Agarrado pelo temor transbordado de Bastien, Zethíer sentou-se sobre as próprias pernas, flexionando o joelho e estendendo seus braços arrancados para baixo. Ainda de costas para o arauto de Hades, o Emissário do Mundo apenas lhe lançou olhares acima da testa, encarando Bastien com pura ironia.
O agente, no entanto, realocou o sentimento alheio e impulsionou seu próprio ódio. Sentindo total desprezo pelo Emissário, Bastien pôde apenas segurar o estômago para que não vomitasse pelas técnicas malévolas utilizadas por Zethíer. O ser que atacara Bastien e o lançou para longe, não tinha vida, era vítima do fungo controlado por Zethíer. Entretanto, não era uma besta e sim um homem cujo destino havia sido retirado por alguém que não tinha este direito.
Agarrando um braço do oponente que acabara de matar, Bastien o jogou aos pés de seu mestre, visando ter uma resposta através de uma reação.
— Hum… Mais um soldado morto — comentou Zethíer sem o mínimo de compaixão.
Sem processar corretamente sua reação, Bastien avançou em direção ao Emissário e o alcançou em dois segundos. Zethíer o percebeu apenas quando já estava ao seu lado, preparando um soco de punho cerrado, onde era perceptível sua raiva. O Emissário tentou recuar, mas Bastien agiu precisamente ao montar a base para um soco perfeito, assim o executou. Acertando diretamente o crânio através da testa, o agente lançou o “Emissário moribundo” para longe.
Empunhando seus dois punhais, avançou novamente contra Zethíer sem permiti-lo repousar.
[Quinta configuração, Simar’ot] 1
Comprimindo a própria mana, a aura de Bastien se moldou na forma dos peixes Simar’ot; animais compridos e magros, com nadadeiras pequenas e olhos profundos, além de dentes escapando para fora da boca. Um fragmento de sua aura desapegou do corpo de Bastien, seguindo rumo a Zethíer e o agarrando diretamente, servindo de algema para um pecador.
“A energia dele me agarrou fisicamente?” Zethíer ponderou pasmo, tentando entender como aquilo era possível.
Outros dois peixes tomaram o ambiente, escondendo Bastien atrás de uma barreira constituída por pura energia. Subindo para cima, entrelaçando um ao outro, os Simar’ot encontraram-se com os punhais de Bastien e deslizaram rumo a Zethíer. Enquanto o agente ultrapassou seu inimigo após um choque de lâminas, os peixes sofreram com um delay de três segundos para lançar Zethíer na mesma direção.
Bastien deslizou pelo chão e ajustou sua postura, deixando a coluna reta e cabeça erguida, onde, posteriormente, caminhou rumo a uma parede à sua frente. Contudo, nesta mesma parede, os Simar’ot materializado pela aura de Bastien arrastaram Zethíer até se encontrarem com a estrutura. Por fim, os animais se desmancharam num líquido energético pelo chão.
O Emissário se encontrava escorado na parede, após ser brutalmente pressionado contra a estrutura. O local onde Bastien o atingiu com o soco estava levemente deformado, com marcas de colisão entre pele e mana resultante da técnica usada. Seu corpo como um todo estava danificado pelo impacto da ignição onde, além do atributo de Jack impedindo a circulação de energia, suas veias de chakra haviam sido atingidas pela vibração. 2
Bastien caminhou até ele, guardando seus punhais nas bainhas e retomando o controle mental. Ao chegar a poucos centímetros à frente de Zethíer, Bastien pegou seus cabelos verdes e os suspendeu para cima desferindo, posteriormente, uma joelhada no estômago e cravando o Emissário na parede novamente. Soltando os cabelos de Zethíer, o agente segurou o braço direito e brandiu sua espada, cravando-a no tríceps do Emissário e deixando-o em pé.
Ambos encararam-se; Bastien com ódio em seus olhos cinzas e Zethíer com sarcasmo e prazer em seus olhos diabólicos.
— A bondade de um homem sempre chega ao fim quando a forçamos corretamente… — disse Zethíer sorrindo para Bastien.
