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As Colinas eram uma região marcada pela complexidade topográfica, com morros e vales profundos. A vegetação densa oferecia esconderijos naturais para os pequenos animais silvestres da região. Este era o lar de comunidades isoladas, que cultivavam uma forte tradição de viverem como seus antepassados, os chamados beduínos, um povo que vivia em tendas e praticavam o pastoreio de ovelhas.

No coração do mar de morros, encontrava-se o Lago Nascente. Suas águas refletiam as cores do céu e das áreas circundantes, criando um cenário sereno e pitoresco. Naquela noite, a luz da lua refletiu sobre a superfície do lago.

Enquanto o ambiente exalava a calma da noite, os sequestradores andavam a passos largos. Bolhas de suor se formavam em suas costas, axilas e pescoços, rostos suados iluminados apenas pelas tochas em suas mãos.

E finalmente, além do lago, encontrava-se as Montanhas Denali. Sua imponência dominava o horizonte, desafiando qualquer avanço. Essas montanhas eram repletas de passagens estreitas, picos perigosos e desfiladeiros profundos.

O grupo parou de frente a um caminho estreito entre as montanhas e então uma das figuras perguntou:

— Ok, moleque, chegamos. Onde está a cidade?

— Está mais à frente, devemos continuar andando. Mas devo alertar aos senhores que seria melhor se todos permanecessem olhando para as montanhas em busca de uma entrada.

Os cinco homens seguiam à frente, conversando entre si alto o suficiente para que até Norman, que estava seguindo atrás sendo carregado, pudesse ouvir:

— Nossa, imagina se esse moleque estivesse mentindo esse tempo inteiro — disse o Chefe em tom brincalhão.

— Pois não é, eu ia fazer questão de matar ele bem devagarinho. O que a gente andou até aqui não é brincadeira! — exclamou Orc, arrancando um grande pedaço de uma coxa de frango.

— Do jeito que ele parece medroso, eu duvido! — um terceiro falou, girando a faca entre os dedos.

Norman apenas ignorou as piadinhas dos homens. Ele tinha acabado de concluir o circuito do cristal quando novamente alguém começou a falar:

— É aquilo? — apontou Fenrir para um lugar que parecia uma caverna na montanha. Graças a luz do luar, era perfeitamente visível cada parte do paredão rochoso.

Norman apenas respondeu com um monossílabo. Os sequestradores ficaram animados, já não sentindo o cansaço nas pernas.

Alguns deles começaram a escalar o paredão de pedras com as mãos nuas.

Orc estava com as mãos sobre as rochas quando sentiu uma mão o segurando; olhando sobre os ombros, viu que o chefe o tinha impedido.

— O fadinha não conseguirá escalar com todo aquele peso, leve o garoto com você.

— Como desejar, che-fi-nho — retrucou Orc, debochado.

Batendo no ombro do chefe com o seu próprio ombro, ele caminhava devagar em direção ao rapaz.

— Dê o garoto para mim

O jovem, sem alternativas, agiu conforme as palavras do Orc. O líder, testemunhando a cena, iniciou a escalada, seguido pelo rapaz e, por fim, pelo Orc. Um chuvisco fraco começou, uma tentativa da natureza de apagar o fogo das tochas dos homens.

Todos estavam diante de um grande portão de madeira reforçado por pedaços de ferro, uma entrada estrategicamente camuflada para se misturar à topografia da montanha. Ao se aproximar, perceberia-se uma abertura discreta na rocha, cercada por vegetação e formações naturais para garantir que a presença do local fosse minimamente perceptível.

— Vamos, garoto, faça sua mágica — disse Goblin.

Orc jogou o garoto de suas costas no chão, fazendo-o cair sobre suas múltiplas lesões no dorso. Era um verdadeiro milagre que o garoto não tivesse perdido a consciência durante todo aquele tempo, demonstrando uma incrível força de vontade e um profundo desejo de sobrevivência. O rosto de Norman estava encharcado, suando como se tivesse acabado de concluir uma série de exercícios, e sua tez estava mortalmente pálida.

Devagar, ele se pôs de pé sobre apenas uma perna, apoiando-se nas paredes; arrastou-se até a porta. Cada passo era um grunhido baixo de Norman, uma das mãos rodeava a barriga e a outra pressionava contra a parede rugosa de pedra.

O rapaz de barba tosca, observando o sofrimento do garoto, iria ajudá-lo, mas foi impedido pelo Goblin.

À frente do portão, havia um nicho destinado a um cristal. Era um sistema de segurança muito utilizado durante a guerra civil, a humanidade acabara de aprender sobre o uso de circuitos em cristais roxos, sendo naquela época o melhor dispositivo de segurança disponível.

