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A brisa matinal agarrou os pés de Amiah. O general, sentado no chão de madeira, olhava para o quintal à sua frente. Ele tinha alugado uma pequena cabana nas montanhas de Fulmenbour, uma pequena casa de madeira, usada geralmente por caçadores. Amiah estava no terraço, apenas observando Ivan.

O rapaz estava sentado em um círculo de pedra esculpido no chão, entalhado por inúmeras figuras mitológicas; desde deuses a dragões, armas até símbolos. Todos brilhavam com uma energia verde natural, proveniente do núcleo de jovem. Ele segurava uma névoa incolor em sua mão, de olhos fechados, meditando.

Passos vieram do terraço. A madeira ruiu a cada passo, a pessoa queria que Amiah soubesse dela.

— Lady… — disse Amiah.

— General — respondeu Luanne. — Núcleo neutro?

A tenente observou a energia vazando de Ivan. A mana verde cobria todas as fendas dos entalhes.

— É. O que posso fazer por ti?

Luanne entregou uma carta a Amiah, e então, se escorou em um pilar de madeira. Ela olhou para o vento, buscando passar o tempo.

— Theo, a irmã adotiva dele e Serach, uma discípula minha que deixei responsável por ele, chegaram na cidade de Zephyr. Eles mandaram uma carta dizendo que ficarão por lá alguns dias, mas voltam antes da reunião do meu afilhado.

— Zephyr? A cidade que cultua o vento? — perguntou Amiah, vendo o certificado de Borthrit.

— Exatamente.

— Então, a ressonância elementar do garoto está realmente ligada ao…

— Não sabemos ao certo. Talvez Boreas o queira apenas como um receptáculo… Estou com maus pressentimentos.

— Talvez você o trate como um pagão, e isto afeta teu julgamento.

Amiah virou a carta e leu as especificações de Selina. O general aceitou mentalmente os pedidos diretos da lua azul de Alunne.

— Há um pedido do xamã de Zephyr, Borthrit. Ele pediu a presença de um general diretamente no local, assunto urgente, disse ele…

— Deixa eu adivinhar…

Luanne sorriu olhando para o general. Aquela era a especialidade dela; se livrar de responsabilidades.

— Por que não aproveita o momento e reúne a classe especial? — sugeriu Luanne. — Pode haver uma missão para vocês na região, pode usar para aprimorar eles.

— Não dá. O filho dos Windsor está trabalhando com o patriarca dos anões até a semana da criação. Enquanto Sabbac…

Amiah a encarou, sua cara dizia: “onde você deixou a minha aluna?” Luanne, então, desviou o olhar para Ivan novamente.

— Energia Jotun? — comentou.

— Não fuja! Jogou a minha aluna nas costas de outra pessoa ou ser?

— De Dione, a deusa do lago. A deusa treinará a garota pelos próximos nove meses, então está tudo bem.

— Você se responsabilizou de dois alunos meus e os jogou nas costas dos outros… — resmungou Amiah.

Ela sorriu.

— Não se preocupe, general. Peguei a Aryna pois já sabia a quem levar. Eu iria treinar o Theo, mas ele não aceitou a deusa Alunne em sua alma. Até ele aceitar, não poderei fazer nada com ele…

— Ele negou a presença de uma celestial? — ironizou, o general riu em seguida.

A tenente Darkmoon cruzou os braços, mudando a expressão divertida para um rosto reflexivo. Amiah entendeu a atmosfera intensa e se calou. Deixando somente um silêncio ensurdecedor, quebrado apenas pelos galhos das árvores balançando.

— Energia Jotun? — Amiah trouxe o comentário de Luanne, depois de se lembrar o que a palavra Jotun significava.

Não dava para julgá-lo, Amiah nunca foi até Snegriya. A mitologia do lugar, por si só, já é apagada. Então, para um estrangeiro, os gigantes de gelo não eram comuns em seu dia-a-dia.

— Sim. Ele foi amaldiçoado por algum?

— Ele nunca disse sobre seu passado. Nem sua origem. Ele é uma peça de um quebra-cabeça incompreensível.

— Bom, parece que seus alunos no geral são…

— Por que energia Jotun? — desviou o assunto.

Luanne caminhou para o gramado, fora da cabana de madeira.

— Sabe aquela mecha azul dele? Aquilo é uma runa amaldiçoada. Tem uma energia totalmente congelada vazando daquela tonalidade azul. É apenas espiritual, ainda. Torça para não chegar a corromper o corpo físico por completo.

— Senão? Descreva. Conheço apenas sobre bençãos.

— Bom… Crec. 

Luanne retrocedeu as duas mãos, algo similar a estar torcendo um pano. Além do som que ela emitiu naquele momento, Amiah interpretou que a vida de seu aluno estava em risco.

