Assim como qualquer dia no Estado de Hardian, as altas temperaturas no deserto de Ithak distorciam a paisagem. O oásis mais próximo de onde Bastien morou na primeira fase da infância secou em determinado período; apenas alguns peixes que ali surgiram misteriosamente ficaram sobre a areia quente. Faz mais de vinte anos, mas Bastien ainda se lembra da sensação de ter seu lábio seco, corpo fraco e imobilizado pela fome…
No fim, Hades deve ter lhe encontrado graças a estar sempre próximo da morte. Ainda que seu corpo estivesse morto, o cordão de prata nunca se rompeu. Em certo ponto se tornava hilário, afinal, a criança que conheceu a pestilência, a miséria e a guerra, nunca encarou diretamente os olhos da morte. Por sinal, ele que casualmente a causou.
As memórias do deserto seco, apenas com os peixes mortos sobre seus pés, vez ou outra visitavam Bastien enquanto este estava em seu plano espiritual. Talvez seja o legado que o destino lhe presenteou. Entretanto, não havia tempo para ele lembrar do passado, já que estava apenas refinando sua energia pra poder lidar com a situação a seguir.
Ele abriu os olhos antes que alguém pudesse o despertar, tendo a chance de trocar a sensação quente e agonizante do deserto pela atmosfera úmida do bosque. Seu corpo estava leve, liberto de qualquer pensamento negativo que pudesse o atrapalhar na missão.
Três agentes estavam diante de seus olhos; Jack guiava os dois defensores do grupo de ataque, os instruindo para uma formação confortável e segura. Os demais agentes estavam em um único grupo, ignorando completamente se o líder seria Isak ou Selina, escolhendo o primeiro como o líder do momento. Todos se reuniram para dar suporte à Bastien e Jack.
O perito analisou a região acompanhado por Isak e Jack, que discutiram algumas estratégias enquanto rondavam a “Fortaleza do Emissário do Mundo”. Embora recebesse o nome de fortaleza, não se assemelhava com um dito forte militar. Em vez disso, era uma árvore colossal no centro da floresta, erguendo-se para uma altura incontável, seus galhos cobriam o sol.
Plataformas, circulando aquela imensa estrutura natural, conectavam-se entre si por pontes de madeira, entrelaçando pelo tronco da árvore e finalizando em estruturas similares a cabanas nos galhos imensos.
Os agentes, por sua vez, se mantiveram escondidos numa parte do bosque onde estavam isolados da fortaleza. Ainda que possuíssem certeza de que as criaturas daquela masmorra estivessem cientes de suas presenças.
— Belê, estamos quase todos prontos — afirmou Jess, uma jovem dama ruiva com os cabelos amarrados em um rabo de cavalo. Sua vestimenta, embora exibida e peculiar, exibia seu abdômen devido à ausência de parte das vestes. Usava apenas uma calça larga presa por uma corda fina, expondo também as laterais das coxas. — Sara, tá pronta?
Jess lançou seu braço direito por cima da última conjuradora do grupo; Sara, uma garota de apenas quatorze anos, mas que possui o conhecimento de um adulto. Ela respondeu Jess com um gesto silencioso, lançando apenas seus olhos cianos para sua companheira de longa data.
— Certo. Isak! Estamos prontos!
— Certeza? — inquiriu o segundo líder.
— Absoluta. Não temos um curador, então temos que estar preparados para atacar. Nossas energias estão recuperadas e o vigor está no máximo. Quanto antes acabarmos, melhor.
Isak assentiu antes que Jess terminasse de relatar. O líder se virou em busca de Bastien ou Jack, mas os dois também deram sinal verde. Ele se revirou diante a decisão final de Bastien, pois ainda estava bastante ansioso e receoso de entrar naquela fortaleza. Seu medo nasceu no momento em que visualizou o campo de mana; uma região similar a um campo eletromagnético, onde, no entanto, a mana é a partícula causadora do campo magnético.
