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A descida não foi tão duradoura quanto os dois irmãos pensavam. Provavelmente por estarem juntos o tempo passou rapidamente, o que deixou tudo menos entediante. 

Mesmo assim, Theo não tirava um pensamento da cabeça; qual a utilidade de construir tudo isso para deuses? Para referenciá-los? Os deuses sequer devem saber as vidas perdidas nessas imensas construções. Era apenas uma dúvida que surgia vez e outra.

Outra escadaria que praticamente acompanhava a montanha, mais uma assim como a escadaria que leva aos templos das trindades. Mas, no fim era apenas uma baboseira dele. Se preocupar como os outros morreram é algo que o incomoda, mas contraria completamente seu pensamento. Por isso não passou de uma crítica pessoal intrusiva.

— Bem-vindos — disse Borthrit, o xamã estava parado ao lado de um pilar coríntio.

Os três visitantes pararam frente à uma entrada, onde uma rua de azulejos brancos estava ligada a uma pequena cidade.

— Esta é a casa do grande lorde Norlan, o mestre do vento. Espero que se sintam confortáveis… Ancião Hron, guarda Frorus, vocês estão dispensados.

Os olhos de Selina se arregalaram, como se tivesse despertado. Frorus? O guarda tinha comido poeira lá atrás, como ele já estava ali? Sua resposta chegou ao olhar para o ancião Hron, que provavelmente trouxe o guarda rapidamente. Ou talvez o guarda conhecesse um atalho além da escadaria.

O ancião e o guarda saudaram ao xamã antes de desaparecerem ao vento.

— Vamos? — chamou Borthrit, convidando os três para entrar na cidade.

Eles caminharam pelas ruas estreitas, quase vielas, sendo guiados pelo xamã. As casas eram no estilo clássico de Romerian: casas brancas normalmente retas ou em formato de cúpula. Crianças pulavam de uma viela para outra, brincando e sorrindo como se não houvesse um mundo além daquelas ruas.

— Xamã Borthrit — saudou um idoso. — Bom dia! Guie-nos até Lorde Norlan!

Borthrit cumprimentou o homem com uma saudação. 

O grupo de Theo decidiu ficar distante, apenas acompanhando o xamã devagar enquanto ele cumprimentava todos os cidadãos pelo caminho.

— Parece um lugar tão próspero… — sussurrou Agnes.

— Aparentemente é — retrucou Selina. — A principal ligação com esta cidade é uma fazenda ao norte, no estado de Nethuns. Aparentemente eles têm uma boa relação.

— Nethuns? — questionou Theo, num breve susto.

Isso significava que eles viajaram um reino naquela manhã.

— Sim. Aquela ponte da névoa, que nós estávamos perdidos, era uma fronteira entre Gran-Empire e o estado de Nethuns’, do império de Romerian. Ou seja, para lá… — apontou para o leste. — … está a casa de vocês. A uns doze dias de viagem com carruagem, mas está.

— Caramba… — murmurou Agnes.

A garota olhou para o xamã, distante dela. Ele parecia gentil, amigável e sábio, mesmo com sua aparência jovem. Ele era um bom líder, sem dúvidas alguma.

— Theo… A ordem que a senhorita Selina te deu…

— Sim. — Ele engoliu em seco, tenso. — Vou conversar com ele.

Theo apressou o passo, tomando a frente de Selina e sua irmã. Discreta e educadamente, ele cumprimentou a todos no caminho até o xamã. Borthrit notou o rapaz se aproximando e apressou-se, comprando duas maçãs numa tenda ao lado. O xamã escolheu a melhor das maçãs que o aldeão poderia fornecer. Ele jogou duas moedas de prata para o comerciante em troca das maçãs.

— Decidiu se aproximar de mim? — perguntou o xamã, estendendo uma das maçãs para Theo.

O rapaz aceitou.

— Você sabe o porquê estou aqui, certo? — questionou Theo.

Borthrit o olhou de cima enquanto mordia a maçã. Após um suspiro rápido, ele se virou.

— Se você não é Merlin Ambrosius, então é semelhante a qualquer outra pessoa: está aqui para duelar pelo meu posto de xamã. Você quer me desafiar em um combate e pegar o meu posto para se aproximar do lorde Norlan e firmar um pacto… Acredite, será em vão. Sabemos que você não conseguirá isso. Não sendo tão… — Borthrit se virou bruscamente contra Theo e o analisou de corpo e alma. — mediano assim.

— Se sou tão mediano, o que te faz pôr aquela criatura como meu vigia? — Theo apontou para o teto de uma casa.

O xamã se surpreendeu.

— Então consegue senti-lo? — Um sorriso se abriu em seu rosto.

— Claro. Com uma perturbação tão grotesca na atmosfera, quem não sentiria aquilo?

Borthrit pegou no queixo do rapaz e se aproximou.

— Você está realmente ligado ao vento… Consegue sentir o ambiente?