 No entanto, com o progresso incessante das pesquisas, revelou-se que essa aparente fortaleza não era mais do que uma fachada frágil, tornou-se evidente que invadir propriedades protegidas por tais dispositivos era surpreendentemente fácil, bastava unicamente de uma pessoa capacitada. Diante desse cenário, a sociedade retornou aos métodos tradicionais, confiando novamente nas confiáveis fechaduras e travas convencionais. 

Substituindo a breve era dos cristais como principal medida de segurança — um período tão curto que, por vezes, nem mesmo é mencionado em livros de história — recebendo apenas algumas poucas linhas de seu uso fracassado.

Norman concentrou-se no nicho destinado ao cristal à frente do portão. Seus dedos, trêmulos, desenharam um círculo. Uma sequência de luzes indicou que o circuito estava sendo manipulado, desativando as defesas do portão. O som metálico do mecanismo destravando chegou na entrada.

O portão de madeira reforçado rangeu ao ser empurrado, revelando o interior da caverna. A escuridão engoliu a entrada.

Goblin, ainda desconfiado, olhou para Norman com uma expressão surpresa. Era difícil acreditar que aquele garoto, tão jovem possuía habilidades técnicas tão avançadas. Mas logo seu rosto se transformou, seus lábios superior curvaram-se para cima, para ele, o garoto só era capaz disso por conta de ser um nobre. Ele saberia manusear aquela magia se tivesse tido uma educação também, tudo parecia tão injusto.

Norman virou-se com uma expressão gentil no rosto, olhos meio fechados e um sorriso discreto.

Os homens agitaram-se. Murmurando entre si.

— Estamos ricos!

— Pelos deuses, a magia é real!

— Mal posso esperar para tirar a virgindade de umas garotinhas sem ter o risco de ser punido. Doce é o dinheiro, cavalheiros.

Eles riram freneticamente, como hienas que eram. O rapaz, estava indiferente, ele caminhou até Norman, agachando-se e oferecendo “cavalinho”.

— Não há tempo para comemorações. Não conte com os ovos da galinha antes de ela botar — disse o Chefe, limpando a saliva que caía em sua barba devido à conjectura do que faria com o dinheiro.

Eles finalmente recuperaram a compostura e avançaram para o interior do ambiente sombrio. As paredes internas pareciam abraçadas pela vegetação, com vinhas pendendo sobre as cabeças dos sequestradores. Os corredores internos exibiam uma eficiente concepção, maximizando o espaço enquanto preservavam a autenticidade de uma verdadeira caverna.

Os sequestradores conversavam despreocupados entre si. À medida que o grupo avançava pela caverna, depararam-se com uma passagem estreita e mal iluminada. As paredes úmidas estavam cobertas de musgo e a atmosfera era pesada.

Inesperadamente, um dos homens que liderava o grupo sentiu o chão ceder sob seu passo, uma leve pressão revelando a presença de um mecanismo oculto. Um som como o de engrenagens em movimento, um som bastante arrastado, chegou no ouvido deles, seguido por um clique distante. Sem aviso, uma série de pequenos orifícios se manifestou nas paredes, revelando discretas aberturas por onde flechas afiadas emergiram abruptamente, cortando o ar com velocidade assustadora. A adrenalina encheu o espaço.

— Se abaixem! — gritou o Chefe, porém, um segundo tarde demais.

Os homens seguindo seus instintos de sobrevivência, jogam-se no chão pedregoso. Outros, porém, não haviam sido rápidos o suficiente.

A flecha atingiu o ombro esquerdo do Orc, fazendo-o cair no chão apertando o braço.

Uma outra flecha dilacerou o olho direito de Fenrir, o homem de cicatriz de queimadura, perfurando com selvageria até a parte de trás do crânio. O rosto marcado, exibia uma careta, uma expressão de agonia.  O corpo escorregou lentamente pela parede fria e rochosa, a cabeça pendeu para o lado, enquanto um rio vermelho de sangue jorrou como uma torrente, manchando as paredes com uma agressividade repugnante, algo que deveria ser visto apenas em guerra.

Norman estava com a mente fria diante da situação; os homens à sua frente agiram como escudos de carne.

“A sorte finalmente decidiu sorrir para mim. Que ótimo, maravilha! As armadilhas não foram desativadas antes do bunker ser abandonado.”

Apesar do aviso tardio, os demais homens sofreram apenas arranhões. Norman compreendeu a necessidade de agir com rapidez. Ciente de que, se não deixasse claro que não tinha conhecimento prévio das possíveis armadilhas, os homens poderiam responsabilizá-lo pela morte do companheiro. Então, pegando sua bolsa, levantou-se segurando na parede.