Dentro dessa região criada pelo próprio Emissário do Mundo, feitiços de mana passam a causar menos impacto, os núcleos se tornam confusos e a liberação de energia decai. Como consequência, apenas ao olhar para aquele campo de ondas energéticas, Isak tremeu pela densidade e refinamento da mana originária. Para os olhos de todos os agentes, o campo se manifestava como uma aurora boreal verde.
No fim, restou-lhes apenas engolir sua angústia e temor, o que não foi fácil. Sua simples saliva desceu pela garganta como uma pedra.
— Grupo de ataque, avante! — ordenou Bastien, conduzindo seu grupo em direção ao forte.
***
Jess caminhava desatenta pelas plataformas do forte, assobiando num ritmo melancólico enquanto repousava suas mãos na lombar. Ela jogava seu quadril para os lados, desfilando enquanto acompanhava o ritmo da própria melodia. Não durou muito tempo para que Jess chamasse atenção de todos os soldados do forte, em suma maioria, seus corpos estavam em pura decomposição. Aqueles não dominados pela decomposição absoluta tinham os membros esqueléticos expostos para fora. Eram mantidos apenas pela mana exalada da árvore.
Ao deparar-se com a estrutura de “morto-vivo” dos soldados, Jess engoliu o próprio assobio. Ela ficou boquiaberta por um instante, encarando aqueles monstros e analisando suas auras; era inexistente, como se suas presenças não existissem.
Por entender a “dor” de seus inimigos, Jess decidiu por conta própria dar um fim a todos. De uma forma glamourosa, obviamente, para ela. Estendendo a mão para o lado, um brilho vermelho fora emitido de sua palma, em breve se materializando numa espada rapieira.
Suspendendo o braço para cima, apontando a lâmina estreita ao céu, além disso, invertendo sua palma esquerda por entre seus seios, uma energia tingida por uma cor carmim emanou pelo ar.
A plataforma onde Jess se preparava balançou, graças aos avanços indelicados dos soldados sem consciência. Sem permitir ser subjugada, Jess girou em 360 graus deslizando sua espada pelo ar, partindo facilmente os monstros. Foi igual a cortar manteiga. Recuperando-se do giro, ela centralizou a energia em suas pernas e avançou rumo à outra plataforma.
Abraçando as oportunidades, Jess deslizou elegantemente pelo meio dos soldados e os partiu suavemente, abandonando somente uma listra de energia carmim. Deparando-se com um esqueleto à sua frente, Jess enfiou a ponta da espada em seu crânio exposto. Posteriormente, por puro reflexo, ela começou a praticamente dançar enquanto desviava por uma chuva de flechas atiradas sem muita noção.
Sem a deixar pensar, mais soldados começaram a surgir das cabanas que rodeavam a árvore.
“Não são tão burros…” ponderou Jess.
Esbanjando sua aura novamente, no entanto, pelo ar, ela densificou a própria energia a ponto de se tornarem lâminas físicas de pura mana. Enquanto caiam através duma chuva cortante, as lâminas explodiram em mana ao finalizar seus alvos. Por debaixo da chuva mortífera, Jess entrou pelas cabanas e começou a derrotar cada soldado.
Segundos após, uma explosão tomou a região.
Dissipando uma névoa dura, Jess segurava uma mão maior que seu corpo apenas com a lâmina. Materializando uma pequena quantia de mana na mão esquerda, preparou-se para atirar um canhão de energia contra a besta a sua frente. Todavia, antes que pudesse efetuar o feitiço, uma mão a agarrou pelo pescoço e pressionou sua garganta.
Seus olhos perderam a cor e seu corpo o movimento.
No exterior da plataforma, vendo toda a cena, Sara surgiu levitando no ar enquanto apontava um cajado para os monstros. Em um simples vendaval de mana, um pequeno fio de energia cortou todos próximos à Jess como uma navalha.
— Sara! — exclamou Bastien, vendo-a de uma plataforma inferior. — Tire a Jess das proximidades!
— Hum? — resmungou Sara, franzindo o cenho. Contudo, ela acatou a ordem sem nenhuma contestação.
