Hope caminhava pelos corredores silenciosos da facção, o som distante das máquinas e o leve zumbido do ar condicionado, criando uma sensação de calma que contrastava com a agitação interna que ela sentia. Seu destino era o centro de pesquisa, onde sua mãe passava a maior parte do tempo imersa em relatórios e estudos clínicos. Nos últimos meses, era raro ver Eriel longe do laboratório, seu foco inabalável refletindo sua dedicação ao trabalho da facção.
Ao se aproximar da sala de pesquisa, Hope avistou sua mãe através da porta de vidro. Eriel estava concentrada em uma pilha de papéis, sua figura esbelta e imponente era marcada por uma postura segura e pelo jaleco branco que destacava sua autoridade no ambiente. Seus longos cabelos vermelhos estavam presos em um rabo de cavalo, uma escolha prática para o trabalho clínico, enquanto seus olhos amarelos brilhavam com um foco afiado.
Era difícil imaginar que aquela mulher, tão serena e compenetrada, tivesse sido uma guerreira implacável no passado. Hope lembrou-se das palavras de sua tia: “Ela era bem diferente antes… A mudança veio depois que seu corpo foi alterado, tornando-se um vampiro.” Esse pensamento sempre a deixava curiosa — o que mais teria mudado além da aparência?
“Bom dia, mãe,” disse Hope ao entrar na sala, interrompendo seu fluxo de pensamentos.
Eriel levantou o olhar com um sorriso caloroso, seu rosto suavizando ao ver a filha. “Bom dia, querida. Não está atrasada para seus compromissos?” Ela brincou, organizando os papéis à sua frente.
Hope sorriu de volta, aproximando-se da mesa. “Ainda não, mas quase. Decidi passar por aqui antes de começar o dia.”
Eriel se recostou na cadeira, cruzando os braços sobre o jaleco, claramente satisfeita com a visita inesperada. “Fico feliz que tenha vindo. Não tenho saído muito daqui ultimamente. Como estão as coisas?”
“Estão indo bem, eu acho,” Hope respondeu, com uma leve hesitação. “Mas… não vi Naara, Sien ou a tia esses dias. Elas estão em missão?”
Eriel suspirou levemente, assentindo. “Elas saíram em uma missão especial para o seu Tio Ethan. Foi algo de última hora, então partiram rápido. Não se preocupe, devem voltar em breve.”
Embora Eriel tentasse tranquilizá-la, uma pontada de preocupação ainda permaneceu no coração de Hope. Missões especiais sempre traziam um certo risco, especialmente quando envolviam pessoas tão próximas. “Entendo… Espero que tudo corra bem.”
“Ah, claro que sim,” disse Eriel com tranquilidade. “Naara e Sien são extremamente competentes. E sua tia, bem… você sabe como ela é.”
Hope riu, lembrando-se da personalidade enérgica e decidida de sua tia. As duas continuaram conversando por mais alguns minutos, aproveitando aquele raro momento de calmaria. O assunto variou de mudanças no centro de pesquisa a detalhes triviais do cotidiano, e Hope mencionou de passagem o novo membro de sua equipe, embora sem se aprofundar nas peculiaridades de sua personalidade.
“Parece que você está lidando bem com os novos desafios,” comentou Eriel, sua voz suave e encorajadora. “Fico orgulhosa de ver o quanto você cresceu.”
“Eu ainda tenho muito o que aprender,” Hope respondeu, sorrindo timidamente. “Mas estou me esforçando.”
Olhando para o relógio na parede, Hope percebeu que o tempo havia passado mais rápido do que esperava. “Acho que já está na hora de eu ir.”
Eriel levantou-se e se aproximou, colocando uma mão gentilmente no ombro da filha. “Cuide-se, querida. E lembre-se, estou sempre aqui para você.”
“Eu sei, mãe. Obrigada,” disse Hope, retribuindo o gesto com um sorriso antes de sair. A breve conversa a revigorou e ela se sentiu mais tranquila enquanto caminhava pelos corredores, pronta para enfrentar o restante do dia.
