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— Por que eu vim? Quanto a isso… Há muito tempo atrás, o senhor me emprestou dinheiro… — Enquanto Dave falava, Klaus notou suas mãos inquietas, a respiração ofegante, os gestos pacificadores e a pressa no jeito de falar.

— Ah, sim, me lembro desse empréstimo. — Klaus sorriu, mantendo um tom casual enquanto observava atentamente Dave. “Se Dave está aqui, só pode significar uma coisa… Mas me deixa em dúvida, por que você não o matou, Heitor? Você me intriga, caro Senhor Corbeau.”

— Precisei voltar para acertar as contas. — Dave continuava, mas seus olhos mostravam confusão. — Não posso mais ignorar o que ficou pendente.

Klaus retirou uma pequena chave de um dos bolsos internos do seu traje militar vermelho, colocou-a na fechadura da gaveta abaixo de sua mesa e retirou alguns papéis. “Parece que eu não vou mais precisar dessas cartas”, pensou, mas manteve a conversa fluindo.

— Eu já considero sua dívida quitada, mas depois conversamos sobre isso. — Klaus continuava com um sorriso afável, observando o sorriso torto de Dave. — Mas me diga, Dave, o que exatamente o fez voltar agora? Você recaiu?

— Não, eu não… eu não joguei mais desde aquele dia… Bem, você sabe — Dave balbuciou, visivelmente nervoso, enquanto Klaus começou a mexer em alguns papéis.

“Para ele ter voltado, suas memórias de regressão foram ativadas”, refletiu Klaus, levantando uma sobrancelha sem tirar os olhos dos recém documentos postos na sua mesa. Ele sorriu, um sorriso que não alcançava os olhos, e se recostou na cadeira.

— Entendo. A família é uma coisa poderosa, não é? — Uma memória deliciosa passou pela mente de Klaus. Ele levantou-se e caminhou até uma estante de livros; de costas, sentiu sua boca encher de água, como quando se come uma comida com excesso de açúcar.

— Tive sete filhos — comentou ele repentinamente, com um sorriso genuíno, do tipo que eleva os cantos da boca e dos músculos oculares, que aumenta as bochechas e forma pés de galinha ao redor dos olhos —, mas quando estavam em amadurecimento, quando suas carnes ainda cheiravam a leite, foram tirados de mim, restando-me apenas Helena.

— Eu lamento — disse Dave.

— Não lamente… Não tem porque lamentar, fatalidades eventualmente estão fadadas a acontecer…

Dave sentiu um pouco de raiva no tom de voz de Klaus.

Ele continuou:

— Eu me culpo por Helena ter nascido mulher e não homem, pois ela seria digna de me suceder. Você acredita, ela até gosta de história como eu, sempre foi fascinada por história. Uma vez, fazia dias que eu não saía daqui de dentro. Ela entrou, segurando um livro que havia ganhado, e compartilhou algo bastante interessante.

Klaus fez uma pausa, seu olhar ficando distante enquanto saboreava a memória.

— Ela me contou que, durante a época das luzes, quando se precisava enviar uma mensagem, era muito importante escolher bem o mensageiro, precisavam saber correr rápido e serem treinados. O destino desses mensageiros era tão imprevisível quanto a mensagem que carregavam. Se a notícia fosse boa, o rei, em sua magnanimidade, poderia ordenar um banquete em homenagem ao mensageiro, fazendo-o sentir-se um herói. Mas se a mensagem fosse ruim…

Klaus inclinou-se ligeiramente para frente, os olhos cintilando com uma malícia, porém era impossível para Dave perceber isso, talvez a única coisa capaz de ver aqueles olhos maníacos fosse o reflexo do rosto do General na estante de livros.

— …o rei, em sua fúria, frequentemente mandava decapitar o mensageiro no ato. Não importava que o portador da notícia fosse apenas um intermediário; a presença dele, o mero fato de ser o veículo da desgraça, tornava-o insuportável.

Ele fez uma pausa, deixando o silêncio impregnar a sala antes de continuar.

— Nós, seres humanos, temos uma aversão profunda àqueles que trazem más notícias, como se pudéssemos erradicar o infortúnio eliminando seu mensageiro.

Enquanto falava, estendeu a mão em direção à estante de livros e retirou dois volumes, revelando uma alavanca escondida. Ao puxá-la, um barulho de trilhos repercutiu pelo escritório. Lentamente, o meio da estante, que cobria de um lado a outro da parede, começou a se abrir, revelando vários lances de escadas de pedra branca.

— Mas nem tudo está perdido, os deuses, em sua misericórdia, me concederam um novo sucessor.

O silêncio que se seguiu foi pesado, quase tinha forma física.