— A classe especial deste ano é tipo uma bomba relógio — comentou a tenente.

— É… O que devo fazer para evitar?

— Por enquanto, assistir. Só dá para lidar com maldições no plano físico quando ela chega aqui. Quando isso acontecer, bom… Terão que matar quem colocou a maldição nele. Para ser mais exata, o garoto terá que matar. Caso contrário, ele vai virar um Jotun.

— Que saco…

— É só uma simples teoria, também não sou dona da razão.

Amiah continuou resmungando, até que se levantou e coçou a nuca. Sua expressão estava cansada.

— Primeiro uma bomba relógio que nem o filho do Ethan. Agora… Uma bomba de gelo nas minhas mãos.

— O Deus do Caos está realmente trazendo caos para você. — Luanne brincou, mesmo tendo empatia pela situação. — Não se preocupe, isso vai acontecer em uns… Não sei, mas no mínimo oito anos. A maldição é recente, acho que aconteceu há cinco anos. Ele está resistindo, isso é bom. Então, general. Você vai para Zephyr?

Amiah acenou que sim.

— Partirei ao meio-dia.

— Obrigada!

Amiah bateu palmas, caminhando até Ivan.

— Hora de trabalhar! — exclamou para Ivan, enquanto Luanne desaparecia no ar.

☽✪☾

Isak resmungou na escadaria, cansado de tantos degraus. Eles pareciam estar naquele lugar há dias, era como uma escada infinita. Muitas vezes eles pararam para descansar, dando tempo para todos se recuperarem em seu devido tempo necessário. 

Enquanto sentados nos degraus para recuperar o folego, Theo observava o topo. A luz do sol continuava na mesma intensidade, parecia que o dia não passava. Eles pararam há algum tempo, conceito este que agora não faz mais sentido para eles.

— Vamos — disse Bastien, voltando a subir os degraus.

— Esperem — disse um conjurador um pouco abaixo de Theo. — Ouçam.

O conjurador ergueu o indicador para cima e, ao mesmo tempo, virou a orelha para o topo da escada. Todos se calaram, seguraram as respirações ofegantes e superficiais, prestando atenção no que o conjurador desejava mostrar.

No fundo, extremamente no fundo, eles escutaram um som incomum para aquela região. Era água. Não um rio ou algo assim, mas ondas, ondas em um imenso mar. O único perito do grupo olhou para cima, usando seu terceiro olho, e percebeu que estavam próximos do topo da escada. Porém, o que lhe despertou, foi na verdade, um efeito nas paredes. A água estava refletindo nos tijolos.

— Um mar? Nesta região? — Jack duvidou em voz alta, mas não dava para questionar. Ele e todos os agentes tinham certeza do que estava acima deles.

Sem demorar demais, o grupo começou a subir as escadas novamente, em um ritmo acelerado. Era uma faísca de esperança, então, para eles, pouco importava se iriam se cansar.

Bastien, o líder do grupo, foi o primeiro a chegar no topo. Lá, ele se deparou com uma escada de mão em uma parede um metro na sua frente. Água salina vazava pelas paredes, caindo de um buraco no teto. A escada se estendia até o topo, no máximo três metros. Olhando para o chão, ele viu um buraco onde a água caia.

Ele poderia ser egoísta, poderia deixar que outro subisse a escada primeiro e falasse se era seguro ou não. Porém, como o líder do grupo de ataque, ele deveria avançar primeiro. Se virando para trás, ele gritou:

— Líderes, subam apenas quando o último membro de seus grupos estiverem no topo!

Em seguida, ele saltou o metro e agarrou a escada de mão. Bastien subiu rapidamente a escada e alcançou o topo, mesmo sendo quase derrubado pelas pequenas cachoeiras que vazavam para baixo.

No topo, deparou-se com um monumento que rodeava um mar. Uma cadeia de montanhas rodeava o horizonte, prendendo a água salgada numa região similar a um lago. Somente ao norte era perceptível uma saída para o verdadeiro oceano.

O monumento era circular, erguido por plataformas cilíndricas e escorregadias, se conectando a um pátio no centro de tudo por duas pontes. Todo o monumento estava no nível do mar, as ondas passavam frequentemente por cima da construção. Bastien lutou para não cair na água.

— Podem vir! — exclamou Bastien, para onde os outros estavam.

No mesmo momento, Theo pulou para a escada. Jack notou o perigo: caso alguém não tivesse um físico apropriado para saltar e se manter na escada, com certeza cairiam no buraco abaixo.

Enquanto Theo subia a escada, segurando sua espada de duas mãos nas costas, amarrada na mochila, o peso em suas costas afetou consideravelmente a escalada. Jack agiu naquela situação. Usando o atributo gelo, a partir de sua forma sólida, ele criou um piso sólido, deixando alguns pontos para a água vazar para o buraco.