Enquanto seguia seu caminho pelos corredores da facção humana, o movimento ao seu redor passava despercebido. Hope se encontrava imersa em pensamentos, refletindo sobre as expectativas e responsabilidades que pareciam pesar cada vez mais sobre seus ombros. Ela liderava sua equipe, aprimorava suas habilidades, e, apesar de estar se saindo bem, o peso dessas obrigações às vezes era sufocante.
De repente, uma figura à distância chamou sua atenção. Encostado em uma parede, parcialmente escondido pelas sombras, um garoto observava o ambiente ao redor com uma expressão de curiosidade misturada a uma tímida insegurança. Havia algo nele que a fez parar, uma sensação de que ele estava deslocado naquele espaço.
Ela se aproximou devagar, tentando não o assustar. “Ei, você está bem?” perguntou Hope, abaixando-se um pouco para ficar mais próxima da altura do garoto.
Ele piscou, surpreso, seus olhos castanhos profundos encontrando os dela com uma mistura de hesitação e vulnerabilidade. Ele parecia ter pouco mais de sete anos, mas havia uma seriedade em sua expressão que não combinava com sua idade. “Estou… tentando encontrar alguém,” respondeu ele, em um tom baixo e incerto. “Mas acho que me perdi.”
Hope sorriu gentilmente, tentando transmitir conforto. “É fácil se perder por aqui. Quer que eu te ajude a encontrar o caminho?”
O garoto a observou por um instante, como se estivesse decidindo se podia confiar nela. Finalmente, ele assentiu, e Hope sentiu um alívio ao perceber que havia conseguido ganhar sua confiança.
Depois de uma breve hesitação, o garoto concordou. Ele tinha cabelos negros bagunçados, e apesar de sua postura aparentemente inocente, algo em sua aura parecia muito mais maduro do que deveria ser para alguém da sua idade.
Enquanto caminhavam lado a lado pelos corredores, Hope começou a mostrar os arredores. “Esses são os alojamentos… lá fica a área de treinamento… e logo adiante, o centro de operações.” Ela mantinha o tom leve, mas não conseguiu afastar a sensação de que o menino era mais do que aparentava. Talvez fosse o silêncio dele, ou o olhar atento que ele lançava a cada nova informação. Algo não se encaixava.
“Você não parece ser daqui”, comentou Hope, olhando o menino. “Quem são seus pais?”
A resposta dele veio sem qualquer emoção. “Não estão aqui.”
A forma direta e fria com que ele falou fez Hope sentir um aperto no peito, mas antes que ela pudesse reagir, uma voz familiar, cortante e autoritária, a interrompeu.
“Olha, se não é a Hope.”
Ela se virou rapidamente, regularizando a figura de Damien, um dos líderes de equipe, que vinha em sua direção com uma expressão dura e irritada. Seu olhar logo recai sobre o menino, mas a desaprovação nos olhos dele estava toda voltada para Hope.
“A sua equipe está novamente no fim do ranking,” começou ele, sem rodeios, a voz fria e crítica. “Você, como capitão, deveria estar treinando agora, mas, em vez disso, está passando com uma criança.”
Hope sentiu a pressão das palavras de Damien, mas respirou fundo, tentando manter a calma. “Eu sei que as coisas não estão indo bem, mas estamos trabalhando nisso—”
“Não estou interessado nas suas desculpas,” Damien a cortou, avançando alguns passos, seu olhar frio e acusador cravado nela. “A verdade é que sua equipe está falhando porque você é falha, Hope. Você negligencia seus deveres, recebendo privilhegios por ser quem é.”
Hope cerrou os punhos, lutando contra o desejo de se defender. Aquelas palavras doíam, mas antes que ela pudesse responder, algo inesperado aconteceu.
O garoto, que até então estava em silêncio, deu um passo à frente. Sem hesitar, ele se posicionou entre ela e Damien, segurando o pulso do homem com uma firmeza surpreendente. Os olhos de Damien se arregalaram, chocados pela ousadia da criança.
“O que você pensa que está fazendo, garoto?” A voz de Damien saiu mais alta do que ele pretendia, uma mistura de surpresa e confiança.
O garoto direcionou os olhos para Damien, sua expressão completamente calma. “Você não deveria se meter com ela.”
As palavras, embora suaves, foram ditas com uma autoridade inquestionável, como se fossem uma ordem final. Damien tentou soltar o braço, mas o menino não permitiu. A força que ele aplicava era absurda para uma criança, e a expressão de Damien passava de arrogância para desconforto em segundos.