Utilizando o atributo vento, Sara puxou sua companheira para si e ambas levitaram no ar.
— Porque eles… — murmurou Jess, recuperando-se de um apagão repentino.
— Não sei… Ah! Sor Glaciel!
Tomando a frente do grupo, Jack gesticulou entre seus braços enquanto liberava o atributo gelo pelo ar. Girando livremente, ele liberou o elemento pela ponte na sua frente, forçando um contato de atributo elementar com a mana atmosférica onde, sem requerer muito do próprio núcleo, Jack congelou uma parcela enorme da árvore.
O gelo deslizou pelo tronco e se expandiu pelas plataformas, congelando toda a região superior da árvore — exceto seus galhos — e os soldados ainda vivos. No fim, restou apenas uma árvore colossal congelada no meio da floresta.
— Woah… — admirou-se Jess.
— É. O que houve? Você apagou? — indagou Sara.
A mulher suspirou.
— Àquele desgraçado tinha alguma forma de bloquear minhas veias de chakra… Todo o meu sistema nervoso foi bloqueado por um instante.
— Oh… Eles são antigos, mas já tem algumas técnicas avançadas.
Enquanto conversavam, Sara desceu lentamente pelo ar até chegar na plataforma que Bastien estava. Ao deixar Jess no local, a menina voou para cima novamente.
— Onde ela foi? — perguntou Isak.
— Ver quantos sobreviveram.
Isak murmurou algo como um “Ah”, apenas aceitando a decisão de Sara.
— Bastien? — chamou Jack. — Por que mandou eu congelar daqui?
Bastien encarava o tronco da árvore. Ele ainda suspirava frio graças ao feitiço de Jack. Apenas tocando o tronco e reagindo com uma energia enigmática, Bastien pressionou a parede em sua frente, que se abriu em reação.
— A árvore do mundo nos convida para seu reino eterno… — contou Jess, um antigo poema/oração de sua crença. — Oh, vida… Permita-me banhar-me com tua força, oh, gloriosa. Superior seja contra a morte, de pé ao absoluto. Balance-me pelas vinhas do universo e jogai-me contra o improvável destino…
— Realmente, parece o portão da Yggdrasil — concordou Jack, engolindo em seco.
— É apenas uma farsa — retrucou Bastien, demonstrando um pouco de rancor.
Por fim, Bastien entrou primeiro pelos portões, caminhando em breve por um corredor escuro e de vento armazenado. Posteriormente, o grupo acompanhou o líder. No mesmo instante, Bastien ordenou que seus defensores avançassem pela frente. Todos estavam com a guarda fechada, usufruindo de cada sensação que aquela mana poderia lhes proporcionar; desde as piores sensações, até formas de conforto.
Ainda assim, uma energia carregada negativamente adentrava pelos esporos de seus corpos e tocavam seus órgãos. Jess, após presenciar uma alucinação momentânea, decidiu criar uma esfera de luz no topo do corredor. Assim estaria segura da sua própria mente.
— Onde você está, Sara… — murmurou Jess.
— Será que ainda há tantos soldados assim? — comentou Isak.
Gradualmente, a atmosfera pesou até que caíssem como toneladas sobre os ombros de todos ali presentes. As paredes do corredor desapareceram, dando espaço a um imenso saguão onde a luz não conseguia encontrar o fim.
— Quanto aos meus soldados, não se preocupem. Eles já receberam ordens para evacuar.
Afirmou uma voz exausta, acompanhada por uma presença inigualável para aquele ambiente. Todos pararam quando um brilho natural foi emitido intensamente do topo de um altar no saguão. Acompanhado por um trono, uma silhueta humana fazia questão de esbanjar sua aura enquanto liberava uma mana irreconhecível pela estrutura.
— Isso… — cochichou Isak. — Pode ser real?
Bastien cerrou os dentes, pois nada podia fazer contra uma opressão sem pretendentes.
— Finalmente os convidados do rei encontraram a corte… — disse o homem no trono infame.