Klaus virou-se parcialmente, mantendo o tom calmo, mas com uma pitada de urgência:

— Acho que acabei estragando o clima… Sabe como é, um pai sempre se empolga quando fala dos filhos.

— Sim, eu sei como é — acrescentou Dave à frase do General.

— Não resistimos à oportunidade de mencionar o quanto são talentosos e inteligentes. Por favor, peço desculpas por isso. Prezamos muito pela hospitalidade, então, deixe-me compensar. Venha comigo, Dave. Nossos funcionários, mudando de assunto, já comentaram?

— Sobre o quê?

— Que eu acabei de chegar de uma viagem longa e cansativa. Acho que podemos continuar nossa conversa em outro lugar. Já esteve em uma sauna? — Klaus perguntou casualmente.

Dave já havia ouvido falar sobre a reputação da Casa Solon. Era conhecida por ser um lugar onde a hospitalidade era levada ao extremo. Os anfitriões eram famosos por sua generosidade, oferecendo tudo o que os convidados pudessem desejar, inclusive garotas dispostas a satisfazer qualquer capricho dos visitantes. O ambiente era sempre luxuoso e reservado, um refúgio onde os poderosos podiam se entregar aos prazeres sem medo de julgamento ou consequências.

— Sauna? — Dave pareceu surpreso, mas a desconfiança ainda era uma lanterna em seus olhos. — O que você está planejando, senhor?

— Nada de mais, apenas um pouco de conforto após uma longa viagem. — Klaus sorriu, os olhos cansados da idade se fechando em harmonia com os lábios.

Dave hesitou, mas finalmente deu um passo à frente, seguindo Klaus pela escadaria.

À medida que desciam a escadaria de pedra, Dave começou a sentir o calor crescente e o ar mais úmido. A atmosfera mudava gradualmente, deixando para trás a formalidade do escritório e entrando em um ambiente mais relaxante e acolhedor. Klaus mantinha um ritmo tranquilo, como se estivesse acostumado com aquele percurso, enquanto Dave, inicialmente tenso, começava a se deixar envolver pelo ambiente.

Havia uma ante-sala, onde era estantes com alguns cestos, servindo para colocarem as roupas. O Senhor Solon, despiu-se primeiro, e se envolvendo em uma toalha, arrastou a porta entrando e disse antes de entrar:

—Quando terminar, sente-se e relaxe um pouco. 

  Fechou a porta e se acomodou em um dos bancos de madeira.

— Diga-me, Dave, como está o seu chefe, Heitor? — dentro da sauna, Klaus falou enquanto fechava os olhos momentaneamente, deixando o calor da sauna aliviar a tensão de seu corpo.

Ao ouvir o nome, os olhos de Dave se arregalaram por um instante, e sua expressão mudou drasticamente. Ele ficou imóvel, como se estivesse lutando contra algo em sua mente. Era semelhante a sensação de um clique mental, algo havia mudado. Seu olhar tornou-se vazio, indicando que ele estava sendo controlado por forças além de sua vontade.

O General, com os olhos ainda fechados, não notou a transformação. Dave, movido como uma marionete, lentamente sacou um revólver de dentro do casaco, apontando diretamente para Klaus através da porta. Seu movimento era mecânico, quase robótico, e suas mãos, antes trêmulas, agora estavam estranhamente firmes.

Klaus, ainda de olhos fechados, fez um leve movimento para o lado, talvez um reflexo instintivo de anos de treinamento militar. No exato momento em que ele se movia, Dave apertou o gatilho.

O som do disparo ecoou pelo ambiente abafado da sauna, e Klaus caiu no chão, segurando o ombro onde a bala o atingira. Ele viu Dave arrastar a porta e olhou para Dave, cuja expressão era de puro horror e confusão, como se tivesse acabado de acordar de um pesadelo.

— O que… o que eu fiz? — Dave murmurou, mas seus olhos voltaram a ficar vidrados, e ele começou a se mover novamente, controlado como um autômato.

Percebendo que Klaus ainda respirava, Dave andou com passos fortes e determinados, suas botas pretas batendo ruidosamente no chão de madeira da sauna. Ele jogou o revólver no chão e puxou uma faca militar de um coldre de couro preso nas costas do seu sobretudo, entrando em posição de combate, pronto para atacar o General.

Klaus, ainda no chão, tentava se levantar, sentindo uma dor lancinante no ombro ferido. Ele estava nu e desarmado, mas anos de treinamento militar tinham o seu valor… Muito mais que um tiro era necessário para frear soldados da sua geração.

Ele levantou-se do chão mantendo os dois olhos em Dave, e usou a toalha que estava usando para envolver as mãos. Ergueu os dois punhos, um protegendo o maxilar e o outro ligeiramente à frente, preparando-se para lutar de mãos vazias.