— O que vocês estão fazendo? Seu companheiro vai morrer. Me deem panos e álcool.

Norman arrastou-se, alcançando uma tocha que fora jogada no chão no meio da confusão, iluminando novamente o local.

Os homens ainda estavam desnorteados, olhando-se mutuamente com olhares confusos. O rapaz saiu de seu estupor atendendo ao pedido de Norman. Ele correu até onde estava o garoto, o menino estava avaliando a gravidade do ferimento.

“Ele teve sorte; não houve fratura no osso, mas a flecha ainda está alojada.”, avaliou Norman.

O rapaz chegou perto do garoto, dizendo:

— Aqui está o que você pediu. Eu não tinha outro álcool além dessa garrafa de conhaque. Vai servir?

Norman pegou um cantil de água de sua bolsa e limpou as mãos, utilizando panos limpos para secá-las.

— Me ajude a colocar ele em uma posição melhor — disse Norman.

O rapaz concordou com um aceno, mas Orc não se submeteu, retaliando com um tapa violento  com as costas da mão no rosto do garoto enquanto gritava como um lunático.  O garoto foi derrubado de lado, com os braços protegendo a cabeça, escondendo um sorriso malicioso que denotava ele ser o grande maestro da situação vindoura.

O rapaz enlouqueceu ao ver aquilo, possesso de raiva, ele gritou:

— Como você pode fazer isso para uma pessoa que está tentando te ajudar, seu verme imundo! Sinto nojo de você. Talvez seja melhor deixá-lo morrer aqui!

O rapaz sacou a adaga que estava no coldre em sua coxa, ele havia retirado da parte da frente, pois estava carregando a bolsa do Orc.

Orc apenas retribuiu com um sorriso sarcástico o gesto do rapaz. Os olhos dele se pudessem significar alguma coisa seria isso: “Você não tem coragem.”

O Chefe interferiu. Ele sabia que Orc era uma pessoa complicada, mas decidiu recrutá-lo para o seu grupo devido à sua força. Consciente de que Orc representava o pior tipo de escória, o tipo que mata sem justificativa alguma, o que aproveita para roubar a virgindade de jovens moças. Isso, apenas porque sabia que ninguém desejaria se casar com uma mulher que não era mais casta.

— Ainda não. Pode ser que precisemos dele. — Levantando-se, ele avançou até Orc, com o rosto totalmente obscurecido pela má iluminação, declarando: — Mas saiba que esta será a sua última chance. Mais um erro, e… — O homem de barba ruiva moveu o dedão de um lado ao outro sobre o próprio pescoço.

O garoto quase estalou a língua ao ouvir aquilo, porém manteve-se calmo, outras oportunidades surgiriam. Então sem esperar por um pedido, Norman voltou aos cuidados do homem ferido.

Mesmo relutante em ajudar, o rapaz cooperou.

Colocando o ferido em uma posição semi-sentada, com o tronco ligeiramente elevado, a posição tinha o propósito de minimizar o inchaço e proporcionar um maior conforto respiratório.

A mente do rapaz estava repleta de pensamentos ao ver o garoto com as mãos, braços e rosto machucados, ainda assim, ele ajudava aquela pessoa como se nunca tivesse sido prejudicado por ela. Isso apenas reforçou a admirável impressão que ele já tinha de Norman.

— Precisamos limpar a ferida antes e depois de retirar a flecha. O álcool pode provocar uma sensação de ardência, mas isso é normal. Tudo bem? — Norman avisou antes de começar com o procedimento

Orc apenas cuspiu qualquer baboseira, que Norman impassivel, prontamente ignorou

Norman aplicou o conhaque no local da ferida, enxaguando o excesso. Orc mordeu sua própria mão pra não gritar de dor.

— Segurem ele com firmeza — Norman disse, apontando para os outros sequestradores.

Em momentos de pausa no procedimento, Orc olhava nervosamente para os dois lados do corredor escuro e estreito como um animal encurralado. Seu rosto enfiado no peito não parava de suar frio.

Eles prenderam o homem firmemente, enquanto Norman rasgava o tecido da roupa do homem.

Os músculos de Orc ficavam tensos durante todo o procedimento. Cada vez que Norman se aproximava da flecha, os músculos em torno da ferida se contraíam involuntariamente, acompanhados por uma resposta muscular instintiva à dor.

Segurando firmemente a base da flecha próxima à pele com uma mão e, com a outra, posicionada perto das penas, ele a segurou para evitar movimentos laterais durante a retirada.