“Solte-me agora!” grunhiu Damien, sua voz carregada de fúria, mas também de humilhação. Ele tentou puxar o braço com força, mas o garoto não cedia.
O menino, sem mudar sua expressão, finalmente o soltou, e Damien, claramente humilhado, deu um passo para trás, encarando o garoto com uma mistura de incredulidade e raiva.
“Isso não vai ficar assim”, murmurou Damien antes de virar as costas bruscamente e se afastar, deixando Hope e o menino, sozinhos no corredor.
Hope, ainda processando o que acabara de acontecer, olhou para o garoto com uma mistura de surpresa e curiosidade. Aquele menino, tão pequeno e aparentemente frágil, acabou de demonstrar uma força que não deveria ser possível. E mais que isso, ele o fará com uma tranquilidade desconcertante.
“Obrigada, Elior,” disse Hope, quebrando finalmente o silêncio.
Elior apenas sorriu levemente, um sorriso que parecia muito mais experiente do que ela jamais poderia imaginar. “Eu só fiz o que preciso fazer.”
Eles continuaram andando pelos corredores, e Hope se viu refletindo sobre as palavras de sua mãe. Eriel sempre dizia que o mundo estava cheio de surpresas e de pessoas que não eram o que pareciam. Talvez Elior fosse uma dessas surpresas. Mas, por mais que ela quisesse entender o mistério por trás do garoto, decidiu não o pressionar. O silêncio entre eles era confortável, mesmo com as questões não respondidas pairando no ar.
Enquanto caminhavam, de repente, uma voz familiar chamou a atenção de Hope.
“Hope! O que você está fazendo com ele?” Ethan, seu tio e o líder da facção, aproximava-se com passos largos. Seu olhar estava cravado em Elior, e havia uma mistura de surpresa e curiosidade em seus olhos.
“Com ele?” Hope repetiu, um pouco confusa. “Este é Elior… eu o encontrei perdido e estava mostrando o lugar.”
Ethan olhou de Elior para Hope, e então soltou uma risada curta, mas cheia de surpresa. “Ah, então você já o conheceu. Ele é o segundo membro do seu time, Hope.”
Os olhos de Hope se arregalaram levemente. “O quê? Ele… ele fará parte da minha equipe?” Ela olhou para Elior novamente, que apenas a encarava calmamente, sem parecer impressionado com a revelação.
“Sim”, confirmou Ethan. “Elior foi designado para sua equipe. Eu estava planejando apresentá-lo formalmente, mas, enquanto aguardava ele em meu escritório, Elior nunca apareceu. Bom, acho que vocês dois já se adiantaram.”
Hope ainda estava tentando processar a ideia de que aquele garoto, que acabara de enfrentar Damien sem o menor esforço, seria parte de sua equipe. “Mas… ele é tão jovem. Como isso é possível?”
Ethan deu de ombros, seu olhar carregado de algo que poderia ser tanto compreensão quanto admiração. “Eu sei que parece estranho, mas você vai entender com o tempo. Elior é… especial. E será um grande ativo para o time. Aliás, teremos uma aula mais tarde e depois um treinamento, para que todos possam se conhecer melhor.”
Hope olhou para Elior novamente, sentindo o peso daquela nova responsabilidade se somando ao fardo que já carregava como capitã. A pressão de liderar um grupo e agora a presença enigmática de Elior pareciam transformar cada detalhe em algo maior.
Elior, por outro lado, parecia absolutamente calmo, como se nada disso fosse novidade para ele.
“Tudo bem”, disse Hope, forçando um sorriso enquanto olhava para o garoto. “Acho que nos veremos na aula, então.”
Ethan assentiu, colocando a mão no ombro de Hope. “Lembre-se, Hope, sua equipe tem potencial. Vocês só precisam se ajustar.”
Hope concordou com um aceno, embora soubesse que a jornada seria tudo, menos fácil. Ao se despedirem, ela sentiu os olhos de Elior sobre ela, e, por um momento, teve a estranha sensação de que o garoto sabia mais sobre ela e sobre o futuro daquela equipe do que ela jamais poderia imaginar.