— Eu nunca fui um homem bom — retrucou de olhos e punhos cerrados. Em seguida, Bastien fez de Zethíer um saco de pancadas vivo.
Cada soco estava configurado para afetar Zethíer espiritualmente, o que tornava tudo mais doloroso para o Emissário. Além da potência física de cada golpe, havia também a vibração espiritual danificando a mente e, consequentemente, impedindo que o núcleo de energia reagisse.
— Vocês conseguem sair daqui sozinhos? — indagou Jess aos defensores.
— Sim — respondeu Rod.
— Vão. Iremos intercepta-lo.
Instantâneamente, dois feixes rasgaram o ambiente; um feixe vermelho carmim procurava alcançar outro feixe azul gélido, ambos movendo-se em direção a Zethíer. Com um movimento ligeiro e repentino, Jess cravou o calcanhar entre o trapézio e maxilar do Emissário distribuindo todo o peso de seu corpo, e também da mana, naquele único ponto de contato.
Zethíer balançou pendurado, mas o ambiente sofreu pela pressão que escapou do golpe. Bastien preparou outro soco imbuído em mana, porém Jack o interceptou.
— É apenas uma carcaça vazia — afirmou Jack, segurando o braço de Bastien.
De fato, não havia mais a presença de Zethíer naquele corpo. Seus olhos não emitiam o brilho casual e seu núcleo não conduzia energia pelas veias. Aquele corpo não havia morrido, contudo, o Emissário não existia mais naquele receptáculo. Sua mana estava por todos os pólos da árvore do mundo, cada partícula, que não fosse da mana dos desviantes, havia se unido ao Emissário.
Bastien recuou e analisou cautelosamente a situação. O sangue do agente fervia como água quente, ainda incrédulo com a situação imposta por Zethíer. Enquanto distante e afastado do confronto principal, Bastien batalhou contra antigos agentes, alguns famosos, que entraram naquele domínio por um capricho do destino e, infelizmente, após encontrarem-se com o Emissário do mundo, tiveram seu descanso após a morte retirado por um sádico governante.
Os corpos mortos, embora consumidos pelo fungo de eras, transmitiam todos os tormentos e dores que os perturbavam. Os olhos, não vazios ou fundos, ainda esbanjavam um tanto de personalidade; o suficiente para dizer que suas almas haviam parado na barreira da morte e não deveriam caminhar além daquilo. O fato de um descanso eterno ter sido interrompido apenas por prazer irritou Bastien ao limite.
O mensageiro da morte não queria dar uma morte adequada, mas matar Zethíer de uma forma que nem a dor seria capaz de alcançar. Seu sofrimento não iria lhe entregar nada além de desgosto para Bastien.
Bastien cerrou seus punhos, cravando as unhas na própria pele e sendo vítima de sussurros de outro mundo. Thanatos, o deus da morte, sussurrou a teu mensageiro ordens para o presente.
Contudo, antes que pudessem tomar mais conclusões, a estrutura da árvore do mundo moveu-se repentinamente. O tronco gradualmente comprimiu-se contra o solo, adentrando sua própria base enquanto desestabilizava a floresta; toda a região fora alvo de um terremoto escala sete.
O sol lentamente banhou todos os pontos cardeais, iluminando o campo de batalha consumido pela natureza, destroços da muralha e feitiços de gelo que esfriam a atmosfera. Porém, este mesmo cenário era iluminado por uma luz verdejante, originária da base da árvore do mundo. A mana de Zethíer escapou para a superfície, transbordando para além dos limites de um núcleo vermelho; aquela quantidade de energia era quase impossível de possuir, menos para os Titãs.
Notando o perigo iminente, Bastien agarrou Jess e saltou para longe do alcance da árvore, visando fugir para a floresta. Jack, no entanto, moveu-se em direção aos defensores e buscou fugir para longe também, sabendo exatamente o que estaria para acontecer; uma implosão de núcleo.
Eles não haviam notado antes, mas, a verdadeira reserva de energia do Emissário estava abaixo dos próprios pés. E, diferente da ressonância anímica dos Titãs, quando um núcleo implode diante de si próprio… Ocorre um fenômeno nomeado de “Dynami”, onde a força do próprio núcleo se aplica ao usuário e resulta na maior liberação do próprio poder. Este é o auge que um desviante normal pode alcançar antes de transcender os limites. Todavia, nem alguns generais, como Amiah Neidr, são capazes de alcançar tal nível.