— Sim. Qualquer coisa que afete a atmosfera ao meu redor, consigo sentir tudo.

— A sensação é boa, né? Conseguir sentir tudo e todos ao mesmo tempo. O menor dos movimentos acende uma chama de atenção na sua mente, deixando-o atento. É como se…

— A atmosfera do mundo inteiro fosse uma extensão das nossas mentes.

— Exatamente. Estou surpreso, demorei décadas para chegar neste estado.

— Aparentemente, ter um núcleo neutro ajuda nessa proficiência elementar.

— Oh… — murmurou Borthrit. — Você saiu de mediano para interessantezinho. 

Theo encarou sua mão esquerda.

— E pelo visto, isso só aumentou depois que a minha ressonância passou pela estátua…

— A estátua das bênçãos? — disse o xamã. — Aquela estátua do lorde Norlan aumenta os atributos, purificando nossos elementos e tornando-os em suas verdadeiras manifestações. Todos os manipuladores do vento passam por aquela estátua em algum período da vida, é como tocar as moléculas de ar…

“Eu estava certo, então…” Ele fechou sua mão esquerda.

— Venham, vamos para um lugar mais privado.

Torre do xamã, Sussurros Boreais

Uma torre hexagonal embutida nas montanhas que cercam a cidade do vento norte, sendo ligada a túneis que cortam o interior  da montanha. Nestes túneis, há diversos cômodos e áreas, o que torna a simples torre — vista de baixo — em uma estrutura imensurável.

Desde regiões exclusivas para o estudo do vento e da energia, até cavernas ligadas ao pé da montanha, onde estava suas bases militares. Aquela era de fato uma cidade pequena, contudo, longe de ser desorganizada. Assim como qualquer outro povo que cultua um deus abençoado, eles tinham um preparo militar adequado para conflitos armados.

Na verdade, o fato que mais surpreendeu Theo foi a entrada para a torre. Era um saguão cilíndrico, com um pequeno e profundo abismo no centro, tomando o lugar de uma fonte. Aquele buraco emanava uma atmosfera pesada e tensa, além de mana com uma natureza corrompida vazar por todos os lados. Mas, para os habitantes, parecia ser algo normal.

Da torre principal, onde o xamã literalmente mora, Agnes vislumbrou a vista de cima. A cidade que estava antes era imensamente maior do que ela presenciou lá embaixo, pois se estendia para além das montanhas. Ela pensou que a cidade estava em uma montanha inferior e mais planificada, contudo, estava em um vale; onde alguns quilômetros à frente era conectado por uma floresta de pinheiros gigantes.

Diferente da montanha que estavam, o lugar estava livre de qualquer névoa ou nuvem que pudesse “poluir”, de certa forma, o campo de visão. Ela se sentiu privilegiada por um momento.

— Você sabia dessa cidade? — Theo perguntou à Selina.

Serach assentiu que sim. 

— O intuito era apenas chegar no templo de Boreas no gume da montanha, mas ao perceber que estávamos tão perto daqui… Eu não tive outra opção. 

O xamã bateu a porta, entrando em seu escritório. Agnes ainda se perdia na paisagem por trás das janelas de vidro quando Borthrit se sentou em sua cadeira de couro, logo atrás da garota.

— É belo, não é? — comentou o xamã, a trazendo  de volta à realidade.

Agnes se assustou num pulo, suspirando de gratidão. 

— Sim — respondeu. — Realmente belo.

Borthrit sorriu e girou a cadeira para Theo e Selina, que estavam perdidos analisando os livros e armas do xamã.

— Bom… — Coçou a garganta. — O que exatamente querem aqui?

Selina assumiu a responsabilidade de explicar, indo até o xamã.

— Como já é do conhecimento de vossa “excelência”, o rapaz possui uma ressonância elementar primordial.

— Primordial? — A atenção de Borthrit despertou subitamente.

— Sim. Eu presenciei apenas uma pequena parcela de seu potencial, mas foi o suficiente para afirmar isso. E afirmo novamente, não é da boca para fora. O objetivo da nossa visita era apenas o templo do gume, onde visamos firmar um pacto temporário entre o garoto com o espírito do vento, Boreas. Chegarmos até aqui foi somente um acaso.

— Um pacto temporário? — Franziu o cenho. — Que insulto ao Lorde Norlan. Deixe-me esclarecer alguns pontos; ressonância elementar não significa apenas uma proximidade com o elemento, mas sim com seu espírito primitivo. O garoto possuir uma ressonância primordial significa que ele não deve formar um pacto temporário, mas sim se tornar o laço do Lorde Norlan.

— Lorde Norlan é o… Boreas? — questionou Agnes, de uma forma tímida, pois não queria interromper o xamã.

— Sim. Norlan é o nome que ele escolheu para ser chamado na nossa comunidade.

— Então… Está dizendo que eu sou obrigado a me tornar o Wicca de Boreas? — indagou Theo, confuso.

Borthrit assentiu que sim.

