente aproveitando a chance de irritar a velha amiga.
Samael lançou-lhe um olhar afiado. “Bel, eu juro, se você continuar com essas piadas…”
“Ah, querida, você me ama assim,” retrucou Bel, piscando. “Além disso, admito que o garoto tem potencial. Forte, determinado… e com uma criatividade inesperada.” Ela mordeu o lábio de forma exagerada, provocando uma careta de Samael.
“Deixe a mente dele em paz, Bel. Ele não precisa desse tipo de ‘orientação’ extra,” retrucou Samael, embora houvesse um toque de exasperação afetuosa em sua voz. Apesar de Bel ser uma provocadora incorrigível, as duas tinham uma amizade sólida.
“Mas eu estava apenas sendo uma boa anfitriã,” respondeu Bel, fingindo inocência. “Afinal, é um mundo cruel lá fora. Se eu não o ensinasse algumas coisas, quem o faria?”
Samael revirou os olhos, mas uma sombra de um sorriso apareceu em seus lábios. “Vamos encerrar isso por aqui. Bel, você tem algo mais sério a discutir com Azrael?”
Bel balançou a cabeça, ainda sorrindo, mas seu tom se tornou um pouco mais sério. “Sim, temos assuntos importantes. Mas… acho que o garoto merece um descanso, não acha?” Ela lançou um último olhar provocativo para Azrael antes de se levantar da cama. “Afinal, ainda temos muito o que fazer.”
Samael suspirou. “Certo, mas da próxima vez, sem confusões… entendeu, Azrael?”
Azrael assentiu, embora ainda não soubesse exatamente como evitar futuras confusões com alguém como Belzebu por perto.