Além da manifestação absoluta de energia, Zethíer estava tratando o auge humano como algo comum. Aquilo era um insulto para os que morreram tentando ser fortes, insultos ao vento para guerreiros como Isak.
Por fim, a energia implodiu contra o núcleo do mundo. Tal movimento resultou numa liberação de energia ao céu, manifestando-se como uma torre de energia verde que rasgara o horizonte. O impacto trouxe pressão aos arredores, afundando e jogando metade da floresta para cima, criando fendas no chão e dizimando o ecossistema que deveria ser protegido. O estrondo ecoou para além das montanhas a dezenas de quilômetros.
Essa destruição em massa era o único arrependimento de Zethíer.
Mediante um novo campo de guerra, coberto por mana e pelo feixe que gradualmente se dissolvera, Zethíer ergueu-se novamente de pé, pleno e ignorando qualquer ferida antiga. Sua aparência, no entanto, graças a Dynami, sofreu uma leve alteração.
A estatura do Emissário mantéu-se, ainda sendo equivalente a uma criança. Porém, seus chifres, que antes circulavam perfeitamente a cabeça de Zethíer, se revelaram como as antenas de um besouro. Um par de asas, semelhantes a de um falcão, cobriam suas costas; seus cabelos verdes ganharam um volume ainda maior, despencando duas mechas pelas laterais de seu rosto; a cauda de um réptil se estendeu para o chão, tendo uma extremidade pontiaguda, balançou pelo ar enquanto o Emissário caminhava sem rumo.
Concentrando mana em sua mão direita, Zethíer materializou uma lança de duas pontas e continuou pleno diante do caos criado por si. O ar pesado, devido à quantidade de mana liberada, era consumido por quilômetros de uma névoa intensa. No entanto, apenas balançando sua lança numa meia-lua, Zethíer limpou a névoa que percorria mais de vinte quilômetros, levando alguns destroços da floresta juntos.
O céu se limpou instantaneamente.
Embora sentisse a presença de Bastien ou Jack, Zethíer encontrava-se triste. Ele podia estar alegre, pois dois humanos conseguiram fazê-lo chegar neste ponto; o Emissário jamais havia sido forçado a isso antes. Não que fosse necessário para sobreviver, tendo em vista que ele poderia vencer o confronto sem estar em seu auge, mas foi forçado por Isak, já que teve seu núcleo devidamente machucado.
Aquele fato o irritava. Isak não era um guerreiro, apenas um soldado — na concepção de Zethíer. Ele não merecia aquele crédito, mas tinha. Agora, graças a um frágil homem morto, o Emissário tinha destruído sua própria casa apenas para sobreviver. Lutar contra Bastien não lhe fazia mais feliz, ele estava em tédio.
Entretanto, aquele tédio estava para ser suprimido por uma prodígio, talvez, tão forte quanto Bastien. Não no nível físico, mas inigualável em controle de energia e em poder. Uma garota de somente quatorze anos flutuava no céu; Sara, o fragmento da luz, encarava Zethíer do céu. Ainda que temesse a quantidade de poder emanado pelo Emissário, ela iria tomar a responsabilidade de enfrentá-lo. O sol ofuscara seu semblante, causando uma sombra que consumia Zethíer parcialmente.
A morte anunciada estava em seus últimos minutos.
- Simar’ot são os peixes que Bastien vislumbrou enquanto descansava antes da invasão à árvore do mundo. São comuns no deserto de Ithak, se encontrados abaixo do solo, e comumente associados à morte, se encontrados acima do solo. A cada período de tempo, hordas de Simar’ot aparecem mortas acima das areias, trazendo pânicos, pois simboliza, culturalmente, uma época de miséria, fome e guerra. Tal época é associada a um castigo deixado pelo anjo caído Azazel.[↩]
- Vibração, neste contexto, se refere a frequência espiritual de Bastien que se colidiu com a de Zethíer, resultando em dano espiritual.[↩]