Percebendo a dificuldade de Theo, Bastien o ajudou a subir, agarrando o braço do rapaz e o puxando para cima. Depois de Theo, os dois defensores do grupo de Bastien subiram um atrás do outro. Jack foi o último dos atacantes a subir, pois era praticamente o vice-líder.

Posteriormente, o grupo de Isak começou a subir, com Aidna se pondo na frente por vontade própria. Theo foi pessoalmente ajudar a druida na escalada, segurando o braço dela e a empurrando amistosamente pela plataforma. O grupo começou a espalhar para dar lugar aos demais agentes.

Os dois começaram a caminhar lado-a-lado, aproveitando a brisa do mar praticamente artificial.

— Esse lugar é familiar para você? — perguntou para Aidna.

— Não. Absolutamente não. — Ela estava curiosa. — Veja, no horizonte…

Aidna pôs a sua mão leve e pequena gentilmente no rosto de Theo, somente para guiá-lo na direção desejada. No horizonte ao norte, a cadeia de montanhas apresentava uma abertura que levava até o oceano. Aquele era o motivo da curiosidade de Aidna.

— Entendeu?

— Um mar ao norte?

— Exatamente — aprovou Aidna. — A fortaleza que entramos estava quase no centro do continente. Na fronteira entre Hardian e Nethuns, os reinos ficam quase ao sul. O único mar ou oceano nessas regiões, ficam ao oeste ou sul…

— E temos um mar no norte agora…

— Correto novamente. Caso não tenhamos caminhado até o reino norte de Zethian, esse lugar não faz o mínimo sentido.

Theo respirou pesado. Ele não sabia quais passos tomar naquele instante, sequer o rumo que deveria seguir. O rapaz estava totalmente perdido. Olhando para trás, ele notou que todos já tinham saído, com exceção de Selina, que ainda subia a escada.

Não demorou muito para Serach se juntar a todos.

— Theo — chamou Selina, se aproximando dos dois.

Serach se juntou ao trio, se afastando dos outros agentes. Sua cara estava mais fechada do que antes. Algo certamente a incomodava.

— Preciso que você fale com Alunne.

Os olhos de Theo saltaram para cima.

— Quê? Como vou fazer isso? Não estamos no templo.

— Não é necessário… — disse Aidna, se intrometendo. — Para falar com os deuses, basta apenas confiar neles. Não ter fé, exatamente. Mas uma confiança o suficiente para que eles se apresentem.

— Então por que você não faz isso? — questionou para Selina, o que era algo óbvio. Ela era quase uma sacerdote de Alunne.

Serach suspirou.

— Por que você tem um elo que somente a Lady Luanne tem. Sua alma, essência, tudo em você faz lembrar o lorde Lumen. Você foi convocado por nossa majestade, pois ela te vê como um filho desde o nascimento. E não ache que você é um escolhido por isso…

— Deuses escolhem humanos a todo momento. Isso não significa que você é uma peça rara para salvar o mundo ou algo assim. Você é comum. Ela só vai te receber com mais facilidade. — Aidna tomou a explicação de Selina, mas disse todas as palavras que Serach iria dizer.

— Correto — afirmou. — Estou com um mau pressentimento sobre este lugar. Quando estivermos totalmente seguros, por favor, se reúna com a deusa Alunne. 

Theo mordeu o lábio, tal que sangrou pela força de seus dentes. Ele suspirou em desistência.

— Ok. Farei isso.

Alguns segundos depois de Theo concordar, um berro de dor ecoou do grupo distante. Os três olharam e buscaram o motivo, de onde veio de um agente, de cabelos morenos, separado do grupo principal.

Ele estava no chão, em prantos. O mar ao seu lado estava sujo por sangue, banhando até o sal de vermelho. Segurando o próprio braço enquanto gritava, todos os agentes, mesmo distante, notaram que o homem tinha perdido um braço.

Mas o que teria feito aquilo? E por que tão repentinamente?

Theo sentiu uma presença no mar agarrar seu núcleo de éter. O rapaz congelou, se tornou mais pálido do que costumava ser e por fim… seus olhos travaram. Ele não tinha ideia, estava apenas com medo, então decidiu olhar para o lado.

Com a pupila trêmula, olhou vagarosamente de canto para o mar à sua direita. Uma gota de suor traçou seu rosto quase sem cor.

— Ah, vai se foder — xingou ao vento.

Mais de centenas de barbatanas dorsais de tubarões saltavam para fora do mar. Aquilo podia apavorar humanos comuns, mas não desviantes. O que fez Theo tremer, acima de tudo, foi que aqueles animais tinham energia. As barbatanas exalavam uma mana assustadora, tal que envolvia todo o mar.

Aqueles animais “comuns” estavam, ao menos, quatro graus acima de Theo na escala dos desviantes.

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