— Eu possuo um pacto temporário com o Lorde Norlan, tal que eu devo firmar novamente a cada período de tempo. Outros dos meus soldados mais fortes também são assim. Contudo, você é diferente…

— Graças a ressonância — disse Selina. — É, faz sentido. Eu apenas descartei isso. 

— O que terei que sacrificar? — interrompeu Theo.

— Hã?

— Para todo pacto, há um sacrifício em troca. Ele lhe dará poder, mas… O quê eu terei para ele?

Borthrit sorriu.

— Nada que eu possa dizer. Os benefícios e malefícios são ditos na hora do pacto, eu não tenho como te informar isso. Mas te garanto, ele não irá cobrar sua vida, alma ou qualquer coisa relacionada.

Theo olhou para Selina, buscando conselhos.

— Eu só vim porque você me pediu auxílio. Não tenho nada a ver com a tua decisão final. É de sua escolha — respondeu Selina.

— Antes de responder, eu gostaria de propor algo — disse Borthrit. — Você aceitando ou não, continuará sendo um manipulador do vento, e com isso, precisará de treinamento adequado. Algo que vejo estar ausente em sua vida, mesmo com tudo que você me relatou na cidade.

— Quer me propor um treinamento de teste?

— Sim. Posso lhe treinar pelos próximos dias, assim você poderá decidir com certeza se aceitará ou não.

O rapaz ficou pensativo por alguns segundos. Ele se sentou em uma cadeira, na frente do xamã, e refletiu.

Ter um laço familiar é totalmente diferente de firmar um pacto. Pactos são temporários, caso seja feito com divindades, ou permanentes em caso de pactos feitos com o próprio núcleo. Há também os pactos feitos de humano para humano, este geralmente é feito com os superiores para executar tais serviços.

Porém, um wicca significa se entregar para a divindade. Theo comparou isso com o caso de Ethan, seu pai, que tem um laço familiar com a ave Fênix. Laços vinculativos e familiares também são diferentes.

Laço vinculativo é o que Borthrit está propondo a Theo; adquiridos durante a vida, via pactos vinculativos permanentes. O medo de Theo nasceu a partir do momento que o conhecimento dele era limitado. Com base no que ele aprendeu, laços vinculativos são algo “demoníaco”. Você é obrigado a vender sua alma em troca dos benefícios, ou sacrificar vidas.

Mas, isso se aplica apenas a seres primitivos. Mesmo assim, ele não tinha garantia de que daria certo ou errado. Pois, diferente dos laços familiares que acontecem ainda quando a alma está em formação, os laços vinculativos são um tabu.

Ele bateu o pé no chão e decidiu. Já tinha chegado ali, não é? Theo odeia trabalhar com probabilidades, mas agora é cinquenta por cinquenta. Talvez ele jamais chegasse no ápice do atributo vento caso rejeite, mas o contrário também poderia acontecer.

— Eu aceito — anunciou convicto.

— Ótimo. Vocês estão com pressa para retornar? — perguntou Borthrit.

— Não. Você está? — Selina questionou à Agnes.

Sabendo como é a rotina dos cientistas de Fulmenbour, ela queria saber se Agnes estava ocupada com milhões de trabalhos ou não.

— Também não. Estou de férias pelas próximas semanas, até o evento dos sete dias.

— Certo. Providenciarei uma carta para Lady Luanne, informando que ficaremos aqui por um tempo.

— Te ajudo com isso — propôs o xamã. — Vocês dois estão liberados para visitar somente a zona de conhecimento. 

Borthrit bateu duas vezes na mesa de madeira, em um ritmo lento. Um vórtice, uma calamidade de vento se formou atrás dele, algo semelhante a portais, contorcendo a atmosfera. Duas mãos se esticaram para fora da turbulência, sua breve aparência deixou Theo pasmo.

Uma mulher bela e branca saiu daquele “portal”. Seus cabelos eram prateados, olhos verdes e penetrantes iguais aos de Borthrit. Um tipo de túnica, quase transparente cobrindo uma roupa verde por debaixo descia até suas coxas, onde para dali em diante não tinha sequer vestimentas.

— Vossa grandeza natural — saudou a mulher, se curvando à Borthrit.

— Theo, esta é Aidna, minha secretária pessoal. Aidna, por favor, guie as duas crianças até a zona de conhecimento. Tire as dúvidas que eles precisarem. 

— Claro, senhor. Venham — chamou Aidna, caminhando para fora da torre, nos túneis dentro da montanha.

A porta bateu, posteriormente, Selina se virou para o xamã.

— Disse para guiar apenas eles, então, tem algo para me dizer? — perguntou Selina.

— De qual das quatro grandes ordens vocês são? — inquiriu Borthrit.

— Eu e o garoto somos de Vagus, mas a garota é de Fulmenbour.

— Ótimo. Pode mandar uma carta extra para seus superiores de Vagus? Preciso de ajuda.

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Olá, eu sou Mirius!

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