Dave avançou com a faca, desferindo um golpe rápido e certeiro em direção ao peito de Klaus. O General, apesar da dor, conseguiu desviar o corpo para o lado, agarrando o pulso de Dave e torcendo-o com força. A faca caiu da mão de Dave, batendo no chão com um som metálico.

Klaus aproveitou a abertura e desferiu um soco forte no estômago de Dave, que cambaleou para trás, recuperando-se rapidamente e lançando-se novamente sobre Klaus. A luta se tornou uma série de movimentos rápidos, com golpes e contra-golpes.

Dave atacou com uma série de socos rápidos, forçando Klaus a recuar. O General bloqueou a maioria dos golpes, mas um soco atingiu seu queixo, fazendo sua cabeça girar. Ele balançou, mas não caiu. Klaus aproveitou a proximidade para desferir uma cabeçada no nariz de Dave, que recuou, atordoado.

Com a faca caída no chão entre eles, os dois homens ficaram imóveis por um segundo, respirando pesadamente. Klaus sabia que precisava acabar com aquilo rapidamente, Dave tinha vantagem contra ele, pois era mais novo.

Ele avançou, agarrando Dave pelo pescoço e tentando imobilizá-lo. Dave lutou ferozmente, tentando livrar-se do aperto de Klaus, mas o General usou todo o seu peso e força para derrubá-lo no chão.

Dave, ainda controlado, lutava com força descomunal. Conseguiu empurrar Klaus, jogando-o de volta ao chão. Klaus rolou para o lado, pegando a faca antes que Dave pudesse alcançá-la novamente.

O tenente agora estava desarmado, pôs um pé no chão com força, e começou a distribuir o peso de um pé para o outro, movendo-se como um soldado experiente. Ele balançava de um lado para o outro, saltando de um pé para o outro, sua guarda subindo e descendo. O General observou Dave expirando e inspirando fundo, porém não achou prudente atacar nesse momento, pois claramente Dave o estava atraindo.

O General pôde ver algo como uma névoa de calor saindo do corpo de Dave, e como um raio, Dave partiu em alta velocidade em sua direção.

Quando Dave se lançou para frente, Klaus usou a faca para desviar do soco cruzado do tenente, cortando superficialmente o braço de Dave.

A dor pareceu brevemente acordar Dave de seu transe. Ele olhou para Klaus, os olhos mostrando um lampejo de humanidade, mas a hipnose retomou o controle rapidamente. Klaus sabia que precisava terminar a luta antes que fosse tarde demais.

Usando a faca, Klaus golpeou o lado da perna de Dave, fazendo-o cair de joelhos. Klaus então desferiu um golpe com o punho no queixo do tenente, derrubando-o de costas. Solon Klaus se posicionou sobre Dave, imobilizando-o, a faca agora contra a garganta de Dave.

— Como nos meus tempos de juventude — riu-se alto, enquanto Dave se rebatia como um peixe pescado.

O General retirou a faca do pescoço de Dave, transferindo-a para a outra mão. Em um movimento rápido, virou-se e cortou os tendões de ambos os calcanhares do tenente. Somente então se levantou de cima do homem.

Dave gritou de dor, seus gritos eram horripilantes, fazendo qualquer pessoa em sã consciência querer tapar os ouvidos e desviar o olhar. Klaus, por outro lado, apenas se abaixou para pegar a toalha do chão, enrolando-a em volta do corpo antes de se sentar.

Klaus, ofegante e com o ombro sangrando, olhou para Dave:

— É engraçado isso, a dor quase desapareceu — observou, olhando para o próprio ombro. — Essa é a principal diferença entre ser esfaqueado e levar um tiro. Tenho certeza de que você sentiu o fio frio da faca entrando na sua carne, e doeu a cada instante em que ela esteve dentro de você.

Os gritos cessaram, e o General recostou a cabeça na parede, falando como se houvesse mais alguém na sala.

— Ele apagou… Heitor, tenho que te agradecer quando nos encontrarmos de novo. Nunca recebi um presente com tamanha personalidade… Usar hipnose em um soldado que eu condicionei, e depois usar esse mesmo soldado para tentar me matar… Você é um homem bastante irônico, não concorda, minha querida?

— Vou chamar um médico — disse a governanta da mansão, Helena, com seus cabelos ruivos e olhos fixos na figura do pai.

— Antes de ir… por que deixou ele entrar armado?

— Ora, papai, somos a Casa Solon. Não ofendemos nossos convidados com revistas. Dentro desta casa, é território neutro, todos sabem disso.

Sem ouvir uma resposta, ela se virou e caminhou em direção à saída.

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Olá, eu sou Kaua Paulino!

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