Ele respirava com dificuldade, mostrando sinais de dor. Orc esforçava-se para controlar a respiração, mas cada inspiração profunda tornava-se uma batalha contra a aguda dor irradiando do ombro.

Cada movimento, mesmo realizado com extrema cautela, provocava gemidos de dor em Orc. O som quase escapava de seus dentes cerrados, deixando clara a agonia, mas Norman permanecia focado. Com cuidado, ele retirava a flecha alojada lentamente, mantendo o mesmo ângulo em que ela entrou. Contudo, devido aos tremores em sua mão causados pelos ferimentos anteriores, a flecha rasgou mais do que deveria.

O gume gelado da flecha fora retirado, uma grande quantidade de sangue jorrou do ferimento. O garoto pegou os panos limpos restantes, estancando o sangramento e pressionando firmemente sobre a área afetada.

O garoto solicitou que um dos homens segurasse o pano, enquanto ele preparava algumas ervas medicinais para aplicar na ferida. Após triturar as ervas, ele lavou a ferida com conhaque novamente.

Quando o conhaque tocou a ferida, uma onda inicial de dor fez Orc ofegar. Uma sensação aguda, como se sua pele estivesse sendo consumida pelo fogo, espalhou-se pela área ferida, forçando-o a cerrar os dentes e soltar um grunhido abafado. O conhaque, apesar de suas propriedades antissépticas, provocava uma dor intensa que penetrava até as entranhas de Orc.

Norman procedeu à aplicação das ervas sobre a ferida, enfaixando com os panos. Simultaneamente, utilizando os remanescentes das vestimentas de Orc. O menino confeccionou uma tipoia improvisada, visando a imobilização adequada do braço.

Goblin tinha os olhos distantes, como se estivesse perdido em seus próprios pensamentos.

O homem de feições comuns, vestindo uma camisa verde com estampa de camuflagem, outro integrante do grupo, levantava-se com um rosto sério enquanto verificava as condições do outro sequestrador atingido por uma flecha. Eles eram meio-irmãos; o pai deles havia se casado com três esposas, resultando em um total de seis crianças. Dentre todas, apenas as duas crianças haviam alcançado a fase adulta.

Uma única lágrima desceu do seu rosto, enquanto ele posicionava o boné para cobrir a ferida no rosto de seu meio-irmão. Olhando para o chão, ele viu a poça de sangue englobando a sola das botas dele, o que o fez quase vomitar. Cobrindo a boca com a mão, ele pensou:

“Não se preocupe irmãozinho, eu vou curtir a vida por nós dois. Eu não vou deixar ninguém ficar com a sua parte.” 

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Numa parede coberta pelo verde do musgo, um garoto estava assentado, segurando a própria camisa com os dentes, trilhando suas mãos entre as ervas medicinais que repousavam à sua frente. Com cuidado, passava sobre os ferimentos em sua costela e barriga.

“Por que dói tanto… Calma, Norman. Concentre-se em cuidar da sua perna agora. Sim, é preciso manter o foco… ela já está muito inchada.” Os lábios dele tremiam ligeiramente.

Depois de ter passado o remédio nas feridas,  ele soltou um suspiro pesado, jogando a cabeça para trás em um gesto de resignação pousando a cabeça na parede, antes de puxar uma parte da calça pra cima, ele pegou um pano colocando na boca.

Ele tinha conseguido tratar um pouco da perna, evitando que ela ficasse muita inchada aliviando a pressão nos tecidos circundantes. Mas devido a não ter uma tala era difícil manter a perna imovel, quando o osso se movia. Norman só poderia cerrar os dentes e esperar a dor parar.

Os homens estavam de pé, e alguns deles haviam avançado à frente para verificar possíveis armadilhas, mas logo retornaram. Parecia que aquela armadilha era a única ainda ativa.

Os homens que seguiram em frente disseram que após o corredor estreito havia uma bifurcação. O olhar do Chefe se voltou para o menino:

— Para qual dos dois lados devemos seguir?

 A chama tremulante lançou luz nas paredes e mostrou os contornos do rosto de Norman. Seus olhos, agora iluminados pela tonalidade dourada, brilhavam com uma expressão meditativa.

“Com base nas lembranças dos livros do meu pai, recordo-me de que esse tipo de instalação seguia padrões específicos. A padronização visava simplificar a construção, com a parte esquerda destinada à garagem e ao armazenamento. No lado direito, encontrava-se a porta que conduzia mais profundamente no bunker, onde ficavam os laboratórios, dormitórios e salas de treino.”

Abrindo um pequeno sorriso, ele disse:

— Vamos pelo lado direito.

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